Game of Thrones, oitava temporada em análise
Épica mas frustrante, a temporada final atraiçoou as personagens, desrespeitou o seu passado e apressou-se a desperdiçar todo o seu potencial. “Game of Thrones” merecia mais.
Shame! Shame! Shame! Shame! O maior fenómeno televisivo dos nossos tempos, série sem igual no esforço de produção, no orçamento e na legião de fãs, capaz de nos servir episódios que podiam e deviam ser vistos num ecrã de cinema, regressou após quase 2 anos de espera. E o resultado foi… trágico. Porque ninguém esperava um final feliz, mas todos esperávamos um desfecho que não fosse idiota, preguiçoso de tão apressado e incongruente em termos narrativos. Porém, foi isso que tivemos, juntando-se “Game of Thrones” à galeria de traumas ao lado de “Dexter”, “Lost” e “How I Met Your Mother” quando a espaços demonstrou capacidade para se sentar à mesa com “Breaking Bad” ou “The Wire”. Que diferença.
Aclamada pelos memes e criticada pela subversão gratuita de expectativas, a temporada 8 de GoT privilegiou surpresas e momentos chocantes pagando como preço a lógica interna da série. O mesmo produto que nos destruiu com a morte de Ned Stark, o Red Wedding ou os instantes finais do duelo entre Oberyn e The Mountain, revelou-se desta feita um desfile de acontecimentos – saltámos de plot point em plot point sem que as personagens ou os espectadores pudessem respirar. E pior: ficou sempre a sensação que David Benioff e D. B. Weiss decidiram ou sabiam o final de cada personagem, fazendo o inverso do recomendável. Conhecendo D, foram cosendo e afinando em cima do joelho A, B e C, passando ocasionalmente logo de A para D.
Essencialmente, “Game of Thrones” precisava de mais tempo. Tempo que a HBO quis dar aos autores (mais temporadas ou mais episódios nesta temporada), tempo que George R. R. Martin sempre defendeu que a série precisava (10 a 13 temporadas). O tempo de “Game of Thrones” que outrora nos fazia sentir cada passo das personagens, cada quilómetro do mapa de Westeros, cada encontro e reencontro, servindo de ingrediente-chave para 4 temporadas iniciais de uma coesão ímpar, mantendo a fasquia elevada até ao final da 6ª temporada.
Supõe-se que a pressa de responder ao chamamento Disney, assumindo a responsabilidade pela nova trilogia “Star Wars”, levou a que os autores preferissem deformar o seu bebé ao invés de o confiar a alguém capaz. O que não seria um problema, visto que o génio sempre foi GRRM e a HBO jamais deixaria a série entregue às mãos erradas.
Entre copos e garrafas, “Game of Thrones” provou-nos que a escrita é determinante. Os atores estiveram num nível incrível – a qualidade de Emilia Clarke, Lena Headey e Nikolaj Coster-Waldau (quase) chegou para que em “The Bells” vendessem bem mau texto –, Ramin Djawadi manteve o seu trabalho de composição absolutamente imaculado, os efeitos VFX estiveram no seu melhor bem como a realização (não foi por Miguel Sapochnik que “The Long Night” e “The Bells” não entraram na galeria de grandes episódios), a edição (serve de exemplo a genial alternância entre a sobrevivência de Arya e o Cleganebowl), tudo isto numa série que construiu e destruiu literalmente Winterfell e King’s Landing.
É comum considerar-se que quanto mais forte é o antagonista, mais forte nos parecerá o protagonista. No entanto, “Game of Thrones” cometeu a ousadia criminosa de alterar o antagonista da série em 3 episódios consecutivos – em “The Long Night” cai o Night King, em “The Last of the Starks” Cersei ainda é o obstáculo, emergindo em “The Bells” Daenerys como a última antagonista da série. Não era preciso que cada uma destas personagens fosse combatida pelo número de episódios que Son Goku combateu Freeza ou Cell, mas mereciam uma construção, uma diferente gestão dos nossos níveis de ansiedade e, claro, sustentabilidade narrativa.
