Cartaz promocional da Festa do Cinema Italiano online © Festa do Cinema Italiano

13ª Festa do Cinema Italiano | Anette Dujisin em entrevista exclusiva

A 13ª Festa do Cinema Italiano estende-se à Filmin Portugal, razão mais do que suficiente para conversarmos com a diretora da plataforma Anette Dujisin. 

Após termos conversado com Stefano Savio, o diretor da Festa do Cinema Italiano, a Magazine.HD esteve à conversa com Anette Dujisin, a diretora da plataforma de streaming e video-on-demand FILMIN Portugal.

Há muito que ambicionávamos conversar com Anette Dujisin e conhecer quais são os principais desafios da ferramenta digital mais importante de Portugal em termos de cinema de autor e de cinema independente. Falou-se obviamente dos filmes da Festa do Cinema Italiano que podem ser vistos à distância de um clique, mas também não esquecemos outras perguntas e curiosidades sobre a plataforma.

Anette Dujisin, diretora da FILMIN Portugal, esteve à conversa com a MHD

Festa do Cinema Italiano
Paola Cortellesi e Valerio Mastandrea em “Figli” (2020) © Wildside, The Apartment e Vision Distribution

De uma maneira breve, Anette Dujisin reforça que o objetivo da FILMIN passa, essencialmente, por ser um complemento à sala de cinema, nunca uma substituição. Até pode soar estranho como uma diretora de uma plataforma streaming passa-nos esta visão, mas de facto para Anette Dujisin a “experiência em sala é fundamental”.

Para a diretora da FILMIN é ainda mais importante chegar aos locais de Portugal onde a sala não exista, ou onde o cinema de autor não chega. Há realmente que aproveitar enquanto vivemos num país onde a internet funciona muito bem. Passemos agora a palavra a um dos rostos mais importantes das transformações modernas em Portugal no que toca à sétima arte e às novas maneiras dos filmes chegarem às pessoas.

MHD: Que filmes da Festa do Cinema Italiano ainda podem ser vistos na Filmin Portugal? 

Anette: Este ano decidimos fazer uma programação dinâmica na FILMIN Portugal. Pode parecer algo confuso porque alguns filmes já não estão disponíveis, outros ainda vão entrar. A ideia era acompanhar um pouco o que se está a fazer na sala. O filme “Manual de Sobrevivência para Pais” já não está disponível, porque sendo uma antestreia nacional,  disponibilizámo-lo num só dia após a sua estreia em sala. Hoje temos “Favolacce“, um filme que ganhou dois prémios na Berlinale, disponível para um máximo de 100 pessoas, sendo uma antestreia nacional, que terá eventualmente a estreia em sala, caso estas sobrevivam…

MHD: Irão sobreviver….

Anette: Fizemos dentro desta dinâmica. Temos também “Ricordi?”, de Valerio Mieli, um filme apresentado em Veneza em 2018 e que ganhou vários prémios. É um filme muito especial que tem como ator principal o Luca Marinelli, que ganhou o prémio de Melhor Ator no Festival de Cinema de Veneza no ano passado. Esse filme, por exemplo, entrou agora com a Festa do Cinema Italiano, e só está disponível em FILMIN. Não fez a sala e vai ficar em Filmin nos próximos tempos. Este é realmente um caso mais especial. Quisemos ter um filme que fosse uma estreia “nossa”. Estará disponível para todos os subscritores e não é preciso pagar nenhum valor extra.

Ricordi? em destaque na FILMIN Portugal na 13ª Festa do Cinema Italiano

Lançamos outros filmes em conjunto com a sala, como por exemplo “Il Campione”, do Leonardo D’Agostini sobre um jogador da bola demasiado irrequieto… Acho que poderia funcionar para o público português, sendo este um país de grandes jogadores. Depois temos “Ma Cosa Ci Dice Il Cervello” que é um filme que estreou no dia 6 de novembro e vai ficar até ao fim do festival. Temos também “10 Giorni Senza Mamma” que entrou ontem com “La Dea Fortuna”, de Ferzan Özpetek, um realizador que aqui em Portugal é bastante apreciado. Este é o seu último filme, sobre um casal de homens que tem de se responsabilizar por duas crianças, sendo uma obra especial que na Itália teve muito sucesso. Já “Un Figlio Di Nome Erasmus” foi completamente filmado em Portugal e conta com uma atriz portuguesa, estando disponível na FILMIN onde está a correr muito bem. Temos também “Bangla“, um filme que já esteve em sala e fica até dia 16 de novembro. São mais ou menos os filmes que partilhamos com o festival. 

