O Gladiador 2, de Ridley Scott, acumula más opções estéticas e erros históricos
A estreia de “Gladiador 2”, pode salvar muito da distribuição e da exibição de cinema nacional e internacional em 2024, levando muitos espectadores às salas, como aconteceu no primeiro fim-de-semana de estreia. Porém, o último filme de Ridley Scott é sem dúvida um dos piores trabalhos da sua honrosa carreira, agora com um épico onde as más opções artísticas e estéticas, são mais graves que os erros históricos. É o tipo de filme que uma velha geração de cinéfilos, chamava uma grande ‘banhada’.
Estreou finalmente na passada semana em Portugal, a segunda parte de “Gladiador”, um filme que se tornou um grande sucesso há 24 anos e que é utilizado inclusivamente pelos grandes executivos de empresas e pelos treinadores de futebol, para mostrar a importância da coesão de uma equipa em campo. O discurso mais famoso de “Gladiador”, ressoa ainda na eternidade da história do cinema, proferido pelo vozeirão de Russell Crowe: “O meu nome é Maximus Decimus Meridio. Comandante dos Exércitos do Norte, General das Legiões Fénix, fiel servidor do verdadeiro Imperador Marco Aurélio. Pai de um filho assassinado, marido de uma mulher assassinada e juro que me vingarei, nesta vida ou na próxima.” Apesar de o primeiro “Gladiador” ser citado várias vezes em “Gladiador 2” como as palavras “Força e honra” ou “Terei a minha vingança” é de facto muito difícil estabelecer uma comparação séria e rigorosa, mesmo ao nível do entretenimento, com o filme anterior. Tanto na arte como na vida, tanto os gladiadores e como os imperadores romanos tinham uma esperança de vida (e carreira) notavelmente curta, como aconteceu com Maximus (Russell Crowe). São quase como os jogadores de futebol. E isso logo exigiu de imediato mudanças consideráveis no plantel de Ridley Scott: Paul Mescal, Pedro Pascal e Denzel Washington, são os ponta-de-lança, que para aquilo que lhes foi pedido, estão os três muito bem, nas suas interpretações em “Gladiador 2”.
Erros artísticos vs. rigor histórico
“Gladiador 2” invadiu agora as arenas modernas — chamadas cinemas, cada vez mais vazias ao contrário das romanas, daquele tempo — e termina ‘como o povo gosta’ num autêntico banho de sangue, pese embora a desilusão onde os erros artísticos, são ainda piores que os erros históricos. Verdade que não estávamos à espera de de um grande rigor histórico. Mas dadas as expectativa criadas à volta “Gladiador 2”, para os mais aficionados de Ridley Scott, este não parece de facto um filme realizado por um mestre que criou obras-primas marcantes na história do cinema, como: “Alien-O 8º Passageiro” ou “Blade Runner-Perigo Eminente”, “Thelma & Louise”; ou épicos notáveis como “1492-A Conquista do Paraíso” ou “Reino dos Céus”, embora à excepção de “Gladiador”, não seja o género que mais o favorece. “Gladiador 2” tem erros históricos graves, que puxam mais para o entretenimento fácil do que para um filme sério e pedagógico sobre o mundo romano; tem aliás momentos de absoluta infantilização dos espectadores, que ultrapassam a ficção, para se tornarem delírio ou pura fantasia, sobre um género clássico e nobre do cinema: o peplum, que merece ser cuidado e respeitado. É verdade, que certos historiadores clássicos relatam das arenas romanas, ferozes combates entre os famosos gladiadores, lutas entre animais, — um rinoceronte contra um urso, um touro contra um elefante — e descrevem até uma batalha naval, a naumachia, ‘com os seus navios e ondas semelhantes às dos mares’; embora não expliquem, como era possível encher o Coliseu de água. Porém é ridículo e insano ver Scott recriar uma sequência que parece quase a Baía dos Piratas, dos parques temáticos da Disney, com tubarões a nadarem na arena….quando seria pouco ou nada provável que os romanos à época soubessem ou se tivessem cruzado com tubarões…..e ainda mais transportá-los para Roma.
A igualdade de géneros na Roma Antiga?
