IndieLisboa ’22 | Competição Internacional Curtas 5
Continuamos a acompanhar a Competição Internacional do IndieLisboa, nesta que é a sua 19ª edição. A 4 de maio, na Culturgest, foram exibidas as curtas integrantes da sessão “Competição Internacional Curtas 5”. Passamos a tecer breves comentários acerca dos trabalhos apresentados.
THE WATCHERS DE SANDRO SOULADZE (GEÓRGIA, 2021. 26′) NA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL CURTAS 5
Um pai e dois filhos vivem numa casa remota, com uma cabrita chamada Rosie. Os miúdos aprendem a disparar, a consertar cercas. Até que chega um vizinho da vila que convence o pai a participar numa caça a uma bruxa que estará a matar os animais. Os miúdos ficam sozinhos, com a sua imaginação.
“The Watchers” é a história do mundo interno de duas crianças, à medida que estas lidam com ameaças externas que colocam em alerta máximo as suas sensibilidades. Entre a fantasia e o medo, os dois irmãos terão de ultrapassar os seus receios mais profundos nesta obra que nos deixa com mais questões do que aquelas que responde. Como grande trunfo desta curta-metragem indicamos a sua mistura de som e todo o design dos cenários. Compreendemos que esta obra oriunda da Geórgia teve um orçamento modesto mas soube explorar ao máximo os seus inúmeros trunfos inerentes. Um deles a beleza da paisagem natural escolhida para as filmagens.
Outro aspeto relevante será, sem dúvida, a nítida capacidade para criar um clima de mistério opressivo, capaz de apoquentar o espectador com a sua estranheza generalizada. A ameaça sente-se forte, contagiante, alastrando para os ossos. A única falha de “The Watchers” é a resolução anti-climática e que deixa a tensão dramática esmorecer.
Classificação: 75/100
ARE WE THERE YET DE LAZAR IVANOV (SUÍÇA, 2021, 11′)
Uma voz robótica guia-nos através de imagens de arquivo que acompanham um procedimento hipnótico de flashbacks, criando um sonho que decorre durante uma cirurgia.
“Are We There Yet” é um mosaico esotérico que dança, alegremente e com intencionalidade, algures na separação entre o narrativo e o experimental. Como é habitual nas obras mais a pender para esta segunda opção, trabalha-se com imagens de arquivo e neste caso também com frases de autores célebres Faulkner e Fitzgerald. Estes elementos, aos quais se somam imagens retiradas de inúmeros contextos distintos, criam uma sequência de sonho capaz de hipnotizar o espectador da mesma forma que hipnotiza o sujeito fílmico.
A capacidade de libertação alcançada torna este “Are We There Yet” num projeto audaz que, inclusive, contou com uma rica banda-sonora própria neste devaneio fílmico a 25fps, criado no âmbito de um projeto para a HEAD Genève – Escola de Artes e de Design.
Classificação: 70/100
LUCIENNE DANS UN MONDE SANS SOLITUDE DE GEORGY COUTURIAU (FRANÇA, 2022, 31′)
Este é um mundo sem solidão porque toda a gente tem um duplo, uma versão de si próprio que nunca está muito longe. Mas viver neste mundo sem solidão também é viver num mundo sem individualidade e Lucienne terá de escolher entre a conformidade e a ostracização.
“Lucienne dans un monde sans solitude” é um drama complexo, distópico e tematicamente rico. Concentra em si todas as marcas distintivas de uma curta-metragem de qualidade: o seu valor de produção é elevado, a sua premissa integrante e a sua linha narrativa contém elementos mais que suficientes para poder crescer de forma orgânica. “Lucienne dans un monde sans solitude” resultaria também como longa-metragem, mas apresenta-se na perfeição, com todo o seu valor de choque, neste formato de apenas 30 minutos.
Destacamos a ilustre direção de atores (com ênfase para os teatrais e intimistas movimentos corporais das personagens), com estes “duplos”, irmãos inseparáveis por lei, a serem desempenhados, cada par, apenas por um único intérprete que, magistralmente, é capaz de interagir consigo próprio ou própria com a maior das naturalidades. Tendo em conta a natureza da narrativa, cair no ridículo seria muito fácil. Todavia, a história de Lucienne é para lá de emotiva, capaz de nos sugar e esmagar. Este é um drama existencial “à francesa”, mas tal conotação é aqui positiva. Queremos dizer que a obra é metafísica, complexa do ponto de vista filosófico, brincando com a ideia do “outro”, do duplo e desenhando um complexo tratado acerca de solidão, individualidade e pertença ao grupo.
O mundo criado por Geordy Couturiau é belo, trágico, absurdo, riquíssimo e um claro destaque empolgante nesta sessão. Neste século XXI, imaginar um mundo onde o individualismo é proibido parece impossível e, por isso mesmo, este gesto torna-se ainda mais ambicioso, imaginativo e único. Sim, a criatividade não é um valor máximo para a definição de uma boa obra de arte no cinema, não depois de mais de 100 anos de história. Não obstante, certos autores ainda conseguem criar novo sentido. Aqui apresenta-se um bom exemplo.
Classificação: 90/100
THE PARENT’S ROOM DE DIEGO MARCON (ITÁLIA, 2021, 10′) FECHA A COMPETIÇÃO INTERNACIONAL CURTAS 5
Tão hilariante quanto desconfortável, esta balada de morte de uma família podia ter sido uma canção de Nick Cave and the Bad Seeds.
Regressando a “The Parent’s Room” , o filme facilmente poderia ter oscilado para o humor (bem) negro. Na verdade não é esse o caso, este pequeno filme é tenebroso e na realidade roça até o campo do horror. Recorda-nos os casos que mais chocaram comunidades inteiras, as histórias de pais ou mães (mais pais, para dizer a verdade) que mataram toda a sua família antes de tirarem a sua própria vida. Depois da intimidante música, a curta deixa-nos com o mais desconfortável dos silêncios. Silêncio ensurdecedor, perante o cenário desolador e sugestivo que nos foi apresentado. Para contribuir para a excentricidade desta peça, a animação escolhida para a curta é deformada, inusitada, esteticamente desafiante.
Não percam a nossa cobertura do IndieLisboa ’22, que acontece na capital até ao final desta semana e apresenta ainda sessões de vencedores a decorrer no Cinema Ideal entre 9 e 11 de maio.