Cate Blanchett, uma filha muito particular. ©Biennale Cinema

Jim Jarmusch conquista o Leão de Ouro com a família arruinada | Festival de Veneza 2025

O Leão de Ouro 2025 foi para “Father Mother Sister Brother” de Jim Jarmusch. Mas o Festival de Veneza 2025 acabou por ser marcado pelos temas da implosão familiar, da tragédia em Gaza e sobretudo pela afirmação de dois cineastas-autores norte-americanos: Jim Jarmuch e Benny Sfadie.

O Festival de Veneza 2025 acabou e, como sempre, não faltaram surpresas, polémicas e escolhas do júri presidido pelo cineastas norte-americano Alexander Payne (onde estava também Fernanda Torres), que vão dar muito que falar. O Leão de Ouro 2025, o prémio maior, foi entregue surpreendentemente a Jim Jarmusch, que decidiu olhar para o campo minado mais banal da sociedade ao mesmo tempo mais perigoso e castrador: a família.

“Father Mother Sister Brother” é cinema silencioso, corrosivo, melancólico e íntimo, feito de capítulos em cidades diferentes (Nova Jérsia, Dublin, Paris) mas unidos pela mesma ferida: a incapacidade de comunicar com quem devíamos conhecer melhor. Cate Blanchett, Tom Waits, Charlotte Rampling, Vicky Krieps e Adam Driver são peças de um puzzle de silêncios e ausências, gémeos que sobrevivem a tragédias ou pais que já só existem como fantasmas.

Jarmusch filma como quem observa por uma janela embaciada, deixando que pequenos gestos, — um olhar de lado, um cigarro mal apagado, um silêncio demasiado longo — rebentem como bombas emocionais. É um filme minado de tristeza, mas também de humor discreto, e talvez o mais íntimo que o realizador fez em anos. Justifica-se um Leão de Ouro 2025? Talvez não.

A Palestina Livre

Ainda assim, o festival não viveu só da implosão familiar, mas bastante agitado com a questão da Palestina. Gaza entrou pelo Lido dentro com toda a força com o filme “The Voice of Hind Rajab”, da tunisina Kaouther Ben Hania, que dramatiza o assassinato de uma menina palestiniana de cinco anos pelas forças israelitas.

O filme arrancou uma ovação de pé de 23 minutos, cânticos de ‘Free Palestine’ e levou naturalmente o Grande Prémio do Júri, quando muitos já lhe apontavam o Leão de Ouro 2025. Foi a prova de que o cinema ainda pode ser denúncia, testemunho e resistência, muito para lá do entretenimento.

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O cinema de autor norte-americano

Já do lado norte-americano insisto, o mais novo dos Safdie, Benny deu-nos um murro no estômago com “The Smashing Machine”. Dwayne Johnson deixou de ser “The Rock” e transformou-se em Mark Kerr, um colosso do MMA que percebe que músculos não chegam para segurar a vida.

Safdie filmou-o com brutalidade física mas também com vulnerabilidade rara, e Johnson entregou-se a um papel que pode relançar a sua carreira com outra gravidade. Resultado: Leão de Prata de Melhor Realização e uma nova porta aberta para os Óscares, para o filme e para o actor.

As nuvens da bela Itália

Do lado italiano, Gianfranco Rosi voltou a provar que o documentário também pode disputar prémios maiores. “Sotto le Nouvole” é filmado em preto e branco, entre o Vesúvio e Pompeia, e lembra-nos que a vida em Nápoles se faz sempre com um vulcão à espreita.

O Prémio Especial do Júri foi a recompensa para um trabalho que escava a realidade como se fosse arqueologia. E Toni Servillo, rosto quase oficial do cinema italiano contemporâneo, regressou em força com “La Grazia”, de Paolo Sorrentino. Encarnou um Presidente da República ideal — íntegro, hesitante, fumador ocasional — e levou a Taça Volpi de Melhor Actor, provando que continua a ser o actor de eleição para dar corpo a figuras maiores que a vida.

Obsessões orientais

Festival de Veneza 2025
“The Sun Rises on Us All”, Cai Shangjun volta ao melodrama moral. ©Biennale Cinema.

Da Ásia, Cai Shangjun trouxe de volta o melodrama moral com “The Sun Rises on Us All”. O resultado foi a consagração da lindíssima protagonista Xin Zhilei, vencedora da Taça Volpi de Melhor Actriz, pela sua interpretação carregada de peso emocional. Do lado francês, Valérie Donzelli ganhou o Prémio de Argumento com “À Pied d’Œuvre”, lembrando-nos que trocar a câmara pela caneta pode ser bonito e romântico, mas não paga contas. E Ildikó Enyedi foi buscar uma ginkgo biloba para meditar sobre a pequenez humana em “Silent Friend”, filme que valeu à jovem suíça Luna Hedler o Prémio de Melhor Actriz/Actor Emergente.

O íntimo em vez do político

No fim de contas, o Festival de Veneza 2025 não foi tanto um desfile de glamour (apesar de Julia Roberts, Cate Blanchett, Jude Law ou George Clooney terem cumprido o ritual da passadeira vermelha) mas também um festival onde o cinema olhou para feridas abertas: famílias em ruínas, Gaza em chamas, gigantes com pés-de-barro a sangrar, presidentes utópicos, amores impossíveis e árvores pensantes.

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No balanço final, o júri liderado por Alexander Payne preferiu premiar o íntimo em vez do político, mas deixou espaço para todos percebermos que este ano o Festival de Veneza quis menos fogos de artifício e mais cicatrizes. Aceita-se.

Leão de Ouro e Prémios 2025

  • Leão de Ouro: Father Mother Sister Brother de Jim Jarmusch
  • Leão de Prata, Grande Prémio do Júri: The Voice of Hind Rajab
  • Prémio Especial do Júri: Sotto le Nuvole, de Gianfranco Rosi
  • Leão de Prata, Melhor Realizador: Benny Safdie, por The Smashing Machine
  • Taça Volpi, Melhor Actor: Toni Servillo, por La Grazia
  • Taça Volpi, Melhor Actriz: Xin Zhilei, The Sun Shines on Us All
  • Osella de Ouro, Melhor Argumento: Valerie Donzelli e Gilles Marchand por À Pied d’Oeuvre
  • Prémio Marcello Mastroianni para um Actor/Actriz Emergente: Luna Wedler, por Silent Friend

JVM


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