A frustração dos fãs não existe porque falharam as suas teorias, existe porque quase todas as personagens (o maior tesouro de “Game of Thrones”) se comportaram em desacordo com o seu percurso, vendo os seus arcos assassinados. Depois, nunca surgiram respostas para questões centrais (leia-se, todo o mistério que envolveu os White Walkers) e foram desperdiçados mecanismos como os poderes de Bran ou a capacidade ganha por Arya junto dos Homens sem Rosto.
Talvez o mais adequado seja desconstruir episódios e personagens. Em seis episódios (430 minutos, aconteceu tanta coisa em pouco mais de 7 horas), tudo começou em “Winterfell”, um callback ao piloto da série, seguro e marcado por reencontros há muito aguardados. “A Knight of the Seven Kingdoms”, escrito por Bryan Cogman (recrutado pela Amazon para a série de “O Senhor dos Anéis) ficará na História como o último episódio consensual de “Game of Thrones”. Uma reconfortante reunião junto à lareira, com a contemplação da morte (das personagens e não da série, pensávamos nós) iminente, que embora tenha sido mais eficaz por arriscar pouco, deu-nos por exemplo um dos grandes momentos da temporada com Jaime e Brienne.
Seguiu-se a escuridão (não critiquem a direção de fotografia, elogiem antes o trabalho de som) de “The Long Night”, genial ao acumular ansiedade e apresentar um autêntico tsunami de morte, controverso e anti climático pela facilidade com que o suposto maior obstáculo caiu. O Inverno demorou 7 temporadas a chegar e cerca de uma hora a partir.
A 1ª grande decisão (derrota precoce do Night King) dos autores, indo ao desencontro do que a série nos ensinara – que a guerra dos tronos, as traições e o xadrez político eram uma distração do verdadeiro inimigo – foi corajosa e imprevisível, porventura fechando mais janelas de oportunidade do que aquelas que abriu. Mas nesse episódio, o problema não foi a heroína ser Arya (nada contra, pelo contrário) mas sim a incapacidade de suspender a descrença assistindo-se à sobrevivência de várias personagens em situações impossíveis e à beira da morte cena após cena.
“The Last of the Starks”, “The Bells” e “The Iron Throne” – avaliados no IMDb entre 4.3 e 6.2, e no Rotten Tomatoes entre 48 e 58% – fizeram a série virar motivo de chacota. Em alguns momentos, o drama quase virou comédia sem querer. E é difícil compreender o processo dos autores que, com personagens tão ricas e bem desenvolvidas, tinham 4 ou 5 caminhos interessantes para cada, mas escolheram quase sempre um 6º.
Pior ainda as justificações de Benioff e Weiss nos vários pós-episódio, a defenderem a morte de Rhaegal com o facto de Daenerys se ter esquecido completamente da frota de Euron; ou determinando que o momento em que os sinos tocaram e King’s Landing se rendeu foi o instante em que Daenerys decidiu tornar as coisas pessoais… Pessoais contra milhares de inocentes, queimados de forma dedicada durante largos minutos, milhares de inocentes que sempre foram completamente indiferentes para Cersei. O pior desta 2ª grande decisão (enlouquecer Daenerys) foi a execução, o interruptor sem sentido, tornando-se ainda mais frustrante ver Emilia Clarke a “enlouquecer tão bem”. Uma vez mais, a última estação ou destino era aceitável, caso a viagem tivesse sido diferente.
Olhando para a temporada no seu todo, é difícil compreender que utilidade narrativa teve a gravidez de Cersei, limitada quase em exclusivo a uma janela, é penoso pensar que Jon Snow foi praticamente mero espectador (quão mais épico e congruente seria Jon iniciar a batalha de Winterfell na linha da frente junto dos seus homens, e voar pela primeira vez num dragão no decurso dessa batalha, não o tendo feito no episódio anterior?) e que foi passada uma esponja sobre a sua verdadeira ascendência e sobre o facto de ser o herdeiro legítimo ao trono, não merecendo esse “pormenor” qualquer referência de qualquer personagem naquele julgamento confrangedor em que o julgado Tyrion mudou acorrentado um regime político e decidiu o novo rei. E já agora, é fácil enumerar umas quantas personagens com uma melhor história do que Bran – assim de repente, Arya, Jaime, Jon, Cersei, Daenerys, Tyrion, Sansa, Brienne, Theon ou The Hound. Acaba como rei dos agora 6 reinos (fica para a próxima, Dorne e Ilhas de Ferro) alguém que episódios antes dissera já não querer nada de todo e que no fundo devia ser visto, omnisciente como é, como o verdadeiro vilão da série, não?