Depois assistimos ao herói Lucius (Paul Mescal) a lutar ao lado da sua bela mulher na batalha que dá inicio ao filme — ela veste uma bela armadura moldada nos seios, cheia de estilo — e claro está-se mesmo a ver, que no século III a.C., os exércitos profissionais proporcionavam oportunidades iguais a homens e mulheres? Na arena, Lucius luta contra um macaco gerado por computador, um feio gibão, que parece mais o Gollum de “O Senhor dos Anéis” e um gladiador monta freneticamente um rinoceronte, com multidões e o mar a revelarem muitos scanners de imagem, nem sempre muito perfeitos. Há muitas coisas neste “Gladiador 2”, que aliás nos aproximam demais do primeiro “Gladiador”: o viril e temperamental Maximus (Crowe) foi substituído por um Lucius (Mescal), quase igualzinho ao outro. O imperador louco Cómodo desdobrou-se em dois terríveis imperadores, meio-loucos e afeminados: Caracala (Joseph Quinn) e Geta (Fred Hechinger). “Gladiador 2” proporciona-nos a mesma combinação de espadas, sandálias, suor, lágrimas, combates sangrentos, mas o argumento é basicamente o mesmo do primeiro filme: Lúcio, tal como Máximo (spoiler: são obviamente parentes), é capturado como escravo na batalha inicial, levado para Roma e depois de vendido, esforça-se por se libertar do seu dono, dos imperadores do mal e conseguir vingar-se no General Acacius (Pedro Pascal), adorado pelo povo e marido de Lucilla, interpretada novamente por Connie Nielsen, como no original. Tal como Máximo, Lúcio anseia também ‘pelo sonho que foi Roma’. Infelizmente, aquilo que Sir Ridley Scott, entende que este sonho seja na verdade (o sonho de democracia???), não fica tão claro nesta segunda parte. Ficará talvez, para a terceira, quem sabe?
Os filmes reflectem os seus tempos de criação
O mundo romano pode parecer-nos uma cultura muito distante, mas a Roma antiga, está ao mesmo tempo estranhamente muito próxima, com tudo o que tinha de bom e mau, do mundo de hoje. Quando o primeiro “Gladiador” foi lançado em 2000, o mundo ficou encantado com a figura de líder de Maximus Decimus Meridius (Russell Crowe), um homem possuidor dos melhores antebraços, alguma vez vistos no cinema. Na altura, muitos críticos também desdenharam do filme — foi considerado por alguns como ‘grandioso e tonto’ — mas tornou-se praticamente impossível ignorá-lo da história do cinema contemporâneo e dos espectadores. “Gladiador” foi o segundo filme com maior receita de bilheteira do ano de 2000. Ganhou cinco Óscares e conquistou a adoração dos classicistas, historiadores e até políticos, que viram no seu tema mais modernidade, do que propriamente uma história do mundo antigo. “Gladiador” trouxe muitas lágrimas aos olhos dos espectadores mais sensíveis, revoltados contra tanta injustiça, ao mesmo tempo que é um filme que provoca uma estranha sensação de proximidade e empatia visceral. Na verdade, todos os dramas históricos não se passam apenas numa época, mas antes e quase sempre em duas: a que aparentemente tratam e aquela em que são filmados, porque são naturalmente influenciados pela realidade: “Quo Vadis” (1951) apregoava o Cristianismo; a brilhante série televisiva “Eu, Claudius” oferecia-nos uma atrevida e devassada saga que refletia a liberdade sexual e os excessos da década de 1970. Foi também por esta razão que “Gladiador” (2000) afirmou-se como um símbolo que expressava, o desenvolvimento dos valores da democracia liberal, na viragem do milénio: Marco Aurélio queria que Máximo o ajudasse a devolver o poder ao povo e a estabelecer a paz e a concórdia no Império. Talvez inspirando-se numa obra que estava então em foco, após a queda do Muro de Berlim em 1989: “O Fim da História” de Francis Fukuyama.