Dentro daquilo que é o festival de cinema online temos dois filmes do Nanni Moretti, o “Caro Diario” e a “Palombella Rossa”, que são dois dos seus filmes mais conhecidos. Os filmes sobre a Arte no Cinema também estão na FILMIN, como “Bernini – O Êxtase da Forma”, assim como “Beautiful Things”, um filme de video-arte que estreou no festival no ano passado, mas que decidimos inclui-lo porque é um produto muito especial que poderia encontrar o seu público online. Temos também curtas que estão no pacote da Festa do Cinema Italiano Online.

De resto, pode parecer um bocado confuso, mas quisemos recriar a dinâmica de festival através dos filmes que acontecem a um certo dia e a uma certa hora e não apresentar apenas uma lista enorme.

MHD: Quão relevante considera ser a parceria entre plataformas de streaming e video-on-demand e festivais de cinema? 

Anette: Nesta altura é crucial, especialmente com as dificuldades que os festivais e os eventos físicos têm tido em acontecer dentro das diretivas que vão saindo. Eu vejo estas parcerias como um apoio, não como uma substituição. Não acredito que um festival deva acontecer só online. Na FILMIN temos esta possibilidade dos filmes serem vistos e acredito que o online é uma boa aposta. A Festa do Cinema Italiano tem também outros extensões, ou seja, acontece noutras cidades de Portugal, portanto o nosso pack é mais uma extensão.

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A FILMIN cumpre as lacunas geográficas e está disponível no país inteiro. Acredito que pode ajudar e reforçar, mas nunca deve ser uma substituição à sala. A experiência em sala é fundamental.

MHD: Nenhuma plataforma cresceu tanto nos últimos meses como a Filmin Portugal. Até visualmente tornou-se mais apelativa e fácil de utilizar. O facto das pessoas terem ficado em casa durante vários meses teve certamente algum impacto ou não? 

Anette: Sim, definitivamente. Ainda estamos a aprender a lidar com esta nova realidade, mas apercebemo-nos o que funcionava mais, o que funcionava menos e, para nós, esta possibilidade de criar eventos tornava a FILMIN mais apelativa. A ideia de termos os festivais de cinema online é algo especial. Não é só ‘pagas a subscrição e tens as listas dos filmes’, mas há momentos especiais, que duram algum tempo. Fizemos inclusive algumas estreias em video-on-demand durante a quarentena da passada primavera, e funcionaram muito bem.

A mudança de visual foi mais uma coincidência. Era algo que estavamos a trabalhar e, na verdade, atualizamo-nos com o passar do tempo. Eu gosto desta ideia de acompanhar o que se passa na vida real e não apenas criar um mundo paralelo online. Quando um festival esteja decorrer, gosto que a FILMIN acompanhe. Gosto destas dinâmicas.

Temos também mais procura por parte dos festivais, alguns dos quais infelizmente não poderão acontecer fisicamente ainda este ano e passarão todos para o online. Acredito que damos uma oportunidade para que estes festivais possam acontecer. De podermos disponibilizar esta janela para que os filmes não sejam cancelados.

MHD: A FILMIN dá a mão a arte. 

Anette: A ideia é essa, de que temos que nos ajudar entre todos. Estas parcerias dão-nos qualidade, assim como os filmes em exclusivo e gostamos que a nossa programação seja diferente de todas estas plataformas de streaming que existem. Essas acabam por ter exatamente os mesmos conteúdos. Ao colaborarmos com estes eventos podemos ver e mostrar filmes que, de outra maneira, não poderiam chegar ao streaming.

Anette Dujisin
Carlotta Antonelli e Phaim Bhuiyan em “Bangla” (2019) © TIMvision / FILMIN Portugal

MHD: A Filmin Portugal dá a conhecer a qualquer pessoa, à distância de um clique, os filmes mais importantes da História do Cinema. Na Filmin Espanha existe, por exemplo, a ferramenta “The Filmin Times” que ajuda ao entendimento da história através do cinema. A equipa portuguesa já pensou fazer o mesmo? 

