"Conspirators of Pleasure" | © Athanor

IndieLisboa ’23 | Conspirators of Pleasure, em análise

Num programa retrospetivo, a 20ª edição do IndieLisboa celebra o cinema de Jan Švankmajer, mestre da animação checa cuja obra tem vindo a inspirar outros artistas deste e outras áreas. Uma das primeiras longas-metragens em exibição na série foi “Conspirators of Pleasure,” originalmente intitulado “Spiklenci slasti” e lançado em 1996. Nessa altura, competiu pelo Leopardo de Ouro em Locarno e foi ainda nomeado para três Leões Checos, uma espécie de Óscares nacionais dessa República.

Não há, nem nunca haverá outro artista do grande ecrã que se equipare a Jan Švankmajer. Catalogarem-se realizadores com descrições como ‘um visionário sem igual’ é cliché do crítico, mas estamos perante um nome merecedor de tais títulos. Parte da magia, pois claro, devém das sensações despertas por seus filmes, a ilusão do toque que não toca. É a magia do stop-motion, mas também de uma expressão definida pela materialidade. O cinema deste autor é assim um trabalho tátil, jogando com esse sentido fora do plano cinematográfico que alguns artistas conseguem, apesar de tudo, manipular somente com som e imagem.

Desde as curtas experimentais até às longas mais estruturadas, não há filme de Švankmajer a que falte uma qualidade palpável, com as próprias impressões digitais muito presentes quando o barro lhe serve de matéria prima para a animação. Contudo, até fora desse panorama, ele desperta a resposta visceral. Pensemos nos animais embalsamados a quem o cinema dá nova vida, seu movimento tosco trespassando as horas de trabalho, a ação da mão posando-os em ilusão de gesto. Ou algo tão simples quanto um papel que se dobra por força invisível. O ato, em si, apela ao reconhecimento de sensação no espetador.

conspirators of pleasure critica indielisboa
© Athanor

Quase conseguimos imaginar o que seria sermos nós os mestres dessas marionetas, esses objetos do dia-a-dia feitos estrelas de cinema por Jan Švankmajer. Considerando toda esta maravilha, não será de estranhar como, quando já tinha décadas de trabalho e renome no cartório, o artista terá decidido experimentar seus talentos numa situação in extremis. Assim nos aparecem os conspiradores do prazer, esses “Conspirators of Pleasure” na tradução para o inglês. Não se trata de uma animação, apesar do ocasional efeito stop-motion, e seus protagonistas são humanos de carne e osso. Apesar disso, é cinema do toque.

É também cinema do desejo sublimado, explodido, expandido até ao ponto em que engole a tela e consome o espetador. É um filme sobre a procura do prazer, sobre o devaneio erótico. É uma desventura de masturbadores. São as figuras mencionadas no título, seis delas, unidas pelos acasos da vida numa cadeia de impulsos e coincidências. Poder-se-ia caracterizar a pouca narrativa em cena como uma espécie de esqueleto, um alicerce sobre o qual se estabelece o mecanismo autoerótico em série de causa-efeito sem nudez gráfica ou sexo tradicional. Aliás, todo o projeto nasceu de uma curta primeiro imaginada em 1970, com as décadas no meio servindo para pesquisa.

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A gestação do filme apurou as suas qualidades enquanto fábrica do estímulo, com o intuito de elevar o toque acima da visão na hierarquia da experiência humana em interação com o cinema. Por isso mesmo, para inverter as ordens típicas, Švankmajer puxou pelo ‘eros,’ deduzindo que, nessa conjetura, ainda a tatilidade se poderia assumir plena e pura. Aí sim, seria capaz de se diferenciar dos restantes sentidos e atingir sua real importância. Afinal, na nossa vida, não vemos um orgasmo ou a excitação. Também não ouvimos. É algo que se sente com o corpo todo, que se invoca através do contacto, pele com pele ou pele com algo mais.

Todo este palavreado dá a ideia de um trabalho intelectual, mas este é um filme que foge a realidades cerebrais. A base está no estudo, é certo, mas o resultado final é para ser experienciado sem pensamento a mais. São histórias soltas e fetichistas, divorciadas do erótico vulgar para melhor provocarem o choque no espetador, o riso desconfortável, a tesão alheia refletida para fora. Nem há diálogo para complicar a coisa, sendo o guião resumido a dezasseis páginas de ações abertas ao improviso. O que fica são as brincadeiras dos intervenientes, suas indulgências e negociações entre a fantasia e o real.

conspirators of pleasure critica indielisboa
© Athanor

As personagens do Sr. Pivoňka e a Sra. Loubalová, por exemplo, vêem-se obrigadas a entrar num ritual de criação para fazer justiça aos desejos. São vizinhos num apartamento reles, algures em Praga, cada um sonhando com o fulgor de mortificar o corpo do vizinho. Para saciar a fome, concebem efígies, não muito diferentes dos bonecos com que o realizador povoou as suas animações anteriores. Mas também há uma componente de transformação na procura do prazer, com o corpo em êxtase ganhando novas formas através do figurino elaborado cuja materialização se observa com atenção. Noutra história paralela, uma carteira entrevinda na vida dos vizinhos sem, no entanto, se envolver nos jogos deles. Acontece que ela tem fétiche diferente.

Na solidão da sua casa, ela faz bolinhas de pão, que depois insere nas cavidades antes de ir para a cama. De manhã, expele as mesmas, mais tarde caindo nas mãos de outra masturbadora que os dará de comer a peixes. Com o movimento desses seres num balde em que tem os pés, a segunda mulher chegará ao seu paraíso. Isso é caricato, pois claro, quando outra personagem vê a dona dos peixes na TV, a trabalhar como pivô, e fica obcecado com a ideia de a incluir em suas próprias fantasias. Mais um elemento no ciclo, mais um masturbador ao qual se juntará um sexto. Todos sozinhos, mas juntos pela odisseia coletiva com destino comum – a satisfação. É o deleite deles e o nosso enquanto espetadores da brincadeira. É o deleite de Jan Švankmajer que aqui chega ao apogeu da sua obsessão tátil.




Conspirators of Pleasure, em análise
conspirators of pleasure critica indielisboa

Movie title: Spiklenci slasti

Date published: 30 de April de 2023

Director(s): Jan Švankmajer

Actor(s): Petr Meissel, Gabriela Wilhelmová, Barbora Hrzánová, Anna Wetlinská, Jirí Lábus, Pavel Nový

Genre: Comédia, Drama, 1996, 85 min.

  • Cláudio Alves - 82
82

CONCLUSÃO:

Com sua pesquisa sobre o toque em cinema e longa gestação, “Conspirators of Pleasure” é quiçá o mais importante filme de Jan Švankmajer. Pelo menos, age enquanto Pedra da Roseta, servindo para decifrar o intuito enigmático do seu cinema, os impulsos viscerais do ofício e o propósito derradeiro da experiência. Não é, no entanto, uma das suas obras-primas. Quiçá, nunca transcende a sua condição enquanto filme-laboratório.

O MELHOR: O surrealismo sugerido pela premissa e a imagética, máquinas artesanais para trazer prazer, planos obcecados com pelos e pregos, penas e cola a roçar na pele.

O PIOR: Nunca “Conspitrators of Pleasure” deixa de parecer uma pesquisa sem resultado final concreto. Talvez funcionasse melhor enquanto série de curtas do que como uma longa-metragem.

CA

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