Uma Roma da diversidade cultural
Neste “Gladiador 2” (2024), tudo se torna mais confuso e até por vezes absurdo, independentemente das enxurradas de adrenalina, que vão tombando sobre os espectadores. Roma Antiga era de facto notavelmente diversificada do ponto de vista dos seus habitantes. O Império Romano estendeu-se de Espanha à Síria; tinha uma população de cerca de 60 milhões, com muitas pessoas sempre em movimento para cá e para lá. A cerâmica do Norte de África apareceu em Iona, na Escócia; retóricos da Gália apareceram na Islândia. Todos compareceram no Coliseu de Roma quando este foi inaugurado: árabes, egípcios, iemenitas, etíopes, alemães, estavam todos lá, como escreveram alguns historiadores clássicos. Porém em “Gladiador 2” é tudo muito digno e demasiado feito ao espírito do politicamente correto de 2024. Algo que não é muito entusiasmante e sobretudo pouco credível, mesmo que estejamos ao nível da ficção histórica, que parece demasiado assente na mais moderna tecnologia CGI (Computer Graphic Imagery, ou seja, imagens geradas por computador). No filme, fala-se igualmente da democracia da boca para fora, mas a crença no seu funcionamento, — tanto no ecrã como fora dele — parece muito mais débil, do que no filme anterior. Os verdadeiros maus-da-fita deste filme são — como tantas vezes acontece no cinema da actualidade — os ricos ociosos. Os heróis são os trabalhadores imigrantes de Roma. O escravizado Lucius luta com força sobre-humana o tempo todo. Os seus camaradas gladiadores dão-se todos bem e entendem-se às mil maravilhas, apesar da diversidade étnica e linguística; incluindo o seu médico, veja-se, de origem indiana. A probabilidade de existirem indianos em Roma, na altura parece muito remota, apesar com já disse, dessa diversidade étnica do Império. Só o perverso mestre, mercador e ex-gladiador Macrinus (Denzel Washington) é mais credível — a sua interpretação é a que mais se destaca — além de ser mais atraente e inteligente, do que os aristocratas estúpidos a quem serve.
Onde está o sonho de uma Roma do povo?
Onde está afinal em “Gladiador 2”, esse sonho que é Roma? O sonho marcado nas portas onde está a loba e os gêmeos Rômulo e Remo, que são o oposto dos dois jovens loucos imperadores? A avaliar por várias cenas do filme, a sociedade romana parece estar assente no pleno emprego, consegue ultrapassar as ricas e geniais relações raciais — o elenco e os extras são extremamente diversificados — sem qualquer tipo de conflito. As mulheres de “Gladiador 2” são improvavelmente emancipadas, lutam nas batalhas e gritam no Coliseu ao lado dos homens, algo que na verdade lhes era rigorosamente impedido em qualquer circunstância. Os preconceitos dos antigos romanos não eram de facto, os mesmos da sociedade atual. Roma estava longe de ser uma utopia racial. No entanto, para os romanos a cor da pele, nunca foi uma questão fulcral, quando pensamos em Macrinus (Washington). De facto um norte-africano podia tornar-se imperador, tal como aconteceu com Macrino — com origem berbere da Mauritânia Cesariense — anos mais tarde em 217 d.C.. Os povos que os romanos realmente odiavam eram os barbudos do norte. A Germânia era uma ameaça, a Grã-Bretanha era triste e sombria; e os habitantes da Irlanda eram, segundo o geógrafo e historiador Estrabão, que andou aqui pelo território português, ‘comedores de homens e também comedores esfomeados” que faziam ‘sexo…com as suas mães’. Os romanos também são retratados como sanguinários inconscientes, todos aos gritos no Coliseu, mas muitos detestavam o que se passava nas arenas: o filósofo romano Séneca, achava mesmo e não hesitou em dizer que a sua ida a estes espectáculos, tornava-o num homem mais ‘cruel e desumano’.
