Weyes Blood

Mês em Música | Playlist de Abril 2019

Dois grandes acontecimentos marcam a Playlist de Abril: a saída de um dos álbuns da década e o retorno de FKA Twigs.

O mês de Abril teria passado sem grandes sobressaltos não fora o regresso de FKA Twigs. É claro que saíram álbuns pelos quais ansiávamos há já bastante tempo e o que ouvimos confirmou as nossas expectativas. Mas a promessa de que teremos finalmente, passados cinco anos, o segundo álbum de uma das personalidades que mais arrisca no campo da pop e da música R&B é um facto digno de nota. Quer se goste, quer não, quer se concorde ou discorde, uma coisa é certa: ninguém pode permanecer indiferente ao que FKA Twigs tem para dizer. Passada a perplexidade inicial é impossível não se posicionar. A tarefa é difícil, mas vale a pena.

Playlist de Abril | Os singles

Depois do criticamente aclamado disco de estreia, LP1, lançado em 2014, a cantora, compositora, produtora e dançarina britânica Tahliah Debrett Barnett, mais conhecida por FKA Twigs, limitou-se a editar um EP em 2015, M3LL155X, e no ano seguinte o single “Good to Love”. Tirando alguns projectos laterais, este foi o seu último lançamento oficial, antes de “Cellophane”, que nos chegou este mês e incluímos aqui na Playlist de Abril, juntamente com a promessa de um novo registo, de que o single parece ser, segundo FKA Twigs, uma boa antevisão: “um lampejo do que esperar do seu segundo álbum”.

FKA Twigs - Playlist de Abril 2019
Tahliah Debrett Barnett (FKA Twigs)

“Cellophane”, lançada pela Young Turks, foi composta e produzida conjuntamente com Jeff Kleinman (Frank Ocean, Anderson .Paak, Kevin Abstract) e Michael Uzowuru (Frank Ocean, Vince Staples, Earl Sweatshirt, Vic Mensa, Kevin Abstract) e vem acompanhada de um vídeo realizado por Andrew Thomas Huang, colaborador de longa data de Björk. Acerca do processo criativo por detrás da canção FKA Twigs referiu que “ao longo da minha vida exercitei-me em ser o melhor que podia, mas desta vez não funcionou; tive de desmontar cada processo em que alguma vez confiei, ir mais a fundo, reconstruir, começar de novo”. E explicou do seguinte modo a visão que está na origem do videoclipe: “Quando escrevi “Cellophane” há cerca de um ano, surgiu-me imediatamente uma narrativa visual. Sabia que tinha de aprender pole dance para trazê-la à vida, e foi o que fiz.”

Mais do que nunca a voz de FKA Twigs emerge em primeiro plano e no centro da canção. Os arranjos são ainda mais minimalistas do que o usual, limitando-se a gerar uma atmosfera rarefeita de certos acentos ou emoção cinemática que vão sublinhando a expressividade da performance vocal. Em “Cellophane”, sobressai a teatralidade da voz de FKA Twigs que vai oscilando, por vezes no espaço da mesma palavra, entre a mendicância desesperada e a contenção, o aflorar do grito e o seu sufoco no murmúrio. FKA Twigs vai flirtando com a expressão kitsch, caricatural do sentimento amoroso, revelando o seu domínio ao parar exactamente no momento certo, reintroduzindo continuamente a sobriedade e deixando vir ao de cima, com isso, a deliberação artística por detrás da aparente intensa e descontrolada expressão sentimental.

A mesma estratégia é seguida no vídeo. FKA Twigs pega em matérias primas, retiradas de cultura popular de gosto duvidoso – plataformas, pole dance, CGI, filmes de terror e banho de lama – para elevar tudo esteticamente por meio da dança e da cinematografia, mas acima de tudo da teatralidade da movimentação corporal que comunica o grito visceral de que é feita aquela mulher no centro do drama: “Didn’t I do it for you? (…) All I do is for you”. Vários elementos simbólicos, de sentido difícil de decifrar, parecem substanciar a ideia de uma mulher que enfrentaria qualquer degradação por amor, na linha da ambígua interpretação do que significa dar a vida pela pessoa amada introduzida por Lars Von Trier em Breaking the Waves (1996). Seja como for, não deixa de ser apropriado o cenário escolhido, uma vez que evoca (e subtilmente critica) a curiosidade sórdida dos media e do público de que FKA Twigs foi alvo durante a sua longa, e recentemente findada, relação com Robert Pattison: “They’re watching us/ They’re hating/ They’re waiting/ And hoping/ I’m not enough.”