Anette: Nós falamos muito com a equipa de Espanha em relação ao projeto do “The Filmin Times”. Mas a FILMIN Portugal tem cerca de 2 mil filmes em catálogo, a FILMIN Espanha tem cerca de 15 mil filmes. Acho que para fazer algo que faça sentido nós precisávamos de mais conteúdos. Eles vão muito ao particular e falam da 2ª Guerra Mundial, onde introduzem um vasto leque de filmes. Nós temos muitos filmes, embora o nosso corpo não seja suficiente para lançarmos um projeto do género. Há essa hipótese, mas iremos esperar mais um pouco para que seja uma coisa realmente forte. Poderíamos falar de momentos históricos muito pontuais, como por exemplo, o 25 de abril, pois temos algumas obras portuguesas. No entanto, ainda não temos aquele conjunto suficiente para criarmos um projeto do género.

MHD: Quão desafiante é desenvolver uma plataforma com uma certa objetividade em relação aos filmes? Isto porque hoje em dia são muitos os artistas e cineastas escrutinados pelos media, que até o seu trabalho na sétima arte acaba esquecido ou por ser ignorado. 

MHD: Acho que se formos por essa estrada, seremos inquisidores e esse não é o nosso papel. O nosso objetivo é termos um leque de cinema mais amplo possível e nós estamos a julgar certos realizadores por uma questão ou outra. Cabe ao utilizador ver ou não ver. Não temos filmes, por exemplo de Woody Allen, mas não é nada por uma questão de censura. Nós somos completamente o oposto.

Na FILMIN temos a possibilidade de ver os filmes com mais calma. Nós somos uma ferramenta de pesquisa, de aprofundamento. Lança-se um filme importante do autor em sala e os seus filmes mais antigos podem ser vistos em FILMIN, caso o espectador tenha curiosidade sobre a sua cinematografia, ou sobre a cinematografia do respetivo país.

Nós trabalhamos em profundidade. Temos sempre filmes novos, e queremos que esses filmes tragam o potencial de explorarmos novos temas. Nós trabalhamos as partes das “Coleções“, porque precisamos de algo para acompanhar o filme em estreia, além de ser uma oportunidade para descobrirmos outros projetos. Trata-se de puxar algo do catálogo, e voltarmos a destacá-lo. Existem filmes lindos mas o realizador não é conhecido, ou a sua obra tem alguns anos e quando voltamos a contextualizar pode ganhar outra vida. Vamos sempre remexer no catálogo e reapresentar certos autores, aproveitando a boleia de um acontecimento, do lançamento de um filme ou de um focus.

Temos ainda muito trabalho a fazer, não estamos completos. Temos grandes falhas do cinema clássico, sobretudo do cinema português, embora isso seja uma questão de direitos. Não conseguimos chegar aos filmes de Manoel de Oliveira, nem aos filmes do João César Monteiro. É algo crucial, que deveríamos ter, mas estamos de mãos atadas, pelos direitos não nos são cedidos… nem sequer são cedidos a outras plataformas. Nem sequer estão em DVD. Há muito trabalho por fazer.

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MHD: A FILMIN Portugal não é apenas uma plataforma em que o conteúdo é quase como atirado aos cães, acredita que a plataforma que consegue criar novos públicos? 

Anette: A sensação que eu tenho é que o público de FILMIN é mais ou menos cinéfilo. Há quem seja mais cinéfilo e outros mais curiosos pelo cinema independente. Acho que em termos de criar novos públicos ainda não chegámos a eles. O nosso público é de nicho, aquele que sabe o que quer.

Recentemente criámos a ferramenta “Canal Essencial”, que ajuda os espectadores que não têm tanto conhecimento do cinema independente, mas que querem aprender. Não queremos que o público se sinta intimado, chegue à plataforma e se depare imediatamente com 2 mil filmes ou coleções complexas. Esta espécie de “Mini-FILMIN” é feita para aqueles que não viram os últimos vencedores da Palma de Ouro, ou não viram os clássicos e querem começar a ver.

