"Ma" | © MOTELX

MOTELx ’19 | Ma, em análise

A nova edição do MOTELx começou com “Ma”, um filme de terror protagonizado por Octavia Spencer num papel muito diferente do que é habitual vermos da sua parte.

Em Hollywood, type casting é uma maladia sofrida por muitos atores. Referimo-nos à prática de sempre dar ao mesmo ator o mesmo tipo de personagens, encurralando-os num ciclo de repetição sem fim. Nem as estrelas nem aqueles que já ganharam Óscares estão isentos de serem vítimas de tais práticas. Veja-se o exemplo de Octavia Spencer. Em 2012, a atriz ganhou o prémio para Melhor Atriz Secundária pelo seu trabalho em “As Serviçais” e até teve direito a uma ovação de pé. Desde então, parece que todos os produtores de cinema só a conseguem ver como uma colorida presença secundária em narrativas de época sobre conflitos raciais.

A história da atriz com a Academia de Hollywood é boa prova desse sistema. Desde “As Serviçais”, ela foi também nomeada por “Elementos Secretos” e “A Forma da Água” por interpretar personagens tão semelhantes que podiam quase ser versões da mesma pessoa. Para tornar a situação ainda mais caricata, estes três filmes até se passam todos na mesma época, os anos 60. Enfim, as audiências e os produtores ainda não se cansaram de ver Octavia Spencer nestes papéis, mas ela mesma parece já estar aborrecida. Por isso mesmo, quando surgiu a oportunidade de ser a atriz principal de um filme de terror, algo completamente fora da sua área de conforto, Spencer nem pensou duas vezes sobre o assunto.

ma critica motelx
© MOTELX

“Ma” reúne Spencer com o realizador de “As Serviçais”, Tate Taylor, e representa a primeira aventura dos dois amigos pelos intrépidos caminhos do cinema de terror. De facto, o projeto nasceu a partir da vontade de ambos experimentarem novos desafios que mais ninguém em Hollywood lhes oferecia. Gostaríamos de dizer que o seu amadorismo neste género de terror não foi um obstáculo para a qualidade do filme, mas estaríamos a mentir. Ou melhor, estaríamos a mentir se disséssemos isso acerca de Tate Taylor. Pelo que lhe compete, Spencer é excelente no papel titular, só que o resto do projeto nunca chega aos seus calcanhares.

Parte do problema devém do facto que “Ma” não é realmente sobre a figura com esse nome. Na verdade, esta é a história de Maggie Thompson, uma adolescente filha de pais divorciados cuja mãe, Erica, está de regresso à localidade de Ohio onde, em tempos, viveu a sua juventude. A mãe solteira traz consigo a filha, catapultando a jovem para um novo ecossistema social onde ela não conhece uma única pessoa. Depressa ela atrai a atenção de um grupo de amigos que gosta de passar as tardes livres a beber e, num abrir e fechar de olhos, testemunhamos como Maggie e sua nova trupe tentam arranjar alguém que lhes compre umas cervejas.

Lê Também:   As piores vencedoras do Óscar de Melhor Atriz Secundária

Para azar destes adolescentes com pretensões de rebeldia, quem lhes aparece como anjo salvador é uma mulher afro-americana que dá pelo nome de Sue Ann. Inicialmente, ela parece bem afável, comprando-lhes as cervejas sem muitas questões. Contudo, o que deveria ter sido uma interação casual depressa floresce numa relação obsessiva e com traços de preocupante dependência. No dia a seguir, Sue Ann convida os miúdos a passarem o serão na sua cave, alegando que assim eles podem ter um espaço seguro para beber sem porem ninguém, nem a si próprios, em risco.

O tempo passa e Sue Ann, apelidada de Ma pelos seus compinchas juvenis, torna-se na anfitriã preferida dos adolescentes locais e a sua cave é o clube noturno mais popular entre miúdos. O problema começa a surgir quando Maggie e seus amigos se começam a querer distanciar das atenções constantes de Sue Ann. Num abrir e fechar de olhos, a mulher adulta torna-se numa manipuladora impiedosa que tanto amedronta como seduz os jovens, prendendo-os à sua influência e infetando todos os aspetos das suas vidas. Na boa tradição do cinema de terror, eles são idiotas insuspeitos, mas o espectador bem sabe que algo de muito mau está prestes a acontecer.

ma critica motelx
© MOTELX

Seria mesmo impossível para a audiência ser surpreendida pelas reviravoltas, considerando quanto Taylor telegrafa todos os mecanismos do seu enredo. O uso de flashbacks para a juventude de Sue Ann é de particular peso e importância, refletindo também o mais debilitante problema de “Ma”. Da perspetiva de Maggie, a nossa real protagonista, Sue Ann é um monstro perverso pronta a destruir tudo aquilo em que toca. No entanto, em flashbacks e cenas sem os miúdos, a antagonista do filme revela ser uma vítima de bullying e racismo, uma pessoa que ainda carrega consigo as cicatrizes psicológicas de traumas passados. Para ela, esta é uma história de retribuição e justiça, uma tragédia sanguinária que não a encara como uma vilã, mas como uma anti heroína.

Nas mãos de um cineasta com grande habilidade para manejar tons contrastantes e conjugar aspetos contraditórios das suas personagens, “Ma” poderia ter funcionado. Para nossa grande infelicidade, Tate Taylor não é esse cineasta e o filme acaba por ser uma espécie de monstro de Frankenstein, com várias histórias diametralmente opostas a serem rudemente suturadas na forma de uma só narrativa. A única pessoa aqui envolvida que parece capaz de combinar a anti heroína e a vilã é a própria Octavia Spencer. Na sua performance, as duas ideias basilares da personagem coerem e dão a ideia de uma mente estilhaçada que precisa de atenção e está sempre pronta a explodir em raiva destrutiva quando ela não lha é dada. Oxalá o resto de “Ma” estivesse ao nível de Octavia Spencer.

Ma, em análise
ma critica motelx

Movie title: Ma

Date published: 11 de September de 2019

Director(s): Tate Taylor

Actor(s): Octavia Spencer, Diana Silvers, Juliette Lewis, McKaley Miller, Corey Fogelmanis, Gianni Paolo, Dante Brown, Tanyell Waivers, Luke Evans, Missi Pyle, Allison Janney

Genre: Terror, Thriller, 2019, 99 min

  • Cláudio Alves - 55
55

CONCLUSÃO:

“Ma” é, acima de tudo, uma mostra dos talentos de Octavia Spencer, aqui abençoada com um raro papel principal. Infelizmente, ela tem de partilhar o protagonismo com um elenco de adolescentes irritantes e é também vítima de um miasma inglória de má realização aliada a um catastrófico guião. Enfim, aproveita-se o elenco adulto e pouco mais.

O MELHOR: Octavia Spencer.

O PIOR: A direção frouxa de Tate Taylor e o argumento deficiente de Scotty Landes. Além disso, as fracas tentativas de o filme abordar temas raciais são horrivelmente crassas.

CA

Sending
User Review
3.5 (2 votes)
Comments Rating 5 (1 review)

Leave a Reply

Sending