FKA TWIGS | “CELLOPHANE”

Alexandra Sauser-Monnig, mais conhecida como membro do trio de folk e canto a capela Mountain Man, vai lançar o seu primeiro álbum a solo, Dawnbreaker, no dia 28 de Junho, via Nonesuch Records, sob a alçada do projecto Daughter of Swords. Sauser-Monnig produziu o disco conjuntamente com Nick Sanborn, uma das metades dos Sylvan Esso. Se pensarmos que a outra metade é a cantora Amelia Meath, também ela membro dos Mountain Man, percebemos que tudo aqui fica em família. O anúncio foi acompanhado da partilha da última faixa e tema titular do álbum, juntamente com um vídeo realizado por D.L. Anderson. Quisemos incluí-lo e destacá-lo aqui na nossa Playlist de Abril, tanto pela canção em si quanto pelo interesse que o projecto nos merece. “Dawnbreaker” é já, na realidade, o segundo single divulgado. No passado dia 7 de Março, Alexandra deu a conhecer “Gem”, espicaçando a nossa curiosidade e deixando-nos na expectativa do que estaria para vir. Ambos os temas prometem um álbum digno de atenção.

Daughter of Swords - Playlist de Abril 2019
Alexandra Sauser-Monnig (Daughter of Swords)

“Dawnbreaker” é animado por uma atmosfera ambivalente, que o vídeo não deixa de realçar. Por um lado, a doçura acústica da melodia sublinha o sonho de comunhão com a natureza, esboçado na letra do tema. Sauser-Monnig vai-se identificando com uma rosa que abre, um falcão que voa e mergulha, um cão ao sol, o mar e até a própria luz, num desejo de partilhar o sossego que prometem. Por outro lado, a verdade é que tudo não passa de um sonho e uma vida de “no meaning and no need” será sempre impossível ao homem, a eterna ilusão do nosso Alberto Caeiro. A ambivalência não é de estranhar, quando se pensa que as dez canções de Dawnbreaker foram escritas por Sauser-Monning enquanto esperava a dissolução de uma relação. Assim se pronunciou Sauser-Monnig acerca da génese do tema:

“Dawnbreaker” é sobre acordar para o dia a amanhecer cheio de beleza à nossa volta e acordar também para a realidade de que a vida que se tem levado até ao momento se está a afastar disso. A versão de “Dawnbreaker” que está no álbum foi uma das primeiras gravações de todo o disco. Não era suposto ser a versão final da canção, mas quando o resto do álbum ficou composto, demo-nos conta de que a crueza daquela primeira versão encarnava a qualidade emotiva em que o disco queria findar.

DAUGHTER OF SWORDS | “DAWNBREAKER”




Playlist de Abril | Os álbuns

No que toca a afeição, vale o aforisma do Orwell em O Triunfo dos Porcos: “todos os homens são iguais, mas uns são mais iguais do que outros”. Dos álbuns lançados este mês e que julgamos valer igualmente a pena conhecer aqui na Playlist de Abril, uns são mais iguais do que outros ou, pelo menos, a nós e ao que desejamos ouvir sem o saber. Há muito que o Laughing Matter, dos Wand, vinha a chamar a nossa atenção e, agora que o temos entre nós, mais ainda nos entusiasma na sua diversidade sonora, cada canção a partir num sentido inesperado, levando-nos num rumo que é um prazer percorrer. O Morbid Stuff dos PUP foi uma agradável surpresa, todo o temor de que a banda pudesse ter amolecido desfeito à primeira audição do álbum na sua inteireza. Mas nada superou a confirmação de que com os Fontaines D.C. temos a nossa nova banda favorita – uma daquelas de culto, capazes de nos fazer usar a sua t-shirt até cheirar mal e cometer a loucura de comprar um bilhete de avião só para os ir ver ao vivo no Reino Unido – e que Weyes Blood lançou um dos discos da década.

