Han Solo: Uma História de Star Wars, em análise
Han Solo não é só mais uma história de Stars Wars é, muito provavelmente, a melhor história de Star Wars desde que a Disney adquiriu os direitos deste mega franchise.
Pois é, parece estranho e deveras anacrónico estarmos a falar da estreia de um filme Star Wars em plena Primavera, quando, até agora, estávamos habituados a obter ciclicamente um novo episódio a cada véspera de Natal. Contudo, apraz-nos dizer que a fita de Ron Howard constitui uma agradabilíssima surpresa, já que rompe corajosamente com os ditames do seu enredo crónico, sorvendo dos antigos a sua mais pura essência: alma e humor. Mas nem tudo foi um mar de rosas durante o período de rodagem de Solo, com uma chicotada psicológica de realizadores pelo meio e quatro meses acrescidos de filmagens, que agravaram o budget em mais de duzentos e cinquenta milhões de dólares.
Com o seu arzinho meio sonolento e um je ne sais quoi de Roger Moore, Alden atira-se à marginalidade ficcional como se não houvesse amanhã…
Até nisso, foi uma produção à Solo, repleta de trapalhadas que acabam sempre por chegar a bom porto. Não fosse a veterania de Howard e uma irrepreensível, senão engenhosa direção cinematográfica, elencada num elenco que transpira aquele charme arrogante e provocador das décadas de 70/80, e Han Solo poderia aterrar sem trem de aterragem. Sim, porque, pese embora o cocktail condimentado do co-argumento familiar de Lawrence e Jonathan Kasdan, o guião de ambos limita-se em ir à boleia da mestria das cenas coreografadas. Não queremos com isto afirmar perentoriamente, que o conteúdo relevante da história de per si seja mau, já que o subdesenvolvimento dos diálogos mais shakespearianos de outras Guerras das Estrelas em favor de uma via rápida para o histerismo da ação, no mínimo, poderá reduzir-se a uma mera questão subjetiva de paladares.
Na verdade, será justo constatar, que não se encontraria ninguém mais apto para redigir as crónicas juvenis de uma das personagens mais icónicas deste universo estelar, senão aqueles que deram vida à própria personagem introduzida no filme de setenta e sete “Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança”. Certamente, ainda se recordam daquele presunçoso e cabeludo Harrison Ford (Han Solo), na cantina de Mos Eisley, a fomentar a magnificência da sua menina espacial (Millenium Falcon) por esta ter sido capaz de fazer a Kessel Run em 12 parsecs. Ora, Larry e Jon Kasdan, não poderiam ter agarrado num pretexto mais válido para nos dar a conhecer esta espécie de rito existencial do jovem Solo, até este se tornar num afamado contrabandista intergalático. Mas antes do quase anónimo Alden Ehrenreich decidir carregar às costas o pesado legado deixado por Ford, viajou até Death Valley na Califórnia, alugou uma tenda de altíssima qualidade, bebeu um sumo verde e pôs-se a meditar sobre o significado de interpretar uma persona como Han Solo.
(…) A fita de Ron Howard constitui uma agradabilíssima surpresa, já que rompe corajosamente com os ditames do seu enredo crónico, sorvendo dos antigos a sua mais pura essência: alma e humor.
Com aquele arzinho meio sonolento e um je ne sais quoi de Roger Moore, Alden atira-se à marginalidade ficcional como se não houvesse amanhã, e fá-lo com o maior descaramento do mundo, como se fugir das tropas imperiais ao volante de um Landspeeder Moloch 75210 para impressionar a sua miúda Qi´ra (Emilia Clarke) fosse uma profissão invejável. E tudo começa com ela e acontece por causa dela, como o adágio de uma música sobejamente conhecida, que continua a destroçar corações. Mas a batida empanca logo à nascença, quando os dois parceiros de crime em sintonia emocional, tentam comprar a sua liberdade do esclavagismo industrial de Corellia, mas apenas um se safa das malhas do Império. Completamente Solo, Han é atirado para o covil de um Wookiee nada meigo, acabando por provar o seu valor perante um grupo de mercenários liderado por Tobias Beckett (Woody Harrelson). Inserido no meio criminoso, Han é envolvido no maior assalto de todos os tempos, levando-o à mesa de jogo de Lando Calrissian (Donald Glover) pela posse da Falcon.
De facto, por todas as omissões e defeitos de fabrico, Howard esmera-se por privilegiar a textura em detrimento do texto, oferecendo-nos uma viagem alucinante pela galáxia ao bom estilo de um spaghetti western ganancioso e sedutor, regado com alguns dilemas morais. E essa é a beleza mais reluzente de Han Solo, mais do que estar colado ao comando de uma Millenium Falcon a tentar não ser sugado por um buraco negro, é a volatilidade das alianças forjadas que nos deixam mais contemplativos. E não obstante a inclinação natural para a ação “popcorn”, assistimos igualmente à evolução da índole pessoal de cada interveniente, cada um mascarando as fraquezas inerentes do outro, usando e abusando daquele humor negro e daquele carisma inato, que fez catapultar Star Wars para o estrelato.