O Canal Essencial está dividido por temáticas e tem cerca de 200 filmes que é um primeiro passo para explorar a FILMIN. Para alguém extremamente cinéfilo, vai ao Canal Essencial e diz ‘eu já vi isto’, mas para alguém que dá os primeiros passos nesta área pode ser algo preponderante… Podem ver, por exemplo, o “Mulholland Drive” do David Lynch

História dos Óscares
Mulholland Dr. | © Universal Pictures

MHD: Antes falou-nos de algo tão importante que são as lacunas geográficas. Como é que a FILMIN se compromete a chegar à aldeia mais pequena de Portugal? 

Anette: Um dos nossos objetivos é chegar onde não chega a sala de cinema. Nós não queremos ser um substituto da sala, mas onde ela não está poderemos pelo menos ser uma oferta. Foi sempre uma coisa importante o de chegar ao território nacional no seu todo. Fizemos mesmo uma análise da cobertura da internet e até descobrimos que Portugal é um dos países onde a internet funciona melhor na Europa (risos). Ficamos contentes porque iria funcionar nesse lado.

Se tivéssemos uma equipa maior e mais orçamento eu gostava muito de conseguir trabalhar mais ao nível local. Gostava de trabalhar com salas pequenas em várias partes do país e fazer parcerias com eventos físicos. É um projeto que para 2021 vamos tentar cumprir. Temos que ir de mãos dadas. Onde não há salas queremos ser uma referência para quem procure os cinemas independente e de autor.

MHD: Como descreve um dia de trabalho na Filmin Portugal? 

Anette: Nós somos uma equipa muito pequena (risos). As pessoas até nos tratam como a Netflix quando têm um problema técnico, mas somos poucos… Apesar de termos crescido um bocado. A maior parte do tempo passamos a programar as próximas semanas. Temos de conversar com várias pessoas… Os nossos habituais parceiros são as distribuidoras de cinema independente e nós acompanhamos aquilo que é feito. Tentamos angariar mais catálogo. Estamos sempre a conversar com pessoas novas, algumas delas que até nos querem passar os seus filmes. Nós nem sempre conseguimos aceitar tudo, porque queremos manter um standard de qualidade.

Obviamente desde a pandemia COVID-19 tivemos muitos pedidos. Antes perguntavam-me se poderia lançar um filme na FILMIN e eu respondia, que daqui a 2 semanas poderíamos lançá-lo. Agora tenho que dizer que só em janeiro, por exemplo, tenho possibilidade de estrear certos filmes porque tenho tudo cheio. Gostamos de lançar as coisas com contexto. Atualmente estou a trabalhar com o Felipe Bragança, o realizador de “Um Animal Amarelo”, porque este filme vai entrar em FILMIN, mas outros dos filmes anteriores do realizador também estarão disponíveis.

No meu dia a dia, após o trabalho vou cuidar da família e ainda ver um filme na FILMIN (risos). É algo que faço por gosto e não por obrigação. Posso ser suspeita ao dizer isto, mas é verdade. A FILMIN tem sido para mim uma oportunidade de aprender, e posso ver filmes do cinema clássico… Curiosamente, sou também programadora do Festival de Veneza e atraso por vezes esse trabalho porque vou ver filmes na FILMIN. É bastante gratificante quando tens pessoas ao teu lado que sentem uma forte paixão pelo projeto.

Festa do Cinema Italiano
Fellini 8 1/2 | ©Cineriz

MHD: O que tem a dizer às palavras para que vejam FILMIN, para que vejam a Festa do Cinema Italiano? Ou que vejam os filmes de Federico Fellini disponíveis na FILMIN?

Anette: Os filmes do Fellini ajudam-nos a esquecer este momento que estamos todos a viver. Sendo um realizador que trabalha o mundo onírico acho importante descobrir as suas obras. Eu voltei a ver os filmes de Fellini porque precisava de escapar à realidade e o seu escapismo é uma fonte de enriquecimento.

Quantos às restantes propostas tentámos equilibrar e trazer uma programação que fosse leve, divertida e que não fosse tão pessimista. Foi importante agendarmos filmes que ajudam-se as pessoas a escapar à realidade.

MHD: Obrigado.  

Fica atento aos nossos artigos sobre a 13ª Festa do Cinema Italiano e às nossas críticas aos filmes que habitualmente são lançados na FILMIN. 

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