"The Nowhere Inn" | © IndieLisboa

IndieLisboa ’21 | The Nowhere Inn, em análise

St. Vincent, também conhecida como Annie Clark, junta forças com Carrie Brownstein neste documentário ficcionado. “The Nowhere Inn” de Bill Benz é uma paródia metatextual e está integrado na secção IndieMusic do festival IndieLisboa 2021.

“The Nowhere Inn” tem início com a sua melhor cena. Algures na paisagem Americana, St. Vincent viaja numa limusina, aperaltada no figurino de toda a estrela de rock que quer privacidade, óculos-de-sol incluídos. Apesar dessa projeção de inacessibilidade, a cantora não deixa de responder aos inquéritos do condutor, suas intrometidas questões sobre quem ela é. Acontece que o homem não a conhece apesar de ela afirmar ser famosa. Chega ao ponto de telefonar ao filho, desdobrando o momento numa farsa automóvel, tão desconfortável como nervosa, até engraçada.

Acima de tudo, há uma contracorrente concetual a dar profundidade ao humor fácil. Aqui se questionam questões de identidade, o paradoxo da fama. St. Vincent é uma pessoa ou uma persona? Talvez nem ela própria, nem a verdadeira Annie Clark, saiba. Também há o assunto da celebridade insular, aquele tipo de fama que só vive num nicho da população. Para uns, ela é uma deusa, para outros, uma desconhecida com pretensões de estrela rock. Acima de tudo, persiste a dúvida se Annie sabe aquilo que quer ser, se anónima ou idolatrada, se autenticamente aborrecida ou artificialmente espetacular.

the nowhere inn critica indielisboa
© IndieLisboa

Se o último filme de Bill Benz fosse só esta cena introdutória, uma curta-metragem sobre rodas, poderíamos dizer que se tratava de uma das melhores comédias do IndieLisboa. Infelizmente, não é o caso. De facto, “The Nowhere Inn” tem hora e meia, afirmando-se como uma espécie de mutante entre o filme-concerto e o ‘mockumentary’ autorreflexivo. Só que essa definição não é acertada, pois, apesar de vermos a produção de um documentário imaginado, a obra que testemunhamos nunca é essa mesma fita.

Então isto se trata de um filme sobre outro filme que não sabe o tipo de filme que quer ser. Uma confusão, portanto. Tentando desenvencilhar este nó descritivo, afastemo-nos de classificações e pensemos lá numa sinopse. A história de “The Nowhere Inn”, co-autorada por Clark e sua amiga Carrie Brownstein, acompanha a rodagem de um documentário sobre St. Vincent. A cantora fala de querer tomar controle da sua narrativa pública, deixando que os fãs perscrutem a realidade por detrás da performance.

Para isso, ela tem Brownstein atrás das câmaras, comediante feita realizadora, pronta a cristalizar a imagem da amiga em 16mm. Só que, à medida que a filmagem perdura, mais a estrela se inquieta com a suposta banalidade que a desconeta daquele figurão que as audiências tanto amam. Comentários casuais de Brownstein e o olhar insistente da câmara precipitam uma crise. Não só a relação das duas se deteriora como também o sentido de identidade da diva cantante. Gradualmente, St. Vincent e Annie Clark começam a fundir-se numa só criatura, uma estranha interpretação sem fim.

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Todo o mundo vira palco, mas depressa se torna evidente que orientar a vida em torno de um ideal abstrato não é caminho para o sucesso. Tanto a protagonista como seu(s) filme(s) vão perdendo vista à humanidade do seu ser e à própria noção de realidade. “The Nowhere Inn” torna-se uma piada sobre desrealização, o gémeo disforme da “Persona” de Bergman, onde St. Vincent tem de ser tanto Liv Ullmann como Bibi Andersson. Ou talvez, esta criação seja como a filha dessa fita sueca com a série de Brownstein, “Portlandia” – uma comédia muito mais funcional que “The Nowhere Inn”.

Só que, ao contrário de “Persona” e “Portlândia”, este não é um dueto. Com a ascensão desta St. Vincent maligna, Brownstein é atirada para as margens do filme. Nessa nova dinâmica, “The Nowehere Inn” começa a desmoronar, sua estrutura uma ruína de inconsistências constantes. Dakota Johnson junta-se à trupe, fazendo da nova namorada de St. Vincent. Textualmente, ela está a interpretar-se a si mesma, mas há uma clara pátina de estilização a refratar o modo como a vemos. A presença da musa de Luca Guadagnino não é só uma variação cómica no enredo.

Johnson também perturba o equilíbrio dramatúrgico e, mais prejudicialmente, o balanço interpretativo do elenco. Deixemo-nos de eufemismos, Johnson é demasiado boa para este filme. Ela é demasiado ágil na apuração do tom certo para a comédia existencial, mostrando quão aquém os outros membros do elenco são. Nem Clark nem Brownstein alguma vez alcançam o mesmo tipo de dança entre realidades e personas, nunca convencendo o espetador. Daí desabrocha uma flor de alienação que poderia ser de interesse, caso tivéssemos David Lynch atrás da câmara ao invés de Bill Benz.

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Não sendo surrealismo, “The Nowhere Inn” é só confuso e superficial. Muita se fala em fazer um filme-concerto e, de facto, as imagens das atuações ao vivo são, de longe, a melhor parte desta fita a seguir à abertura. Oxalá “The Nowhere Inn” se resumisse a um filme-concerto, repleto de explosões de cor em palco e esplendor sónico. Às vezes, o caminho da simplicidade é o mais correto. No fim, esta comédia parece gozar contra si mesma, quiçá por acidente ou humildade. Toda a renúncia do documentário musical em prol desta bizantina paródia prova ser uma profecia ominosa. Fãs de St. Vincent vão querer ver a peça e talvez até saiam dela sem o amargo gosto do desapontamento a picar a língua. Por aqui, admitimo-nos insatisfeitos com o resultado da invenção. “The Nowehere Inn” tem muito potencial, mas desperdiça-o quase todo.

The Nowhere Inn, em análise
the nowhere inn critica indielisboa

Movie title: The Nowhere Inn

Date published: 31 de August de 2021

Director(s): Bill Benz

Actor(s): St. Vincent, Carrie Brownstein, Dakota Johnson, Ezra Buzzington, Toko Yasuda, Chris Aquilino, Drew Connick, Tema Louise Sall, Erica Acevedo, Michael Bofshever

Genre: Comédia, Drama, Terror, 2020, 91 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

Uma comédia de identidades em curto-circuito, “The Nowhere Inn” contém meditações interessantes sobre a fama e o artifício na figura de St. Vincent. Contudo, fica-se pela observação superficial e é demasiado frouxo na estrutura, no ritmo, para vingar enquanto máquina de fazer rir. Dakota Johnson é a verdadeira estrela desta experiência, roubando o holofote apesar de ter um papel minúsculo.

O MELHOR: A abertura, a fotografia em cíclica transformação, a ideia basilar que aponta para o mistério essencial da celebridade.

O PIOR: Quanto a figura de Brownstein some na segunda metade da fita, sua interpretação pueril e caracterização sem substância.

CA

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