Han Solo: Uma História de Star Wars

O estilo irreverente de Han Solo: Uma História de Star Wars

Indo buscar muita inspiração às modas dos anos 70 e 80, os figurinos de “Han Solo: Uma História de Star Wars” são alguns dos trajes mais elegantes e invejáveis desta saga de fantasia e ficção-científica.

[Atenção! O artigo pode conter alguns SPOILERS.]

 

Figurinos têm sido uma parte integral do universo Star Wars desde a sua génese. Na trilogia original, as indumentárias ajudaram George Lucas a materializar o mundo fantasioso da sua ópera espacial, ao mesmo tempo que o uso de referências bélicas e nipónicas assim como um esquema cromático altamente contrastante delineavam a moralidade do conto de Luke Skywalker. Nas prequelas, a simplicidade moral e estética do guarda-roupa original deu lugar ao fausto ostentoso de um épico visual, cheio de referências exóticas e confeções vistosas. Nos filmes da nova trilogia de Star Wars, assim como em “Rogue One”, as roupas dos filmes têm essencialmente dado continuidade aos estilos da trilogia original, renovando as suas soluções dramáticas para um cinema mais tecnologicamente avançado do século XXI.

Han Solo Uma História de Star Wars
Este é o filme Star Wars com mais figurinos de sempre.

Han Solo: Uma História de Star Wars” continua a tradição de filmes Star Wars com grandes guarda-roupas, chegando mesmo a bater o recorde da saga para filme com mais figurinos individuais, tendo bem mais de um milhar. No entanto, o desenho destas novas vestimentas para a história das origens de Han Solo representa uma curiosa anomalia na edificação estética deste universo e franchise. Os figurinistas do filme são David Crossman e Glyn Dillon, que começaram por trabalhar como artistas concetuais na equipa do figurinista Michael Kaplan em “Star Wars: O Despertar da Força”, antes de lhes ser dada a responsabilidade de serem os figurinistas de “Rogue One”.

Para esse episódio antológico, Crossman e Dillon conceberam um guarda-roupa que vendia às audiências a ideia de que a história estava a ocorrer literalmente algumas horas antes do início do primeiro filme estreado em 1977. Eles não se basearam em estilos dos anos 70, mas trouxeram as ideias visuais do filme original para uma estética apropriada ao seu filme negro, bélico e brutalmente trágico. Em “Han Solo”, a equipa de criativos teve de rebobinar ainda mais o relógio da saga, mas, desta vez, a sua inspiração não foi tanto os filmes originais da saga, mas sim a imagem coletiva que, enquanto sociedade, temos dos anos 70 e 80. De certo modo, os figurinos estão a dar a ideia do passado de Solo, incorporando uma imagem que, para o espectador, é reminiscente de Harrison Ford e da Hollywood da sua juventude.

Han Solo Star Wars Figura de Estilo
A influência dos anos 70 e 80 no design do filme é difícil de ignorar.

É por isso que o usual esquema cromático de preto e branco dos filmes Star Wars aqui não se manifesta. Sendo substituída pelo domínio de tons terrenos, de laranjas, amarelos e castanhos, com algum preto e tons metálicos a darem variedade. Ao invés de ser dominado por couraças reluzentes e mantos pesados, este é um filme de casacos de inverno robustos com uso luxuriante de peles, vestidos de noite com chumaços e joalharia vistosa e fatiotas de dândis interestelares com lenços de seda ao pescoço e capas forradas a cetim sobre os ombros. Ou seja, em termos de figurinos, o filme é uma justificada anomalia que traz algo semelhante a uma brisa de ar fresco estética a uma saga cuja iconografia corre sempre o risco de se tornar demasiado autorreferencial e insular.

Nada disso indica qualquer falta de cuidado com a coerência do filme dentro do seu franchise ou um desrespeito para com o desenho dramatúrgico das personagens e seus trajes. Para se entender isso basta olharmos para a personagem titular. Ao longo do filme, o ator Alden Ehrenreich muda de figurino seis vezes, indo progressivamente aproximando-se da imagem icónica que Harrison Ford representa no filme de 1977. Primeiro, ele é um delinquente meio escravizado num planeta que parece ter saído da imaginação de Charles Dickens e as suas roupas refletem as suas origens e emulam as cores e texturas deprimentes do seu mundo. Mais tarde, ele é um soldado imperial e aí os figurinistas foram buscar referências visuais a um dos grandes pontos de inspiração da saga original – a Guerra do Vietname.