A Baia dos Piratas: Ilhas desertas, palmeiras e tubarões
Se a mensagem deste “Gladiador 2” é um tanto confusa, também a sua estética é estranha e pouco apelativa a um espectador mais exigente familiarizado com os grandes épicos, mesmo que estes introduzam a fantasia e claro um pouco de História. O primeiro filme não tinha apenas um herói forte e silencioso, mas sim dois: Máximo e a própria Roma. Tudo começou com uma batalha na severa e dura Germânia, antes de passar para uma Roma ainda mais severa e austera. O efeito geral e estético era sinistro e bem ao estilo de um fascismo chique e estilizado. Muitas cenas — silhuetas de águias imperiais, recortadas contra o céu, tambores a tocar, legiões em parada ou em marcha organizada — ofereciam ecos e plano a plano influências de “O Triunfo da Vontade” (1935), o extraordinário filme de propaganda nazi da realizadora alemã Leni Riefenstahl (1902-2003). Se o primeiro “Gladiador” evocou o acampamento militar, este roça mais o urbano, com conspirações políticas e as traições nas elites do Senado em Roma. “Gladiador 2”, começa com uma batalha naval no noroeste de África, antes de se mudar para uma Roma muito diferente, onde aristocratas ociosos se entregam à nudez, à cobertura dos mamilos e às carícias sensíveis da corte e dos palácios. O filme, foi concebido para ser arrojado, mas para os verdadeiros padrões romanos é bastante inofensivo. Por exemplo, o insano imperador Heliogábalo — que fez de Roma o seu harém — foi rebocado numa carruagem por quatro mulheres nuas e, alegadamente, sufocou os convidados do jantar, até à morte com flores. Em “Gladiador 2” os excessos imperiais mais evidentes envolvem apenas um frasco de gel para o cabelo. Enquanto isso, o filme vai acrescentando as tais ficções históricas improváveis: inunda o Coliseu para uma batalha naval — que quase de certeza aconteceram, os historiadores não o esclarecem, porém certamente à custa de técnicas de engenharia romana, que impermeabilizavam a arena com terra barrenta e que desviavam a água de um aqueduto local. Porém, o filme acrescenta-lhe as ridículas falsas ilhas desertas, palmeiras e tubarões. E o melhor é esquecer-mos aquele macaco muito feio, gerado por computador, que não tem nada a ver com os circos romanos.
O nosso imaginário romano
É evidente que não estávamos à espera de uma grande precisão histórica em “Gladiador 2”, porque já sabíamos ao que íamos e claro que estamos perante um filme épico de aventuras. O primeiro “Gladiador” tomou muitas liberdades dramáticas e narrativas, para além do expectável, mas também algum rigor histórico e sensibilidade. Ficámos mal habituados e é impossível não recorrer à memória cinéfila. Todos os filmes da indústria, actualmente, têm de condensar e simplificar uma mensagem, uma história, um drama, em pouco mais de duas horas no máximo. O escritor John Le Carré (1931-2020), disse mais ou menos isto: que transformar um livro num filme era como o transformar num caldo de Knorr, mas dos de carne e não de galinha. Transformar um império que durou um milénio num filme de duas horas e meia é muito difícil ou mesmo impossível. Porém, mesmo esta nuance foi inevitavelmente perdida em “Gladiador 2”, com muita palha à mistura, já que não tem muito mais para contar, para além do que já foi contado no primeiro filme. Aliás não sou o primeiro a questionar, o porquê desta sequela? No entanto, os problemas deste “Gladiador 2” são mais profundos do que a mera imprecisão histórica. Os grandes governantes romanos remodelaram Roma para se adequarem a si próprios e aos seus egos: Adriano reconstruiu o Panteão; Tito terminou o Coliseu; Augusto transformou tijolo em mármore. Os grandes filmes fazem o mesmo, recriando a Roma do nosso imaginário histórico à semelhança e aos ecos do tempo. Há mais de duas décadas, com o “Gladiador”, Sir Ridley Scott, que agora tem 86 anos, deu-nos uma lição e mudou a forma como imaginávamos Roma e o Império Romano do século III a.C. Com “Gladiador 2”, tenho as minhas dúvidas, apesar dos recordes de bilheteira do ano.
JVM
Se quiser ver documentários históricos não vou ao cinema, vejo o canal História. Mas confesso que realmente o rigor histórico é um must obrigatório numa ficção, sem dúvida, até porque todos vivemos naquele tempo e nos lembramos perfeitamente como era viver naquele tempo… Assim como num bom filme ou saga jedi, também adoro o rigor histórico…
Ainda não vi mas quero ver…espero ver muita ação. Adorei o primeiro e entendo que este nada tenha a ver e o que se espera duma Obra de Ficção não é rigor histórico, não é um documentário sobre época romana, por isso não entendo bem tanta crítica… Para mim, ora o filme vale o preço do bilhete ou não vale! Pelas vossas críticas até parece que o filme não vale o valor do bilhete e é um filme horrível mas mesmo assim vou arriscar a ver esta ficção e não documentário lol. Depois direi da minha sentença acerca do filme