La Guerra dei Cafoni

11ª Festa do Cinema Italiano | La Guerra dei Cafoni, em análise

La Guerra dei Cafoni” leva a guerra de classes às paisagens solarengas de Puglia, onde um elenco juvenil dá vida a este filme em competição na Festa do Cinema Italiano.

Temas de justiça social, ideologia de esquerda e discurso político por meio de construções narrativas não são nenhuma raridade no cinema italiano. Aliás, se nos recordarmos do Neorrealismo Italiano, podemos mesmo dizer que não há nenhum cinema nacional cuja história é mais indissociável de tais ideais e preocupações que o de Itália. Nos anos 40, podemos ver Rossellini tornar o proletariado nos heróis da resistência contra os nazis, enquanto a alta sociedade vivia congelada em boudoirs saídos dos filmes fascistas de telefone branco. Quase ao mesmo tempo, Visconti tornava pescadores em figuras saídas de mitos gloriosos, de Sica pintava retratos de dignidade através da mais pura miséria romana e Monicelli olhava a pobreza e sofrimento dos trabalhadores em busca de esperança. Décadas mais tarde, foi a vez de Pasolini tornar Jesus num revolucionário socialista, de Wertmüller cuspir na cara da burguesia italiana com monólogos anárquicos e muito, muito mais.

Em “La Guerra dei Cafoni”, essa tradição perdura. Só que, aqui ao invés de todos os cenários acima descritos, temos uma autêntica guerra de classes a ser ilustrada por uma alegoria infantil centrada em dois grupos de adolescentes e pré-adolescentes na região de Torrematta. Nessa região selvagem, onde grandes massas de água, vegetação escassa e alguns edifícios decrépitos se desdobram em paisagens constantemente fustigadas por um sol palpavelmente escaldante, todos os verões os senhores e os camponeses se antagonizam. Se dermos ouvidos às palavras dos combatentes pubescentes, esta é uma guerra valerosa, entre aqueles que acham que tudo lhes pertence e aqueles que estão fartos de serem  oprimidos, abusados e roubados pelos privilegiados, seus supostos superiores sociais.

La Guerra dei Cafoni critica festa do Cinema Italiano
“Não é uma história que brilhe pela originalidade”

Essa dinâmica, que desabrocha numa terra praticamente despida de presença adulta, não é somente uma sinédoque de toda a raça humana, mas também a continuação de um conflito ancestral específico dessa região. Pelo menos, é isso que nos mostra um prólogo medieval, em que um pai e filho que trabalham o campo ousam procurar água no poço dos senhores. O episódio acaba com a morte do rapaz e o patriarca sofredor acaba por ser transmutado, com o passar dos séculos, no santo dos saloios da região, uma presença celestial que sempre estará lá para proteger os necessitados. É evidente que, não obstante a existência de uma mitologia enraizada na guerra de classes, tais conflitos não são impeditivos do desabrochar do romance proibido entre o jovem líder dos senhores e uma camponesa, qual Romeu e Julieta passado na paisagem rural da Puglia.

Não é uma história que brilhe pela originalidade, ou pela subtileza, complexidade ideológica ou credível construção de personagens mais ou menos credíveis. As catastróficas prestações de quase todo o elenco juvenil são parcialmente culpáveis dessa última fragilidade. Isso é certamente o resultado dos métodos usados pelos realizadores Davide Barletti e Lorenzo Conte que edificaram o projeto como uma espécie de workshop narrativa para um grupo de adolescentes não profissionais que talvez até venham a seguir uma vida ligada ao cinema depois desta primeira experiência. No caso dos dois amantes, Francisco Marinho e Mela, os limites interpretativos dos atores são particularmente nocivos.

Lê Também:   A Volta ao Mundo em 80 Filmes

É que, mesmo sem o problema de ser interpretado por um amador, Francisco é uma personagem incrivelmente complicada. Ele é tão rapidamente caracterizado pela crueldade desumana nascida de uma vida embriagada em privilégio e sentimentos de superioridade, como pelas contraditórias paixões e remorsos de um adolescente enamorado. O seu arco narrativo é mais uma montanha russa cheia de contradições que o ator não tem a capacidade de fazer coerir numa personagem inteligível. No papel de Mela, Letizia Pia Cartolaro tem o problema inverso com uma personagem extremamente subdesenvolvida. Esta Julieta reinventada é a única pessoa capaz de imaginar uma vida fora de Torrematta e, não só o seu romance é forçado por mecanismos narrativos inorgânicos, mas também o seu papel metafórico dentro do edifício fílmico acaba por ofuscar qualquer réstia de humanidade a si latentes.

Com o centro emocional e concetual do filme ancorado por duas cifras incompetentemente traduzidas para o ecrã por atores amadores, caberia ao resto do elenco e construção formal do filme compensarem. Como já aludimos, os outros atores de “La Guerra dei Cafoni” não estão à altura desse desafio, mas o mesmo não se pode dizer das outras forças criativas por detrás das câmaras. A fotografia de Duccio Cimatti é particularmente louvável, sendo a clara mais-valia do filme e seu elemento mais descaradamente virtuoso. É através desse feito, que as paisagens deste épico em miniatura transpiram calor, movimento errático juvenil e, por vezes, passagens de serenidade quase pictórica. Graças a tal mestria, Torrematta torna-se numa terra intemporal e indefinida, um lugar de mitos e lutas primordiais sem fim.

La Guerra dei Cafoni critica festa do cinema italiano
“um SENHOR DAS MOSCAS à italiana com muito humor e um romance desajeitado”

Nem todos os aspetos mais “técnicos” de “La Guerra dei cafoni” exibem esse mesmo nível de virtuosismo. A montagem, por exemplo, é uma pequena catástrofe a nível estrutural, isolando partes do filme com fades to black que mais parecem indicar pausas para o intervalo de uma emissão televisiva que uma apropriada quebra rítmica no decorrer de um filme. Voltando a questões temáticas e textuais, há ainda muito para apontar, como o sexismo horripilante de todo o guião, mas, ao mesmo tempo, há que reconhecer valor nos riscos tomados pelos cineastas. Esta é uma proposta ambiciosa, um “Senhor das Moscas” à italiana com muito humor e um romance desajeitado. É uma proposta de alquimia tonal perigosamente instável, para nada dizer do seu fracasso em muitos aspetos, não apagam por completo o prazer de se experienciar uma obra tão estranha e estranhamente ambiciosa como esta.

 

La Guerra dei Cafoni, em análise
La Guerra dei Cafoni critica festa do cinema italiano

Movie title: La Guerra dei Cafoni

Date published: 10 de April de 2018

Director(s): Davide Barletti, Lorenzo Conte

Actor(s): Pasquale Patruno, Letizia Pia Cartolaro, Donato Paterno, Angelo Pignatelli, Alice Azzariti, Piero Dioniso, Ernesto Mahieux, Claudio Santamaria, Fabrizio Saccomanno

Genre: Comédia, 2017, 97 min

  • Cláudio Alves - 55
55

CONCLUSÃO

“La Guerra dei Cafoni” é um épico juvenil sobre guerras sociais que, infelizmente, é vitima da sua própria ambição e métodos pouco ortodoxos de trabalho de ator. Contudo, a nível visual, o filme merece admiração.

O MELHOR: A fotografia de Cimatti.

O PIOR: O elenco juvenil.

CA

Sending
User Review
3 (2 votes)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending