House of the Dragon | Mini-entrevista a Miguel Sapochnik
Miguel Sapochnik entra em “House of the Dragon” depois de realizar episódios memoráveis de GOT. Assim, falámos das duas séries, “Fire & Blood” e dragões.
Realizador e produtor, Miguel Sapochnik é um homem da televisão. Começou a sua carreira na realização em 1999, com um videoclip, mas foi apenas em 2011 que começou a entrar a sério no mundo da televisão. Ao início mostrou o seu talento nalguns episódios de “Dr. House”, e até hoje passou por “Fringe”, “True Detective” e “Altered Carbon”.
No entanto, nada se compara ao legado que já deixou na história da televisão com “Game of Thrones“, e agora “House of the Dragon”. Em GoT, Miguel Sapochnik foi responsável por alguns dos episódios mais memoráveis de sempre de todas as temporadas – “The Battle of the Bastards”, “Hardhome” e “The Long Night” são sem dúvida os mais relevantes. Pelo trabalho neles, conquistou dois Emmys, um para melhor realização de um episódio de série dramática (“The Battle of the Bastards”), e outro em colectivo para Melhor Série Dramática na edição de 2019.
Agora, no novo projecto criado por George R. R. Martin e Ryan J. Condal para a HBO Max, Sapochnick aceitou regressar mas com dupla função nesta primeira temporada: realizador e co-showrunner. Com três episódios a seu cargo, o cineasta é, a par de Condal, um dos showrunners de “House of the Dragon”, e pode-se dizer que o trabalho é de sucesso, dados os primeiros números pós-estreia.
Assim, a Magazine.HD não quis perder a oportunidade de saber um pouco mais sobre como é trabalhar num dos maiores projectos da HBO Max, e de como foi regressar a este universo mágico lançado na televisão por GoT.
É conhecido por ter realizado alguns dos episódios mais memoráveis de “Game of Thrones”, nomeadamente The Battle of the Bastards, Hardhome e The Long Night. Como é que foi passar desse papel para co-showrunner em “House of the Dragon”?
MS: Eu tive muita sorte com o David [Benioff] e o Dan [Weiss] em “Game of Thrones”; eles deram-me a liberdade criativa que nunca consegui em qualquer série de televisão em que tenha trabalhado. Mas no final, naquela série, a regra com o David e o Dan era sempre: pergunta duas vezes. Se tivéssemos um não na primeira vez, era para perguntar outra vez. Mas se recebessemos um não à segunda vez, não era para perguntar terceira vez. Por isso, havia alguns limites e parâmetros em relação à ‘caixa’ em que podíamos brincar. Eu tenho pensado muito neste último ano e meio o que tem sido diferente neste trabalho de showrunner do de realizador. E estou a chegar à conclusão que, de uma forma geral, ser showrunner em televisão é como realizar um filme. É apenas porque a forma como a televisão é estruturada, tem sido considerada, pelo menos até há pouco tempo, um espaço de argumentistas. Os argumentistas são produtores e, consequentemente, os showrunners. Mas, de certo modo, eles estão a puxar a si as responsabilidades que um realizador normalmente teria no que diz respeito a escolhas, casting, cor, estilo, e todos esses aspectos.
A minha relação com o Ryan (co-showrunner) tem sido uma curva de aprendizagem para ambos, porque não é uma dinâmica de ‘ele é o argumentista, eu sou o realizador’. Para começar inspirámo-nos no David e no Dan e fizemos tudo juntos. Ao fazer isso aprendemos as idiossincrasias um do outro, a forma como escolhemos as coisas, o que é que nos atinge, o que é que nos faz felizes. E depois, quanto mais fazíamos isso, mais confortáveis nos sentimos à medida que avançávamos para produção, onde o tempo ditava que eu não podia estar na sala dos argumentistas, e ele não podia estar no set de filmagens. Tínhamos de fazer escolhas por nós próprios, e não havia tempo para verificar com o outro. Mas naquela altura já sabíamos, implicitamente, o que o outro iria querer. E se há dois de anos, e um consegue manter os ‘olhos frescos’, é algo que ajuda muito, especialmente na fase de edição e escrita, que são relativamente semelhantes entre si. Porque no final de contas, está-se a contar uma história não é?
O que é que aprendeu com o sucesso que teve na série original, Game of Thrones?
MS: O que eu aprendi, e que é uma das coisas que eu tenho realmente reforçado quando comecei a trabalhar com outros nesta série, é que “Game of Thrones” funciona melhor quando é simples.
O desafio é fazer com que os realizadores consigam fazer algo que esteja ao nível porque com todos os detalhes que nós poderíamos utilizar, nós podemos fazer quase tudo. De repente começa a parecer muito autoconsciente. Temos que fazer o que é apropriado ao trabalho. Eu tenho uma ética muito simples que se desenvolveu ao longo dos anos e já percebi que é a mesma para cenas pequenas assim como para cenas massivas, que é de que ponto de vista a cena é, e de quem é a história? Comecemos por aí. Depois é encontrar shots que contem essa história. E depois as coisas que são boas vão começar a surgir daí.
Como é que esta série [House of the Dragon] se relaciona com o livro “Sangue & Fogo” (“Fire & Blood”)?
MS: Eu não li o livro. O Ryan leu o livro 16,000 vezes mas eu tomei a decisão consciente de não ler o livro. E a razão é que eu penso que precisamos de uma perspectiva que seja como a de muitos espectadores, que não leram o livro. Também me permite ter ideias e depois descobrir que essas ideias já estavam no livro – estamos no bom caminho – ou então não me sentir constrangido por saber que a armadura era preta ou algo do género [no livro]. É aditivo de uma forma geral, e permitiu-nos fazer escolhas. Para dar um exemplo de como isso trabalhou tão bem, eu lembro-me do George [R. R. Martin] nos escrever sobre os dragões serem bastante coloridos. Ele sentiu que na série original eles perderam a sua cor e que lentamente se tornaram muito parecidos entre eles. Eu adorei essa ideia porque fez-me pensar imediatamente em répteis e no modo como os répteis são tão coloridos e era o modo de “eles mostrarem as suas cores”. Por isso, nesse aspecto, a minha interpretação estava a reforçar a interpretação do próprio livro.
Qual o papel que os dragões têm na série?
MS: Esta série é na verdade um drama familiar, e os dragões são na maior da história domesticados. Tem lugar 200 anos antes de “Game of Thrones” e os dragões estavam no seu auge – eles eram as suas armas de destruição massiva e também eram usados como transporte. Por isso era como ter um carro muito fixe com armas nele. Nós abordamos os dragões como fizemos na série original, que é eles não serem fantasia, mas sim animais grandes.
Mas nós vamos um bocado além do folclore dos dragões: temos um grupo chamado Dragonkeepers, que basicamente cuidam dos dragões. Eles existem há centenas de anos. E não têm praticamente relação com nada. Eles apenas tratam os dragões como divindades, como grandes cavalos, e fazem tudo por eles. Têm todos punhais de vidro de dragão (dragonglass) porque se falharem no seu trabalho eles podem cortar a própria garganta. Basicamente são como monges, apenas falam Valyrian e cada Dragonkeeper tem um acólito com eles que faz de intérprete e fala inglês. Eles todos usam roupas que têm sido passadas durante gerações e que por isso são muito sujas. É tudo sobre a mitologia mas tem alguma ligação com magia. Por isso mantivemos a magia viva nesse sentido, na mitologia do fogo e o gelo, mas há menos magia nesta série do que houve antes.
Como é que renderizaram os dragões para o ecrã?
MS: Nós passámos quase um ano a trabalhar com os artistas conceptuais, a desenhar cada dragão. Os dragões estão ligados aos seus cavaleiros por isso queríamos que ambos tivessem aspectos de ligação, mas também que fossem individuais e únicos à sua própria maneira. O dragão de Daemon, Caraxes, por exemplo, é como um dragão deformado. Vhagar, que é o maior dragão do mundo, é esta velha rabugenta que é a dragão mais poderosa que existe – mas que na verdade apenas quer dormir. É apenas uma velha mal-humorada. Syrax, que é a dragão de Rhaenyra, é ligeiramente como uma águia, mas um dragão destinado à velocidade. Ela é muito inquieta e Rhaenyra colocou coisas nos seus chifres, como jóias.
Por isso havia a oportunidade de avançar com esta ideia, de que o cavaleiro e o dragão têm esta relação simbiótica. O cavaleiro escolhe o seu dragão. E quando o cavaleiro escolhe, eles estão ligados para a vida, até um deles morrer.
Como é que lidou com a excitação e a expectativa que rodearam “House of the Dragon”?
MS: O meu trabalho é apenas fazer a história. Eu não me posso deixar levar por isso tudo – não interessa o que eu faço, haverá sempre algum tipo de retaliação e comentários negativos, e não conseguimos ganhar isso. Temos que entrar no projecto e perceber que é como vai ser. Mas se escrevemos de forma defensiva, se escrevemos para tentar manter todos felizes, vamos ter um problema. Temos de fazer o que é certo para o trabalho.
Eu tenho as coisas que são importantes para mim; o Ryan tem as suas. Eu quero que façamos algo que incorpore aquilo que sinto ser realmente importante, que é representação e igualdade de género. Narrativamente, de uma forma geral, estamos no tempo de colocar isso na série. Porque se conseguirmos fazer isso na série, significa que também é possível fazê-lo noutras séries.
Estás a acompanhar “House of the Dragon”? Queremos saber o que pensas da série até ao momento.