Tudo somado, mantiveram-se intactos os arcos de The Hound, Arya e Sansa, salvando-se também em certa medida Brienne e Greyworm enquanto personagens. Ignorando por exemplo a estupidez das duas últimas aparições de Bronn (quase sketches do SNL), o que mais custa é ver Jon exilado (apenas e só para fazer a vontade a Greyworm, certo?) numa patrulha sem nada para patrulhar, qual Aemon Targaryen, sendo o Norte ou as terras para lá da muralha um destino que bateria certo com a personagem se fosse por decisão sua, que assim nunca teve a oportunidade de renunciar ao trono. Além de Jon, “Game of Thrones” – nos livros é natural que acontecimentos finais iguais ou próximos pareçam naturais ao terem diferentes justificações – não fez justiça a Daenerys, Jaime e Cersei. No caso da mãe dos dragões, ficará para sempre o falhanço no seu mergulho na loucura, ignorando a série o potencial cinzento e híbrido do que seria vê-la tornar-se progressivamente uma sólida anti-heroína. Cersei (ao longo das 8 temporadas Lena Headey foi talvez o principal destaque deste elenco) merecia mais, e Jaime podia até morrer ao lado de quem chegou ao mundo, mas não assim e a citar Metallica; sendo ainda mais difícil engolir a confissão de Jaime ao irmão (o último momento de Jaime e Tyrion a contracenarem juntos foi não obstante um dos pontos altos da temporada) a revelar que os inocentes de King’s Landing lhe eram indiferentes. Palavras do homem que sempre teve honra mas nunca o crédito, e que matara Aerys precisamente para salvar esses mesmos inocentes. Enfim…
Diz bastante da qualidade apresentada pela series finale quando os momentos de maior gáudio acabaram por ser um espetacular plano de Daenerys com as asas de Drogon e o facto de Ghost ter aparecido, recebendo umas festinhas do seu dono.
“Game of Thrones” viverá para sempre como um monumento televisivo, um portento estético que mudou a forma de ver e fazer televisão. As fragilidades das temporadas 7 e 8 não apagam as 6 anteriores, e embora a missão de David Benioff e D. B. Weiss fosse sempre impossível atendendo às expectativas criadas e à teia de teorias criadas pelos fãs, parece unânime que nem tanto os espectadores mas sobretudo as personagens e a história mereciam bastante mais.
Por isso digo, muito obrigado por tudo, mas tenho saudades do que não chegaste a ser, “Game of Thrones”.
TRAILER | “GAME OF THRONES”
O que achaste do final de “Game of Thrones”? Qual a principal crítica que farias aos autores?
Game of Thrones - Temporada 8
Name: Game of Thrones
Description: A luta pelo trono chega ao fim.
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Miguel Pontares - 65
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Rui Ribeiro - 98
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Marta Kong Nunes - 70
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Ana Inês Carvalho - 85
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Luís Telles do Amaral - 76
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João Fernandes - 55
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Catarina d'Oliveira - 65
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Maria João Bilro - 65
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Maria João Sá - 60
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Daniel Rodrigues - 35
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Filipa Machado - 65
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Maggie Silva - 45
CONCLUSÃO
O MELHOR – “Game of Thrones” viverá para sempre como um monumento televisivo, um portento estético que mudou a forma de ver e fazer televisão. A desilusão desta temporada escreveu-se apoiada numa produção épica, quase conseguindo o fantástico elenco vender bem o mau texto. A banda sonora de Ramin Djawadi manteve-se imaculada.
O PIOR – David Benioff e D. B. Weiss. O tempo, a incongruência narrativa, personagens em desacordo com o seu percurso e o ignorar das regras do jogo.