Fantasma Neon, via IndieLisboa

19º IndieLisboa | Crónicas Curtas #1

A 19ª edição do IndieLisboa já está a decorrer, e nós tivemos a oportunidade de acompanhar algumas das curtas presentes no festival!

Durante largos anos acompanhei o INDIELISBOA não apenas como espectador mas como profissional, membro do Júri ONDA CURTA e parceiro institucional (RTP), nomeadamente através da iniciativa comum e a meu ver muito interessante de inserir na orgânica do festival a atribuição de um prémio de aquisição, o Prémio ONDA CURTA. Essas aquisições não se resumiram a um só filme, mais uma ou outra Menção Especial (nunca gostei da expressão Menção Honrosa), e durante os anos que durou a parceria foram premiadas e compradas para exibição um leque muito variado de curtas-metragens que rondava geralmente os 45-50 minutos, mais ou menos a duração dos conteúdos do programa cujo formato correspondia ao módulo de uma hora na grelha de programas. Muitos que recordam o ONDA CURTA, muitas vezes perguntando para quando o seu regresso, sabem que ele foi exibido ao longo de 18 anos, sem qualquer interrupção, na RTP2. E sempre no quadro e no contexto de uma programação exigente para públicos exigentes, como outras parcerias e iniciativas da marca e do programa ONDA CURTA, de que era autor, programador, produtor e realizador.

Entretanto, este ano decidi fazer umas crónicas a propósito do INDIELISBOA, (não, não me vou ficar só pelas curtas) e pela primeira vez estou a sentir o gozo de olhar para os diferentes programas das diferentes sessões com a atitude serena, mas nem por sombras superficial, que em anos anteriores, mesmo que quisesse, acabava por não adoptar por uma questão de princípio, já que as decisões minhas e dos meus colegas do júri não se resumiam a uma simples mas legítima aclamação em sala, mas a uma responsabilidade acrescida, já que a nossa opinião individual contava para uma aquisição de direitos de exibição que, no domínio quase sempre precário dos orçamentos com que em geral se fazem as curtas, constitui uma das poucas formas de capitalizar e recuperar algum do investimento realizado na produção. Que o digam os produtores que se batem com unhas e dentes para chegarem, por exemplo, ao caderno de encargos do Arte ou do CANAL+, que já pagaram melhor mas ainda assim pagam relativamente bem. Diga-se que o ONDA CURTA, ao não exigir exclusivo a ninguém e ao reduzir o número de exibições, mais do que suficiente, para duas, mereceu igualmente a melhor atenção da comunidade cinematográfica no campo das curtas e não só, facto que o levou a multiplicar parcerias e prémios de aquisição, literalmente, pelos quatro cantos do mundo.

Precisava de dizer isto antes de passar a uma análise do que me foi dado ver e será dado a ver este ano no INDIELISBOA, neste caso, na competição internacional de curtas-metragens. Irei manter a exigência que sempre desejei partilhar com o meu público.

Primeira abordagem, COMPETIÇÃO INTERNACIONAL C1.

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Five Minutes Older, via IndieLisboa

FIVE MINUTES OLDER, 2021, Sara Szymanska (Polónia): Duas irmãs viajam juntas num carro. Pelo caminho, falam sobre a relação de proximidade que interfere na sua expressão individual. Uma delas irá mesmo dizer, como quem lança uma arma de arremesso, que a outra não se esqueça que nasceu cinco minutos depois. Neste caso, a componente gráfica não seduz, mas o argumento, que parece forjado a partir de depoimentos soltos de ambas, funciona dentro dos limites de uma animação com escassos seis minutos. Podia ir mais longe, não se perdia nada. Pontuação: 30

NORTH POLE, 2021, Marija Apcevska (Macedónia do Norte, Sérvia): Este é um filme sobre o despertar da primavera num mundo frio e cinzento. Começa com um grande plano de uma rapariga e de um rapaz num espaço fechado, mas a montagem e o consequente jogo de escalas revela-nos ser um espaço aberto. Mas será aquela plataforma onde se encontram o refúgio onde procuram uma intimidade numa cidade onde em boa verdade não apetece viver nem amar? Ela procura despertar no namorado o desejo de sexo, sem sucesso. Separam-se e mais adiante ela encontra um grupo de crianças muito irrequietas com quem primeiro briga e depois acaba a brincar como se fosse um deles. Mas será sol de pouca dura. O seu rosto volta a um rito depressivo, não obstante a luminosidade do seu olhar. Muito bom exercício de planificação, montagem e direcção de actores, servido por uma fotografia compatível com as intenções de exposição clara e sucinta da narrativa. Pontuação: 60