Sobre o álbum de estreia dos Fontaines D.C. dissemos o seguinte na nossa crítica: «Dogrel abre com a afirmação insolente de que “Dublin in the rain is mine (…) My childhood was small/ but I’m gonna be big”. A nossa boa-fé inicial leva-nos a tomar o conto de “Big” como a típica edificante história de sucesso, mais ainda vinda da boca de uma banda que começa agora a levantar voo e entrar no horizonte do mundo. Não tarda, porém, a boa-fé converte-se na suspeita de que, por detrás da inchada declaração de intenções, haja uma mente sardónica, a esboçar a caricatura do corrente modo de ser irlandês. Sob ataque, está a mentalidade pragmática e economicista, cheia de desprezo pela cultura e indiferente à indigência, que tomou conta da Irlanda do novo milénio: “money is a sandpit of the soul”. Chatten lamenta-se de que não haja quem, liderando os restantes, eleve o olhar às coisas sem preço e perca o espírito na procura do rasteiro (“None can revolution lead with selfish needs aside/ As I climb, I’m about to make a lot of money”). Em várias entrevistas, a banda tem criticado as profundas alterações urbanas de que Dublin tem sido objecto, manifestando o desejo de explorar “a cultura moribunda que está a ser assassinada pela gentrificação”.

É esta vida pulsante de Dublin, em extinção, que a poesia de Dogrel retrata na sua autenticidade popular. As histórias sucedem-se, fragmentos de um drama que os olhos do artista descobrem nos cantos e intervalos escondidos da cidade, “under the lamplight’s faded career”: “Heads hit the streets, turn cheeks at stars/ There’s always tears”. Numa urbe em mudança, desaparecido o ideal, não há qualquer perspectiva de futuro para a juventude, aqueles cujos olhos não estão ainda mortos, um desalento que transparece nas dores e dificuldades do casal de “Roy’s Tune”: “It was the message I heard when the company said/ There is no warning, there’s no future”. A canção termina com um comovedor, tosco “Hey love/ Are you hanging on?”, cantado na voz cheia de viril compaixão de Chatten, com toda a rudeza de um sentimento verdadeiro.»

FONTAINES D.C. | DOGREL

PLAYLIST DE ABRIL | O álbum do mês

E sobre o álbum de Weyes Blood, que reina indiscutível na nossa Playlist de Abril, mas não só (veja-se a sua receção internacional), dissemos o seguinte: «O anterior registo, Front Row Seat to Earth, de 2016, já sugeria muitas das direcções sonoras adotadas em Titanic Rising. Mas só aqui se cumprem num todo grandioso, cada canção uma coluna de contorno e ornamentação irrepetíveis, a seguir o seu caminho único verso a abóbada da catedral. O movimento ascensional é, aliás, uma boa imagem para a estrutura da maioria destes temas, que vão crescendo da estrofe para o refrão ou da introdução até à coda. Como se Mering não se cansasse de ilustrar musicalmente o seu desejo de “something bigger and louder than the voices in me/ something to believe”. Esta forma composicional é a regra adoptada ao longo de quase todo o álbum e confere à voz de Mering, pela primeira vez, o contexto de que precisava para revelar todo o seu potencial expressivo. Assumindo muitas vezes o tom épico ou nostálgico da música para filmes, tanto graças à orquestração própria da música pop da década de 70 como às melodias jazz dos musicais da época de ouro da MGM, o instrumental sublinha (mas sempre sem exagero ou redundância) o drama narrado liricamente: “You threw me out of the garden of Eden/ lift me up just to let me fall hard/ can’t stand being your second best”.»

WEYES BLOOD | TITANIC RISING

PLAYLIST DE ABRIL | DESTAQUES DO MÊS

  • Idlewild, Interview Music (Empty Words, 5 de Abril)
  • PUP, Morbid Stuff (Rise Records, 5 de Abril)
  • Weyes Blood, Titanic Rising (Sub Pop, 5 de Abril)
  • Laura Jean Anderson, Lonesome No More (B3SCI Records, 5 de Abril)
  • Fontaines D.C., Dogrel (Partisan, 12 de Abril)
  • Wand, Laughing Matter (Drag City, 19 de Abril)
  • Sunn O))), Life Metal (Southern Lord Records, 19 de Abril)
  • Kevin Morby, Oh My God (Dead Oceans, 26 de Abril)
  • Aldous Harding, Designer (4AD, 26 de Abril)
  • The Mountain Goats, In League With Dragons (Merge, 26 de Abril)

PLAYLIST DE ABRIL | SPOTIFY

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