Han Solo figura de estilo Star Wars
Tons terrenos, peles e cabedal dominam o guarda-roupa de Han e companhia.

Até aí, Han Solo é caracterizado pelos papéis que autoridades injustas impõem sobre ele, mas isso vai mudar ligeiramente. Afinal, quando começa a trabalhar para um grupo de criminosos galácticos numa missão levada a cabo num planeta gelado, as suas roupas começam a representar o seu individualismo. É, contudo, só depois dessa missão, quando a personagem se torna mais proativa, que o seu valor icónico começa a ser suportado pela indumentária que os figurinistas basearam parcialmente em fotos dos The Clash em palco.

Parte cowboy interestelar de arma no coldre, parte estrela de punk rock dos anos 70, Solo termina o filme com uma indumentária apropriada ao seu estatuto enquanto herói de uma fantasia de ficção-científica. A túnica creme dos filmes da trilogia original é aqui referenciada numa versão preta, mais apropriada às tonalidades quentes e escuras deste filme. O seu casaco é uma peça de camurça que os figurinistas conceberam de modo a acentuar o físico do ator e a sugerir algo que um adolescente de hoje em dia pudesse facilmente envergar no seu dia-a-dia. Afinal, este não é o Han Solo cínico e trintão que Luke Skywalker conheceu em Tatooine, mas sim uma versão mais nova, inocente e idealista dessa mesma figura.

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Será este um novo figurino icónico da saga Star Wars?

Com tudo isso dito, será justo dizer que, no contexto do elenco colorido de personagens de “Han Solo: Uma História de Star Wars”, a personagem titular tem, possivelmente, o guarda-roupa menos interessante e vistoso. Para explorares os figurinos das outras personagens terás de seguir paras as páginas seguintes.

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Seguindo a trajetória de Han Solo, o filme salta de um mundo acinzentado que parece fundir ficção-científica com a Londres oitocentista de “Oliver Twist” para os campos de batalha lamacentos de um conflito imperial que, visualmente, parece ser uma visão fantástica da Guerra do Vietname. Crossman e Dillon certamente exacerbam essa ligação entre história americana e o universo Star Wars, tendo mesmo usado o traje visto em combatentes Vietcong como principal referência para o traje bélico de Val, interpretada por Thandie Newton. Essa inspiração, contudo, manifesta-se de modo perfeitamente pragmático e utilitário, nas cordas e fios que ela usa para carregar as muitas armas de fogo junto ao seu corpo. Nesse detalhe, os figurinistas dizem-nos muito sobre quem esta mulher é.

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A influência de MCCABE & MRS. MILLER faz-se sentir nas cenas na neve.

Como já referimos antes, o filme salta desse inferno no meio da guerra imperialista para paisagens invernais e uma narrativa centrada no assalto a um comboio de mercadorias. Como tal, as referências de Crossman e Dillon também se alteram e do Vietname passamos para o Oeste Americano. Especificamente, os dois figurinistas basearam o visual da equipa de assaltantes num dos westerns revisionistas mais importantes da década de 70, “McCabe & Mrs. Miller” de Robert Altman. Desse filme eles tiraram a ideia de um traje aventureiro com silhuetas pesadas, cheias de pelo e golas amplas em tecidos pesados, tudo em tons quentes ou vagamente arenosos, como é o caso do casaco vestido por Woody Harrelson no papel de Beckett.

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Capacetes e máscaras maquinizadas nunca são um bom agoiro no universo Star Wars.

O assalto ao comboio também nos introduz a outras figuras sob a forma de um grupo de assaltantes competidores. Tanto Crossman como Dillon são grandes fãs do universo Star Wars desde infância e isso está bem visível na sua abordagem a estas personagens. É essencial que as intenções e moralidade dos misteriosos assaltantes sejam uma incógnita até ao último ato do filme, mas também é essencial que eles sejam uma presença inquestionavelmente hostil durante o assalto do comboio. Para isso, os figurinistas negoceiam um diálogo com o espectador que presume o seu conhecimento da iconografia de Star Wars onde capacetes de aspeto mecânico são maioritariamente usados por vilões, enquanto roupas de aspeto irregular e artesanal são uma usual marca de benignidade narrativa. Ao misturar esses dois códigos, os figurinistas criam incerteza e ameaça, sem, no entanto, invalidar as reviravoltas do guião.

