IndieLisboa ’20 | Silvestre Curtas 1, em análise
O IndieLisboa regressa à capital entre 25 de agosto e 5 de setembro. Fomos à primeira sessão de curtas-metragens, integrada na secção não competitiva”Silvestre” e analisamos agora as 5 curtas-metragens exibidas.
A primeira sessão de curtas-metragens integrada na secção não competitiva “Silvestre” decorreu ontem, dia 26 de agosto, pelas 19h15, na Culturgest. Numa exibição acima de tudo focada no género documental e no poder da memória humana, tivemos direito a ver cinco filmes bastante distintos, unidos por uma vontade de retratar o real com um toque de ficção.
Passamos agora análise, ainda que de forma breve, às cinco curtas-metragens que compõem a sessão “Silvestre Curtas 1”:
“A MENTIRA” DE RAFAEL SPÍNOLA E JANSEN HERTZ (10′)

“A Mentira”, filme que abre esta secção “Silvestre” , uma co-produção entre o Brazil e a Alemanha e realizado por Klaus Dhiel e Jansen Hertz, é uma curta-metragem que se faz através de ricos materiais de arquivo. Composta a partir de imagens pertencentes ao Museu da Statsi, Ministério de Segurança da antiga Alemanha Oriental, e finalizada através dos documentos pessoais do avô do co-realizador Klaus Dhiel.
Ao longo de 10 minutos, os realizadores são capazes de recuperar as notas de rodapé de um regime: as suas formas de controlo, os seus maiores receios e fantasmas, o seu modus operandi. Este é um mergulho num pequeno momento da história, um momento que volta à vida de forma satisfatória, embora a forma cinematográfica não seja aqui capaz de elevar o próprio material de origem. Ao ler sobre este instante no tempo, numa qualquer publicação e recorrendo à ilustração com estas mesmas polaroids, ficaríamos igualmente satisfeitos e enriquecidos.
Assim sendo, “A Mentira” é um filme importante, valioso até, essencialmente devido ao seu conteúdo e não tanto devido à sua simples e museológica forma. É despido de pretensão e fiel ao momento no tempo que honra.
Nota final: 3/5 em 5
“FRISSON D’AMOUR” DE MAXENCE STAMATIADIS (’20)

“Frisson D’Amour”, segunda curta-metragem exibida nesta sessão do IndieLisboa, narra através de um híbrido entre documentário e ficção a comovente história de uma idosa capaz de encontrar formas de superar a solidão, a distância e a perda, de forma a que o sofrimento seja capaz de dar lugar à preservação das mais belas memórias.
Esta é a história de Suzanne, uma avó do século XXI, que se mune da tecnologia para encurtar distâncias e colmatar sentimentos negativos. Contudo, o seu marido, o seu querido Édouard , nunca a deixa. Ele está presente em fotos antigas mas também em molduras electrónicas e até em filtros que o trazem magicamente à vida. Entre filtros e efeitos múltiplos, o After Effects constante não deixa esquecer a simplicidade da narrativa que aqui é apresentada. Este é um filme sobre sentimentos e o retrato de uma vida a dois e do que vem depois.
A existência de Suzanne não é infeliz, apesar de ser fantasmagórica e dominada por presenças e sombras de um passado que já não regressa. O digital e o analógico conversam entre si, não se ameaçam, coexistem, e pintam este pequeno pedaço de vida.
“Frisson D’Amour” é uma obra bastante francesa, justamente nomeada na categoria de Curtas-Metragens do Festival de Cinema de Locarno em 2019.
Nota final: 4 em 5
“ARNOLD SCHWARZENEGGER – THE ART OF BODYBUILDING” DE BABETH M.VANLOO (8′)

“Arnold Schwarzenegger – The Art of Bodybuilding”, da autoria de Babeth M. VanLoo, é uma pequena preciosidade recuperada diretamente dos anos 70. Muito simples e ao mesmo tempo extremamente curiosa, assim é esta peça em tempos perdida e agora recuperada.
Este pequeno documentário experimental nada mais é do que uma pequena entrevista sobre o que é o culturismo. As imagens (e palavras) foram originalmente captadas pelo holandês VanLoo na década de 70, com o propósito de utilização numa instalação artística. Esta instalação perdeu-se entretanto mas as poses desta escultura-homem mantêm-se e regressam agora.
As imagens foram captadas numa competição de culturismo em 1976. O formato inicial de 16mm acresce a esta curta-metragem uma sensação de nostalgia acentuada, à medida que VanLoo e Schwarzenegger desenvolvem uma conversa surpreendentemente complexa sobre a relação entre corpo e arte. Aqui, recebemos importante insight acerca da forma como o culturista vê o culto do corpo, como o vê como algo exterior a si, como uma tela, como uma escultura que exige ser esculpida. Existe uma ligação clara e evidente ao renascimento, aos seus valores e à sua imagética em torno do nu e do corpo masculino.
Quiçá consigamos encontrar aqui, nesta pequena pérola, uma nova profundidade para um processo aparentemente vão.
Nota final: 4 em 5
“INK IN MILK” DE GERNOT WIELAND (12′)

“Ink in Milk” é um documentário experimental mergulhado em nostalgia e existencialismo. Uma narração triste, passageira, fugaz, de breve duração mas munida de elevada tensão dramática.
Este pequeno filme pensa o trauma de uma forma bastante peculiar e incisiva, recuperando eventos da infância capazes de marcar toda uma vida. A sua imagética é rica, composta por desenhos com tinta, diagramas infantis, clips super 8 ou ainda esculturas feitas de plasticina e madeira. São poderosas as memórias evocadas, as suas consequências e a sua desolação.
As curtas projetadas nesta sessão abrangem múltiplos temas, e “Ink in Milk” não é a única a pensar sobre vida e morte. Contudo, é a que confere mais significância às suas palavras e ideias. Estas narrações trágicas conferem significado a uma pequena mas coesa proposta. O tesouro desta primeira sessão de curtas Silvestre no IndieLisboa.
Nota final: 4/5 em 5
“SAPPHIRE CRYSTAL” DE VIRGIL VERNIER (31′)

Vernier, um repetente na programação do IndieLisboa. Neste “Sapphire Crystal” filma um interessante retrato da juventude de alta classe de Genebra, uma juventude regida pelo tédio e pelo excesso, que trocou as estrelas por letreiros brilhantes dominados por marcas – as marcas que definem a sua existência ostensiva e desprovida de consequências.
Este filme começou como tantos outros, como uma ideia, desta vez uma extraída de um workshop dado a alunos da Universidade de Arte e Design de Genebra. O realizador saiu à rua e filmou uma juventude dominada pela luxúria e pela vaidade exibicionista. Será que estes jovens trocariam as suas gaiolas de ouro por uma experiência autêntica? Virgil Vernier parece dá-lo a entender, mas a conclusão pertence apenas ao espectador.
Prontos para assistir a sessões desta 17ª edição do IndieLisboa, de 25 de agosto a 5 de setembro?
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