(…) Pese embora o cocktail condimentado do co-argumento familiar de Lawrence e Jonathan Kasdan, o guião de ambos limita-se em ir à boleia da mestria das cenas coreografadas.
Todos, sem exceção, emergem ao nível dos seus papéis, mesmo que Lando e Qi’ra se perfilem mais como caricaturas concetuais resultantes da natureza conflituante de Solo, deste homem que Ron Howard descreve como tendo uma personalidade dualista, que reconhece em si uma certa bondade e que se odeia por isso mesmo. Claro que, tratando-se da história de Han Solo, é Alden Ehrenreich quem rouba os holofotes, capturando com eloquência aquela bravura e insolência dos tempos áureos de Harrison Ford. Por outro lado, Clarke fornece-lhe a classe britânica e um móbil romântico que não se resume à mera insinuação de outros episódios da Saga. Glover homenageia com pinta de bom vivant as fugazes aparições de Lando até então, sugerindo até, uma certa predisposição pansexual. E porquê? Porque a seguir a Han Solo, é uma aguerrida androide feminista interpretada por Phoebe Waller-Bridge, quem lhe retira alguma luminosidade por breves instantes, atiçando as hostes robóticas com um discurso reivindicador dos mesmo direitos entre robôs e humanos. É divinal, que numa conversação confidente entre uma máquina e uma humana, a primeira se refira a Lando como um partido desejável, cuja relação amorosa até poderia funcionar.
Pela amostra da riqueza cultural e social supracitada, “Han Solo: Uma História de Star Wars” assume-se como um raro exemplo no pantanal de spinoffs, que geralmente se perdem na reciclagem de ideias frescas. Se por um lado somos convocados a assistir na ponta do assento a esta odisseia furiosa pelos recantos mais sombrios do Cosmos, por outro são pormenores nostálgicos como o blusão vintage à Steve Mcqueen de Solo, o bromance retardado com Chewie e a comunhão de ambos em mais uma missão impossível agregadora de benfeitores e malfeitores no mesmo teto, que nos fazem rejubilar de uma emoção impagável. Será fácil concluir, portanto, que Han Solo, enquanto prequela de “Rogue One” e sequela de “A Vingança dos Sith”, constitui uma das mais importantes adições desta ópera espacial interplanetária, preenchendo um vazio cronológico pertinente. Han Solo é cinema pipoca no seu estado de graça. Han Solo é um dos grandes blockbusters deste Verão.
Han Solo: Uma História de Stars Wars
Movie title: Han Solo: A Star Wars Story
Movie description: Entre a bordo da Millennium Falcon e parta para uma galáxia distante, nesta nova aventura de Star Wars, desta vez com o vigarista mais popular da galáxia. Depois de uma série de aventuras perigosas no submundo do crime, Han Solo faz amizade com o co-piloto Chewbacca e conhece o jogador com má reputação Lando Calrissian, numa jornada que irá definir o caminho de um dos heróis mais improváveis da saga Star Wars.
Date published: 29 de May de 2018
Director(s): Ron Howard
Actor(s): Alden Ehrenreich, Woody Harrelson, Emilia Clarke
Genre: Ação, Aventura, Fantasia, Sci-fi
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Miguel Simão - 90
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Maria João Sá - 80
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Cláudio Alves - 70
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Rui Ribeiro - 85
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Luís Telles do Amaral - 87
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Inês Serra - 68
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Miguel Pontares - 65
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Virgílio Jesus - 70
CONCLUSÃO
Han Solo: Uma História de Star Wars é a prova viva de que é possível conceber um ótimo filme Star Wars sem sabres de luz, estrelas da morte e lados negros da força. Han Solo é, por isso, o arquimédico ponto de equilíbrio, que desafia esse formato religioso e intocável, levando-nos a respirar novos ares de esperança e, sobretudo, de genuíno entretenimento.
O MELHOR: Direção artística e cinematográfica com altos valores de produção; cadência frenética dos acontecimentos que sucedem em catadupa com impacto e coesão; humor para dar e vender; Alden Ehrenreich transporta a tocha de Ford com uma credibilidade impressionante.
O PIOR: Plot com tração à frente descura diálogos mais densos e sobrevive da execução técnica; palete de cores muda de Bradford Young não exalta a grandeza imperial.
User Review
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Excelente, pormenorizada e extraordinária análise a uma das minhas séries (jáconsidero uma série) preferidas. Os analistas mostram um conhecimento profundo do enredo de toda a história. Ainda não vi este mas, agora, vai ser o meu primeiro objectivo cinematográfico.