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Falcon Lake, no lago onde os fantasmas e as jovens almas se afogam…!

Charlotte Le Bon estreia-se na realização de longas-metragens com “Falcon Lake”, uma obra protagonizada pelos jovens Sara Montpetit e Joseph Engel.

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No princípio não foi o verbo mas sim a novela gráfica ou, se preferirem, simplesmente uma banda desenhada intitulada “Une Soeur” (Edições Casterman, 2017), escrita e desenhada por Bastien Vivès. No livro, um jovem rapaz de 13 anos chamado Antoine vai de férias com os pais para a Bretanha, Norte de França. Instalam-se na l’île aux Moines no coração do golfo de Morbihan. Aí Antoine encontra uma adolescente, Hélène, filha de uma amiga da família, que aos 16 anos acabara de sofrer um aborto espontâneo. Ele e ela partilham o mesmo quarto e pouco a pouco vão aproximando os seus percursos. O despertar da sexualidade de Antoine far-se-á gradualmente no contacto diário e cada vez mais íntimo com Hélène.

NO LAGO ONDE OS FANTASMAS E AS JOVENS ALMAS SE AFOGAM…!

Falcon Lake
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Em FALCON LAKE (2023), o filme, primeira longa-metragem da canadiana Charlotte Le Bon, voltamos a ver um rapaz e uma rapariga com as mesmas idades, mas desta vez a acção decorre no Canadá, algures num recanto muito agradável e saudavelmente selvagem que supostamente passa por ser Falcon Lake, lago situado na fronteira entre as Províncias do Manitoba e do Ontario onde a realizadora deixou gratas memórias da sua juventude. Na verdade, por razões práticas de produção, o filme foi rodado em Gore, na Província maioritariamente francófona do Quebeque.




Não obstante o argumento contar com a presença de outras personagens, nomeadamente os pais dos agora denominados Bastien (Joseph Engel) e Chloé (Sara Montpetit), e ainda do irmão ainda criança de Bastien (a quem este conta histórias do arco-da-velha para que o mais novo o deixe em paz), na verdade a realização parece apostada em fazer das outras figuras do elenco meros protagonistas de fugazes episódios fruto de uns dias bem passados numa qualquer escapadela de Verão.

Falcon Lake
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Por exemplo, os pais e em geral os mais velhos são como adultos algo ausentes, apesar da sua presença nas rotinas diárias. Fazem-se sentir, nunca chegam a desaparecer por completo, mas em muitas sequências são meras vozes que falam quase sempre fora do enquadramento num exercício visual que, por sua vez, privilegia os planos próximos sobre os rostos e os corpos de Bastien e Hélène. Trata-se claramente de uma opção estética da realizadora que nos obriga a concentrar a atenção sobre a relação de ambos e as circunvoluções, para o melhor e o pior, que se desenvolvem nos intermitentes encontros com outros jovens, quer em surtidas avulsas pela floresta quer em mergulhos refrescantes no lago, assim como num bom número de festas onde se bebe e fuma erva, ambientes estivais onde Bastien consolida a sua atitude mais solta e descontraída face aos outros e face a uma Hélène adolescente/mulher que começa a entrar sem pedir licença nos seus sonhos mais húmidos. Festas e convívios de diversa ordem onde por sinal poucas ou nenhumas raparigas se distinguem a não ser em apontamentos mais ou menos breves e mais ou menos secretos, situações marcadas pela partilha até certo ponto bem comportada das experiências sexuais próprias da adolescência que não deixam adivinhar nada mais do que isso mesmo, pequenos jogos de descoberta em que as cartas lançadas na mesa são as que a maioria já conhece de cor e salteado.




Falcon Lake
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Pelo contrário, Bastien vai pouco a pouco ampliando o seu conhecimento da matéria carnal, e no processo de crescimento  vai descobrir o primitivo pulsar do desejo. Neste contexto, a mais experiente Hélène sabe o valor de cada carta e reserva para si os naipes vencedores que permitem controlar as contradições de uma relação inicialmente vista como improvável. Todavia, a alma irrequieta e a morbidez intelectual de Hélène, capaz de inventar fantasmas e mortes por afogamento, define desde cedo um padrão de comportamento que se irá prolongar ao longo da narrativa e acaba por contaminar a percepção da realidade circundante onde, por outro lado, não se encontram razões plausíveis para acontecer alguma desgraça ou para surgir do nada um acto sobrenatural que possa atormentar os vivos que por ali circulam. Esta dose de conflito existencial e mistério que se adensa para o final acabará por emergir nas derradeiras sequências de forma subtil, porventura demasiado subtil (mas mesmo assim relativamente eficaz), alimentando a componente poética e, porque não dizê-lo, vencendo a fragilidade espiritual e romântica de FALCON LAKE.

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Falcon Lake, crítica
Falcon Lake

Movie title: Falcon Lake

Director(s): Charlotte Le Bon

Actor(s): Joseph Engel, Sara Montpetit, Monia Chokri

Genre: Drama, 2022, 100min

  • João Garção Borges - 55
55

Conclusão:

PRÓS: Em 2022, recebeu o Prix Louis-Delluc para Melhor Primeira-Obra.
Em 2023, recebeu galardão similar, o John Dunning Best First Feature Award, atribuído pelo Canadian Screen Awards.

CONTRA: Nada de especial. Precisava de um pouco mais de energia e ousadia na abordagem do despertar da sexualidade.

E já agora, de aproveitar melhor o local de rodagem, um espaço onde a Natureza e o Homem se confundem. Não desconheço aquelas paragens e confesso que quem quiser casar matéria com espírito sob um céu imenso está no sítio ideal. Diga-se ainda que o nome Falcon Lake referente ao verdadeiro lago foi atribuído em homenagem ao poeta e compositor métis (filho de pai branco e de nativa americana) Pierre Falcon (1793-1876), que na sua obra lírica e nas suas canções descreveu inúmeras aventuras de viajantes através do que era então um novo mundo por desbravar. O pulsar do CORPO e da TERRA que muita falta faz ao estilo arrumadinho de Charlotte Le Bon.

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