Women Talking © Plan B Entertainment

LFF 2022 | Women Talking, em análise

Frances McDormand pode aparecer muito pouco mas “Women Talking” vai muito além da premiada actriz, com escolhas perfeitas para as protagonistas.

Frequentemente, basta um elenco extraordinário para me convencer a dar uma oportunidade a uma obra. Não tendo conhecimento dos filmes prévios de Sarah Polley, seria de esperar que atrizes como Claire Foy, Rooney Mara, Jessie Buckley e Frances McDormand fossem o grande ponto de venda, mas a verdade é que a premissa foi o fator conquistador. Simples, direta ao assunto e focada num único debate sobre o que fazer perante ataques constantes de homens a uma comunidade de mulheres. Ficar e lutar, ir para outro local ou não fazer nada – opções mais difíceis e complexas do que parecem. Women Talking discute sobre a melhor decisão durante 104 minutos incrivelmente cativantes.

Penso que começar pelo óbvio será o mais fácil. Women Talking é, sem duvida, guiado pelas personagens e pela capacidade impressionante que cada atriz tem em incorporar não só a personalidade da mulher que representa, mas também os seus valores, crenças e razões pelas quais decide votar numa das tais três opções. Polley executa na perfeição o seu argumento inteligentemente redigido, conseguindo algo tremendamente complicado: não olhar para uma decisão como a correta ou errada, mas sim respeitando todas as opiniões e validando as justificações oferecidas por cada mulher – e a personagem de Ben Whishaw – no tão interessante debate.

Claire Foy
Claire Foy é uma das protagonistas de “Women Talking” © Plan B Entertainment

Outro ponto brilhante passa pela construção detalhada de cada personagem. Em Women Talking, a vida de cada mulher tem um impacto direto na opção que defendem. Desde os eventos trágicos do passado à sua posição religiosa, não esquecendo o fator “mãe” nem a forma como cada uma vive com os seus traumas terríveis, todos os argumentos trazidos para cima da mesa possuem uma conexão emocional e pessoal com algo impactante para essa pessoa. Polley trata as suas personagens de maneira tão pormenorizada que, por exemplo, não faria sentido Ona (Mara) escolher a opção de Salome (Foy), nem vice-versa devido precisamente a esse cuidado no argumento.

O próprio debate requer um balanço sobre o qual Polley, mais uma vez, demonstra ter controlo absoluto. Seja sobre o tópico principal, religião, trauma, família, amor, aceitação, perdão, vingança, ou poder, existem sempre opiniões extremas – positivas e negativas – e uma espécie de meio-termo, oferecendo sempre uma amostra ampla para cada tema. Women Talking consegue passar uma mensagem feminista inspiradora melhor do que muitas tentativas prévias, tudo sem passar a linha do desrespeito e ofensa ao sexo oposto, deixando claro que nem todos os homens são malvados – August (Whishaw) serve parcialmente esse propósito.

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O par atriz-personagem é também escolhido com uma precisão excelente. Mara é a atriz perfeita para o papel de moderadora da sua personagem, alguém que tenta perceber todas as perspetivas serenamente. Foy – o grande destaque – e Buckley encontram-se nos extremos, chegando a entregar monólogos longos e ininterruptos com close-ups verdadeiramente hipnotizantes. Também Judith Ivey como Agata – mãe de Ona – brilha com momentos emocionantes. No entanto, uma das prestações que provavelmente passará ao lado de muitos é mesmo a de Whishaw. O ator consegue alcançar um nível de autenticidade sentimental tal que as lágrimas soltam-se mais rápido quando o próprio se aventura pelas emoções mais pesadas.

Os diálogos e outras interações não são sempre sérios, com uma quantidade algo surpreendente de humor a aparecer ocasionalmente para provocar algumas gargalhadas muito bem-vindas. Women Talking é daquelas obras onde a “ação” passa pelas palavras, logo a coreografia normalmente requerida para stunts massivas é igualmente necessária aqui, principalmente tendo em conta que as personagens estão todas presentes no mesmo espaço durante a maior parte do tempo de execução. Polley mantém um ritmo adequado, apesar de algumas fases curtas redundantes afetarem ligeiramente o segundo ato.

Independentemente disso, nos momentos onde o nível de entretenimento ameaça descair, entra a banda sonora belíssima de Hildur Guðnadóttir (“Joker“). Cordas bonitas criam uma melodia envolvente, consequentemente gerando um ambiente atmosférico que acompanha o desenrolar da narrativa de forma bastante emocional. Women Talking não possui muita cor, chegando mesmo a possuir sequências onde parece que se transformou num preto-e-branco sublime – pessoalmente, a obra podia ter sido toda a B&W. Guarda-roupa (Quita Alfred) e cenografia (Friday Myers) também merecem elogios.

PS: McDormand tem meros segundos de tempo de ecrã devido ao facto de ser produtora. Estratégia de marketing bastante comum para vender o filme através do seu elenco. Fica o aviso.

LFF 2022 | Women Talking, em análise

Movie title: Women Talking

Movie description: Um grupo de mulheres numa comunidade religiosa menonita isolada na Bolívia luta para reconciliar a sua fé com uma série de agressões sexuais cometidas pelos homens da colónia.

Date published: 9 de October de 2022

Country: USA

Duration: 104'

Director(s): Sarah Polley

Actor(s): Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Ben Whishaw, Frances McDormand

Genre: Drama

  • Manuel São Bento - 80
80

CONCLUSÃO

“Women Talking” conta com uma banda sonora belíssima por parte de Hildur Guðnadóttir e possui prestações verdadeiramente hipnotizantes – Claire Foy sendo um destaque claro – com monólogos emocionalmente poderosos capazes de quebrar o espetador menos sensível. O argumento excecionalmente redigido e coreografado de Sarah Polley enriquece tremendamente o debate principal guiado pelas personagens completamente desenvolvidas, onde trauma, religião, aceitação, perdão, vingança e poder são alguns dos temas mais marcantes. O detalhe e complexidade pertencentes a cada personagem demonstram uma dedicação e cuidado notáveis. Merecedor de vários (e inevitáveis) prémios.

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