Note-se como as vestes de pele utilitárias da equipa de Han Solo, Beckett, Val e companhia limitada assim como os trajes dos seus competidores em nada têm que ver com o fausto elegantemente simples dos senhores do crime que dominam a galáxia e suas cortes. Referimo-nos, pois claro aos habitantes do iate de Dryden Vos, interpretado por Paul Bettany. Na boa tradição dos vilões de Star Wars, o ator enverga um figurino preto-e-branco com um manto ominoso. Contudo, a sua estética geral tende também a referenciar os grandes playboys da década de 70 e 80, com a gola aberta da sua camisa branca, silhueta rematada com chumaços e o uso de joalharia vistosa.

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Mantos negros são a vestimenta clássica para vilões de Star Wars.

Quase todas as outras figuras no seu domínio luxuoso copiam o seu estilo ou emulam a decoração vagamente Arte Deco do espaço envolvente. A cantora no centro do salão do iate, que enverga um vestido de lantejoulas douradas que podia ter saído de um episódio de “Dinasty” quase parece uma extensão do mobiliário, por exemplo. Por outro lado, a sua principal confidente e concubina enverga uma espécie de versão feminina do seu figurino, com um vestido de seda de ombros exagerados, um decote profundo e joalharia vistosa. Ambas as mulheres são símbolos do seu poder, uma enquanto propriedade, quase um objeto decorativo, a outra enquanto extensão visual da sua presença.

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Emilia Clarke é a femme fatale deste filme e veste-se a rigor.

Convém referir que Qi’ra, a dita concubina interpretada por Emilia Clarke, é também a personagem mais complicada e multifacetada de “Han Solo: Uma História de Star Wars”, algo refletido na sua indumentária. Antes de a ver reencontrar-se com Han no iate de Dryden Vos, já o espectador conheceu a personagem na primeira sequência do filme, enquanto companheira do herói no seu planeta Dickensiano. Aí, as suas roupas eram largas e andrajosas, um piscar de olho dos figurinistas à iconografia de comédias românticas em cinema, onde muitas vezes vemos as protagonistas femininas vestir as camisolas e casacos demasiado grandes dos seus namorados.

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Capas escuras são um sinal inequívoco de autoridade neste universo.

Passados três anos da narrativa, ela é a femme fatale em cetim justo ao corpo. Os seus seguintes figurinos mantêm a sua qualidade sedutora e luxuosa, mas fazem concessões às necessidades práticas da aventura e à proximidade emocional que vai crescendo entre ela e o seu antigo apaixonado. Numa cena dentro de um pseudo casino cavernoso, ela veste peles que a ligam ao figurino invernal de Han. Durante a missão em si, ela veste um conjunto de blusa e calças em preto e um casaco de cabedal que parecem quase ser uma versão feminina do fato de Han. É interessante reparar que, quando ela tem de se mostrar como uma figura de poder, Qi’ra acrescenta ao traje uma capa muito ao estilo de Vos e toda uma série de outros vilões deste franchise.

Depois de falarmos de todas estas figuras, sobram-nos ainda duas personagens importantes cujas roupas são, curiosamente, os figurinos que mais gozo deram aos figurinistas. Segue para a próxima página para descobrires a que indumentárias nos referimos.




Como todo o material promocional de “Han Solo: Uma História de Star Wars” nos tem vindo a mostrar, grande parte do apelo do filme não é centrado na ressurreição da personagem titular enquanto um jovem idealista, mas sim a exploração do seu trapaceiro irmão de armas, Lando Calrissian. Decerto, Donald Glover é a presença mais carismática em cena e, para além do mais, a figura com mais estilo também. Isso deleitou os dois figurinistas do filme que não se restringiram aos figurinos vestidos por Billy Dee Williams na trilogia original enquanto bases para o seu trabalho, tendo também ido buscar muita inspiração a alguns dos seus ídolos musicais das décadas de 70 e 80.