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North Pole, via IndieLisboa

EL DÍA QUE VOLARON A LA MONTAÑA, 2020, Alma Bresoli (Espanha): Filme sobre um grupo de irmãos pastores de Escó, uma aldeia abandonada e meia em ruínas situada nas montanhas de Aragão. Durante a ditadura franquista, os seus habitantes foram deportados para outros lugares para ali ser construído o Pantano de Yesa. Na altura, um homem recusou sair e abandonar o seu modo de vida. Hoje, os seus filhos são os últimos sobreviventes dessa autêntica deportação, e com as dificuldades inerentes ao isolamento vivem há anos paredes meias com o degradar de um espaço outrora violentamente alterado na sua componente social e económica. Mas a essa mudança parece agora sobrepor-se uma outra provocada pela invasão das máquinas pesadas destinadas a construir a Autovía de los Pirineos, cuja inauguração está prevista para 2025.

Um mundo que se adivinha de pernas para o ar e que na actualidade encontra alguma coerência apenas na persistente vontade e coragem de resistir ao destino, por mais indesejado que seja. Nesta curta dirigida com um cariz muito pessoal pela autora que não hesita em dar conta da sua presença, sem aparecer mas questionando os irmãos, nota-se aqui e além um sempre difícil equilíbrio entre dois modelos de produção e duas linguagens que não deviam ser confundidos, documentário e reportagem. Mas a qualidade da montagem, a fotografia que incide nos rostos queimados pelo sol daqueles homens rudes mas sensíveis, aparentemente sem os sobressaltos de alma que muitas vezes observamos em classes confortavelmente instaladas nos meios urbanos e que andam sempre a queixar-se disto e daquilo, conferem uma verdade e dignidade ao que se vê e ouve, razão suficiente para dar atenção a este curioso mas não arrebatador projecto.  Pontuação: 50

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Hierofania, via IndieLisboa

HIEROPHANY, 2021, Maria Nitek (Polónia): Do grego Hieros = Sagrado + Faneia = Manifesto resulta Hierofania ou Manifestação do Sagrado. Esta equação será posta em prática numa animação experimental cujo impacto maior pode ser observado se for visto num grande ecrã e não num qualquer streaming. Porque a dimensão do sonho combina melhor com a amplitude de uma superfície imersiva. Pontuação: 40

FANTASMA NEON, 2021, Leonardo Martinelli (Brasil): Nesta sessão, C1, os últimos são os primeiros. O melhor veio para o fim, o filme mais contundente, o mais divertido e o mais sério, o mais urgente. Produzido no cruzamento de diversos géneros, o documental de criação, o musical, o experimental, o militante e, sobretudo, uma obra muito certeira no alvo que pretende atingir. Filme protagonizado por actores, não importa o que eles são na realidade concreta do dia-a-dia mas sim o que representam nesta ficção do real, que aqui interpretam figuras diversas do conturbado universo das entregas ao domicílio de comidas e bebidas, uma actividade que prolifera nos mais diversos sistemas onde o peso da urbanidade e da distância entre pessoas se acentua na medida da distância provocada pelo cada vez maior auto-isolamento doméstico. No Brasil, onde alguma classe média, seja lá o que isso for naquele país, vive por detrás de grades que geram uma falsa ilusão de segurança, a abordagem crítica da vida destes rapazes e raparigas que cruzam as ruas em busca de um magro sustento, parecendo livres sem o serem, sujeitos a um sem número de agressões, faz muito sentido. Provavelmente mais do que em Portugal ou noutros lugares economicamente mais favorecidos. Estamos aqui perante um verdadeiro projecto fílmico que usa em pleno as aptidões de uma equipa muitíssimo criativa e competente, com mil ideias que resultam a cada sequência que passa, uma banda sonora musical que faz lembrar ecos de outras eras e de outras aventuras como a do Chico Buarque da Ópera do Malandro. Mas hoje os malandros já não andam só nas ruas, e esse facto deve incentivar-nos a apoiar quem ainda pensa na liberdade de expressão, luta contra a imposição do pensamento único e deseja fazer filmes com razão de ser, para mudar o mundo. Em suma, um realizador e argumentista coadjuvado por uma equipa bem oleada, que pessoalmente irei seguir no futuro. FANTASMA NEON seria uma daquelas curtas com entrada directa no ONDA CURTA, porque lá só entravam os classificados com 4 ou 5 estrelas. Neste caso e na MHD aqui fica a sua pontuação: 80

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Phantom Neon, via IndieLisboa

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