"Brexit Behind Closed Doors" | © Journeyman Pictures

DocLisboa ’19 | Brexit Behind Closed Doors, em análise

Brexit Behind Closed Doors” é um dos títulos em destaque nos primeiros dias do DocLisboa deste ano, estando integrado na secção Da Terra à Lua do festival.

Em tempos, quando se viam séries televisivas sobre as intrigas da política internacional, muitos falavam de falta de credulidade e exageros dramáticos. Afinal, Frank Underwood nunca poderia ser Presidente dos EUA com o comportamento público que exibe em “House of Cards”. Desde 2016, contudo, tais críticas têm perdido vigor. A realidade, pelo que se vê, é infinitamente mais estranha, bizarra e enlouquecida que qualquer ficção. Oxalá tudo fosse ficção.

De forma semelhante, o advento do Brexit e suas ramificações podem parecer uma trama de uma comédia de Armando Iannucci, mas são um pesadelo lúcido pelo qual todos temos de passar. Lode Desmet certamente viu o potencial dramatúrgico de tal situação, tendo feito todo um documentário sobre o interminável divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia. “Brexit Behind Closed Doors” trata-se de um documentário com um pé no absurdo e outro no humor de escritório, parte tragédia diplomática parte farsa política.

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© Journeyman Pictures

O protagonista de tais afazeres é Guy Verhofstadt, o antigo primeiro-ministro belga que foi destacado para coordenar a separação despoletada pelo Brexit em nome do Parlamento Europeu. Longe de ser um herói ou um vilão claramente definido, ele é simplesmente um diplomata frustrado. É na sua companhia que nos vamos enveredando pelas negociações do Brexit, pelo criar de acordos regularmente deitados abaixo e abandonados.

O estilo de filmagem não é espetacular, preferindo uma certa passividade temática e estética. Mesmo o som tende a refletir tais escolhas, sendo que muitas vezes as conversas são tão abafadas que mesmo pessoas que sabem inglês terão dificuldade em descodificar os sussurros sem o auxílio de legendas. Há uma falta de glamour a todo o edifício do documentário que se sente em infindáveis escritórios cinzentos e conversas irritadas que nunca levam a lado nenhum.

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Se tal descrição sugere algo frustrante de se ver é porque Desmet construiu o perfeito retrato cinematográfico do Brexit. Não que o filme seja tão enervante e intragável como as políticas nele representadas. Há algum humor na abordagem aqui empregue. O uso de uma narração em voz-off é particularmente útil na calibração de tom, dando a todo o projeto a sonoridade de um jovial documentário sobre vida selvagem. Ao invés de gazelas a fugir de leões, contudo, temos reuniões sobre emendas anódinas.

Há uma deliberada lentidão no desenrolar destes eventos, sendo que o otimismo inicial e o ultraje calcinado gradualmente vão dando lugar a pachorrento desespero. Nesse sentido, há algo mesmo de BBC Vida Selvagem no filme, sendo que o modo como cada reunião começa com indivíduos cada vez mais tensos nos diz tanto sobre a ação como a pose caçadora de um predador. Aprendemos por observação e com dois anos de filmagens condensados em duas horas, há muito para observar.

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© Journeyman Pictures

À medida que essas horas passam e nada se resolve, vamo-nos desmanchando em lágrimas e risadas soluçadas. Não se trata de uma questão de rir ou chorar. Com o Brexit fazemos os dois ao mesmo tempo, pois a alternativa é a depressão e o aborrecimento. Admitimos, por isso, que muitos serão aqueles que irão encontrar em “Brexit Behind Closed Doors” uma fonte de generosas quantidades de aborrecimento mortal, daquele que narcotiza e agoniza em igual medida.

O filme nunca tenta cativar um hipotético espectador que já não se interesse por estes assuntos de política internacional e as suas contextualizações são poucas e muito débeis quando efetivamente marcam presença. A discussão do caso irlandês é particularmente anémica face à magnitude do problema. É verdade que com este tipo de exercício documental, demasiada pompa e circunstância cinematográfica podem facilmente tombar para o sensacionalismo. No entanto, um pouco de aprumo formalista e precisão rítmica poderiam ter feito deste fascinante retrato algo mais acessível e cativante.

Brexit Behind Closed Doors, em análise
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Movie title: Brexit Behind Closed Doors

Date published: 18 de October de 2019

Director(s): Lode Desmet

Genre: Documentário, 2019, 118 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

Entrecortado pela voz de Theresa May em discurso público e imagens de Bruxelas sob um manto de chuva, “Brexit Behind Closed Doors” é um retrato de dois anos de discussões e acordos desfeitos. É algo enfadonho e absurdo, fazendo rir o espetador na mesma medida em que o faz bufar de frustração.

O MELHOR:
O sentido de absurdo e irritação que vai crescendo com o passar dos dois anos de inação.

O PIOR: A amorfia acinzentada de todo o documentário e seu ritmo letárgico. São escolhas deliberadas, mas não são mais-valias da produção.

CA

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