"JT LeRoy" | © Black Leather Jacket

Queer Lisboa ’19 | JT LeRoy, em análise

JT LeRoy” conta a história de um dos mais notórios escândalos literários do século XXI e é um dos filmes em destaque na secção Panorama do Queer Lisboa 23.

Jeremiah Terminator LeRoy, mais conhecido como JT LeRoy, foi um dos autores americanos mais celebrados no fim dos anos 90. Ele era um jovem loiro e de olhos azuis vindo da parte rural da Virginia Ocidental, onde teria crescido aos cuidados de uma mãe que se prostituía em estações de serviço. Sarah foi o nome com que o autor a imortalizou no livro com o mesmo nome publicado em 1999. Essa era uma história cheia de degredo humano, abusos sexuais, toxicodependência e as sugestões titilantes de um adolescente a vender o seu corpo sob um disfarce feminino.

“The Heart Is Deceitful Above All Things” foi publicado no mesmo ano e é uma coletânea de contos autobiográficos assinados por LeRoy, onde relata mais detalhes lúridos da sua juventude. A imagem que estes romances pintam é tão vívida e colorida, tão escandalosa e grotesca que só mesmo a pátina de respeitabilidade associada a uma obra de arte autobiográfica poderia justificar o seu instantâneo sucesso. Assim foi e, nos anos em que o grunge morria uma morte lenta, LeRoy conquistou o mundo e o seu segundo livro até foi tornado num filme estreado em Cannes.

jt leroy critica queer lisboa
© Black Leather Jacket

JT LeRoy não existe. Ou melhor, a persona de JT LeRoy é uma ficção engendrada pela escritora nova-iorquina Laura Albert. Muitos são os autores que usam nomes de plumes e até aqueles que se tornam famosos pelas suas galerias de heterónimos, mas Albert nunca sugeriu que o seu protagonista não existisse. De facto, ela fingiu ser a agente britânica de LeRoy, um recluso muito introspetivo e envergonhado. Se ela se tivesse ficado por aí, a sua história não seria tão sensacional, mas Albert foi aos extremos de arranjar alguém para dar forma física à sua criação.

Savannah Knoop, a cunhada de Albert, foi a pessoa que viria a ser a cara de JT LeRoy. Minando as peculiaridades já presentes nos livros e seu material promocional, Albert e Knoop conceberam uma figura andrógina e misteriosa, encoberto por uma cortina de artifício e trejeitos antissociais. Com perucas loiras e óculos de sol sempre presentes, Savannah tornou-se em Jeremiah e o mundo pareceu ficar ainda mais obcecado com o bizarro autor. No entanto, tudo viria a descambar em 2005, quando Stephen Beachy publicou um exposé na New York Magazine a detalhar o complicado embuste.

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Esta é daquelas histórias tão doidas que não dão para acreditar, um pouco como a própria vida de LeRoy. A única diferença é que, neste caso, tudo é verdade e até já deu origem a livros e documentários sobre o assunto. “JT LeRoy” realizado por Justin Kelly é só o mais recente produto do escândalo, vindo dramatizar os seus detalhes com base numa autobiografia que Knoop veio a publicar sobre a situação. Kristen Stewart dá-lhe a vida a ela, enquanto Laura Dern se encarrega de interpretar Laura Albert e, verdade seja dita, as duas atrizes são a principal razão para se ver o filme.

Se estranharam só mencionarmos o filme após quatro parágrafos a descrever a história real, a razão pela qual o fizemos é o simples. Acontece que o escândalo real é muito mais interessante que o filme que o tenta contar, sendo que Kelly parece ter feito tudo para drenar a história de sensacionalismo, mas, pelo caminho, também a drenou de energia e fulgor. O esqueleto de um bom drama está presente, mas a sua execução deixa muito a desejar, desde a fotografia desenxabida até à montagem frustrantemente prosaica.

jt leroy critica queer lisboa
© Black Leather Jacket

 Parte do problema deriva do facto que a história é contada única e exclusivamente através da perspetiva de Savannah Knoop. No meio de tudo o que aconteceu, ela parece quase ser uma agente passiva à mercê das excentricidades de Albert e seus planos mirabolantes. Colocar como protagonista uma pessoa presa na persona de um rapaz que quase não fala nem olha nos olhos das outras pessoas é uma boa maneira de narcotizar o espectador. Nas cenas em que Kelly contrapõe a sonolência misteriosa de Knoop como LeRoy com a vivacidade estrambólica de Albert como uma agente literária britânica, a fricção até produz alguma comédia. As fragilidades vêm quando o filme as separa, o que acontece cada vez mais à medida que a narrativa progride.

Nada disto é culpa das atrizes, nem dos departamentos de figurinos e caracterização, cujo trabalho é divertido e exemplar. De facto, Stewart dá aqui uma prestação que merece aplausos, tendo de nos mostrar os dilemas da sua personagem através de várias camadas de performance e artifício. Vê-la a tentar negociar a sua própria autonomia face ao carisma meio opressivo de Laura Dern é um verdadeiro deleite. Outra cena, mais próxima do final, depois de tudo ser revelado, mostra-nos um reencontro das duas mulheres, onde, sem nenhuma ajuda do guião, as atrizes sugerem algo de simultaneamente simbiótico e tóxico na relação das personagens. Ver estas prestações é empolgante, mas não compensa o aborrecimento generalizado do filme em que elas estão encurraladas.

JT LeRoy, em análise
jt leroy critica queer lisboa

Movie title: Jeremiah Terminator LeRoy

Date published: 25 de September de 2019

Director(s): Justin Kelly

Actor(s): Kristen Stewart, Laura Dern, Jim Sturgess, Diane Kruger, Kelvin Harrison Jr., James Jagger, Courtney Love, David Lawrence Brown, Alicia Johnston, Eric Plamondon, Craig Haas, Adam Hurtig

Genre: Drama, Biografia, 2018, 108 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

Começado com o desabrochar do desejo e terminado com um raio de esperança e incerteza, “Carmen & Lola” é um comovente romance lésbico que segue muitos dos modelos narrativos do cinema queer contemporâneo. Grandes prestações de um elenco de amadores e a explosão emocional do clímax salvam um filme que, no meio do Queer Lisboa, parece quase um lugar comum.

O MELHOR: O trabalho dos atores, especialmente Carolina Yuste como Paqui. A atriz ganhou o Goya para Melhor Atriz Secundária e é fácil entender essa decisão da Academia Espanhola.

O PIOR: A qualidade meio cliché da estrutura narrativa e a vilificação moralmente binária que o filme faz da comunidade cigana.

CA

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