Herege, a Crítica | Hugh Grant em destaque no novo filme de terror da A24
As performances de Hugh Grant, Sophie Thatcher e Chloe East destacam-se em “Herege”, o novo filme de terror distribuído pela A24
Duas jovens missionárias mórmon, Irmã Paxton (Chloe East) e Irmã Barnes (Sophie Thatcher), batem à porta de Mr. Reed (Hugh Grant) e são convidadas a entrar para discutir a religião. Sendo um filme de terror, a coisa dá para o torto. Mr. Reed, um académico solitário, transforma uma discussão teológica num pesadelo para as duas jovens e acaba por prendê-las na sua labiríntica casa.
Escrito e realizado por uma dupla, Scott Beck e Bryan Woods, e distribuído pela A24, “Herege” tem diálogo cativante desde o início e o argumento é intrigante na forma como se desenrola. As interpretações dos três atores centrais são carismáticas e memoráveis, assim como as personagens que representam. Muitos virão para ver Hugh Grant no papel de vilão psicótico num filme de terror (e não desaponta), mas ficarão porque também as jovens Sophie Thatcher e Chloe East sobressaem por si mesmas e carregam o peso emocional do filme com confiança.
Venham por Hugh Grant, fiquem por Sophie Thatcher e Chloe East
Chloe East, em particular, surpreende. É o membro do elenco menos experiente em termos de produções maiores, mas se já brilhou num papel pequeno em “Os Fablemans”, de Steven Spielberg, como a namorada (curiosamente, também religiosa) do protagonista do filme, em “Herege”, esta emerge como um talento multifacetado. A sua personagem é quem mais se transforma do início ao fim, começando por ser uma rapariga bem comportada e ingénua, e acabando a mostrar uma força psicológica e física tremenda. Dentro dos confins do filme, a própria atriz tem oportunidade de mostrar a sua versatilidade. E mesmo no início quando Paxton poderia ter sido um mero estereótipo de rapariga religiosa, a forma como se entrega à personagem dá-lhe um caráter relacionável muito maior. Sophie Thatcher tem um papel menos denso, mas a atriz de “Yellowjackets” tem um carisma tal que este lhe sai com uma naturalidade prodigiosa. Esta contrasta perfeitamente com East, já que Barnes é uma personagem, desde o início, mais dura, sagaz e desenrascada.
Finalmente, Hugh Grant destaca-se com facilidade como Mr. Reed. É um vilão excelente porque é tão potencialmente perigoso para as duas protagonistas femininas como é irritante. Se não está a tramar e a manipular Barnes e Paxton de forma inescapável, está a discursar com tom de mansplainer sobre teologia e Monopólio, passando por Radiohead e Lana del Rey. É ver para crer. O casting de Grant é obviamente genial, sendo à primeira vista um senhor inglês de meia idade com aspeto afável e com um sentido de humor seco. A afabilidade e a secura do humor rapidamente se tornam em sadismo e Grant é bastante convincente.
A realização desaponta em “Herege”
O texto aqui é forte e os atores brilham, mas a realização é desapontante. No fim de contas, fica o sentimento que se poderia ter visto “Herege” enquanto peça de teatro, ao invés de um filme.
Não é caso para dizer que não há aspetos fílmicos que funcionam bem: por exemplo, o design da casa onde toda a ação se passa é engenhoso e a geografia do local é algo crucial para a narrativa. É muito fácil perder-se no espaço, no melhor dos sentidos, e a própria casa, com os seus inúmeros quartos, escadarias e caves, é surpreendentemente memorável.
No entanto, há muitas sequências que são derivadas de inúmeros outros filmes de terror e consistem em tentativas rotineiras e artisticamente anónimas de manufaturar situações de tensão desnecessárias, especialmente em pontos em que se estraga o ritmo que o filme constrói com cenas focadas em diálogo. A abordagem provocadora sobre fé e devoção religiosa presente em extensas trocas de falas entre as personagens teria sido suficiente para fazer de “Herege” algo coeso dramaticamente, apesar de acabar por ficar mais curto.
“Herege” satisfaz, mas não é dos melhores títulos de terror lançados pela A24
Ainda assim, “Herege” não é uma total perda de tempo. É um filme capaz de suscitar discussões, especialmente com o seu fim, e ver o que os três atores principais trazem aos seus papeis é um prazer. “Herege” é terror que pode não arrebatar como alguns outros títulos lançados pela A24 dentro do género (por exemplo, “Hereditário”, de Ari Aster), mas cativa o suficiente.
A década de 2020 continua fortíssima para o terror e “Herege” não mancha de todo o panorama atual do género. “Herege” está disponível nos cinemas em Portugal.
Herege, A Crítica
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Pedro Serafim - 67
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Cláudio Alves - 55
Conclusão
- “Herege” pode não arrebatar como alguns outros títulos lançados pela A24 dentro do género (por exemplo, “Hereditário”, de Ari Aster), mas cativa o suficiente.
Pros
- As atuações de Hugh Grant, Sophie Thatcher e Chloe East;
- O diálogo é cativante e o argumento é provocador o suficiente para suscitar reações fortes.
Cons
- Escolhas na realização pouco originais, especialmente para o género;
- O ritmo do filme é quebrado ao tentar criar situações de tensão desnecessárias.