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Jimmi Hendrix e Prince foram algumas das influências do figurino de Lando.

Se para Han Crossman e Dillon usaram The Clash como inspiração, e Blondie para Qi’ra, no caso de Lando as grandes referências estilísticas foram Jimi Hendrix, Prince e Marvin Gaye. James Bond e sua elegância mortífera foram outro ponto de partida para o desenho dos trajes de Lando, cujas roupas denotam luxo e ostentação. O que o seu figurino também denota é a aspiração a grandeza da personagem que, verdade seja dita, se veste consoante o futuro que quer ter e não tanto consoante a sua presente condição de vida. Afinal, por muito luxuosas que as suas fatiotas possam ser, Lando é um homem cheio de dívidas, sendo a sua imagem uma projeção do sucesso que ele ambiciona para si mesmo e uma espécie de armadura para confundir e intimidar os seus rivais.

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As cores do fato de Lando colocam-no sempre numa posição de destaque.

Uma coisa é certa, dentro dos interiores escuros com que o diretor de fotografia Bradford Young enche o filme, Lando, no seu casaco amarelo, quase ofusca. No contexto bélico da história, ele é um desavergonhado dândi e a sua ostentação estilística chega mesmo a ser motivo de algumas piadas. Afinal, há um certo humor a ser achado num roupeiro onde quase só se conseguem encontrar capas, cujo único propósito parece ser acrescentar drama à silhueta de Lando. Não que os seus lenços tenham uma função outra que decorativa, especialmente aqueles que parecem ser quase uma écharpe de seda com padrões escolhidos a dedo pelos figurinistas como uma referência à iluminação da Estrela da Morte no filme de 1977.

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Com golas de cabedal, mantos de pele e capas forradas a cetim, os figurinos de Lando transmitem sempre uma ideia de luxo e ostentação.

Essa não é a única referência aos primeiros filmes e seu design nos fatos de Lando, sendo que o seu último figurino inclui uma versão espacial de uma camisa havaiana. Ao invés de uma cena de palmeiras e praias tropicais, contudo, o traje de Lando inclui uma impressão em tecido de uma pintura de Ralph McQuarrie, cujos desenhos foram a base para muitas das imagens mais icónicas da trilogia original, incluindo naves espaciais e paisagens alienígenas. Como dissemos anteriormente, Crossman e Dillon são fãs de infância da saga Star Wars e é em detalhes assim que a sua devoção e amor pelo filme em que estão a trabalhar mais se faz sentir.

Enfim, Lando pode ter sido a personagem que mais deu gozo vestir para Dillon, mas para Crossman o melhor figurino de “Han Solo: Uma História de Star Wars” é, sem sombra de dúvida, o fato de L3-37. Tal como na trilogia original, grande parte dos androides antropomórficos que aparecem em cena são, na realidade, atores vestidos com complicadas peças de pseudo mecanismos futuristas e não criações digitais. No caso do braço direito de Lando, a revolucionária lutadora pelos direitos das máquinas conscientes L3-37, o efeito foi conseguido através do apagamento dos vislumbres do corpo da atriz Phoebe Waller-Bridge em pós-produção.

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O figurino de L3-37 é a criação mais complexa deste guarda-roupa.

O afeto dos figurinistas pela sua criação robótica é óbvio em entrevistas, onde eles descrevem como queriam incorporar a personalidade dela na sua forma. Afinal, sendo esta robot uma mulher revolucionária e independente, faz sentido que o seu corpo seja a sua própria criação, feita a partir de peças de outros androides e máquinas que ela foi colecionando e integrando na sua anatomia. De certa forma, ela é uma versão benigna e inspiradora do monstro de Frankenstein, se essa criatura tivesse sido trazida ao mundo por vontade própria e não pela mão de um cientista com pretensões de divindade. É fácil perceber por que razão Crossman tanto adora esta sua criação, tal como para John Mollo, o figurinista do filme original de 1977, o fato de C-3PO era o melhor figurino de toda a obra.

Quem sabe que mais figurinos icónicos nos esperam nos próximos capítulos e histórias da saga Star Wars? Uma coisa é certa, com figurinistas como David Crossman e Glyn Dillon encarregues da sua criação, temos a certeza que as audiências do mundo inteiro não ficarão desapontadas.

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