Photo by Jéssica Rodrigues | © MHD

Missing | Entrevista com Joaquim de Almeida

A Magazine.HD esteve à conversa com Joaquim de Almeida, que integra o elenco de “Missing – Desaparecida” e ficou a conhecer melhor a sua personagem.

Nascido em Lisboa, Joaquim de Almeida viu-se forçado a ir estudar para o estrangeiro em sequência do encerramento da Escola de Teatro do Conservatório Nacional, onde iniciou os seus estudos enquanto ator. Foi em Viena que decidiu dar continuidade à sua escolaridade, até que conheceu aquela que viria a ser a sua primeira esposa. Quando esta ganha uma bolsa de estudos numa escola nos Estados Unidos, Joaquim de Almeida decide partir para a América do Norte onde encontrou um lar que lhe viria a abrir muitas portas. Arriscando tudo, concorreu ao prestigiado Lee Strasberg Theatre and Film Institute e, em pouco tempo, viu-se apresentado ao mundo dos estúdios de Hollywood.

Com uma carreira que dura há mais de quatro décadas, Joaquim de Almeida já participou em produções de vários países, destacando-se, por exemplo, “Velocidade Furiosa V“, “A Gaiola Dourada” e “Che – O Argentino”. Ao longo dos anos, o ator deu vida às mais diversas personagens, interpretando tanto vilões como heróis. Este ano, o português regressou ao grande ecrã para interpretar Javier, uma personagem colombiana do filme “Missing – Desaparecida“.

A Magazine.HD esteve à conversa com Joaquim de Almeida e ficou a saber um pouco mais sobre esta divertida personagem, bem como o processo criativo desenvolvido pelo ator português. Num momento de descontração, o artista relembrou a sua ida para os Estados Unidos e falou da evolução do mundo e da tecnologia desde então.

Magazine.HD: Quem é o Javi, esta personagem de “Missing – Desaparecida”?

Joaquim de Almeida: Para explicar o Javi, tenho de explicar um bocadinho o “Missing – Desaparecida”. Isto é um filme sobre uma teenager que está a ter problemas com a mãe, como as filhas geralmente têm com a mãe solteira, e que tem agora um novo namorado. A mãe vai passar férias com este novo namorado, na Colômbia. Deixa-lhe o dinheiro para urgências e ela resolve fazer umas festas, gastar o dinheiro todo, apanhar umas grandes bebedeiras e, quando finalmente está mais ou menos sóbria, vê que já é altura de ir buscar a mãe. Chama o serviço de limpeza, vêm-lhe limpar a casa e ela vai para o aeroporto e a mãe não aparece. Contacta a polícia e o FBI e ninguém parece poder ajudá-la, e ela está sozinha, não tem pai e não sabe o que é que está a acontecer. Então, vai para a Internet e começa a contatar pessoas. Vai ver em Cartagena das Índias, onde a mãe foi passar férias, e dos preços que vê das pessoas a quem ela pode pedir ajuda vê o Javi que pede 8§ à hora e que é um faz-tudo. Ela pede para ele ajudá-la, e ele diz que não é investigador [risos]. Mas acabam por ter uma relação muito engraçada, quase como de pai para filha, porque ele também tem um filho que perdeu a mãe. Mas o Javi é um faz-tudo, e vemos ele com a sua motorizada e com o seu coisa às costas [risos]. Anda de um lado para o outro e anda a ajudá-la entre os biscates.

É um personagem que foi engraçado porque, para já, isto é um meio diferente, completamente filmado, porque eu não tenho contacto com com os outros atores. Com ela [Storm Reid], tive contacto nos ensaios, mas enquanto ela filmava a parte dela, eu filmei um bocado no outro lado. E, depois, quando eu estava na Colômbia, fazíamos um ensaio por telefone, no WhatsApp, que muitas vezes era cortado, e depois eu filmava com a câmara. É um filme diferente porque eu tenho que olhar para a câmara. Mas, mesmo assim, a relação entre o Javi e a June, que é a personagem feita pela Storm Reid, funciona muito bem. E é engraçado porque eu sempre me questionei como é que isto iria funcionar, porque nós não temos a mínima noção do que é que o ecrã vai ser quando estamos a filmar, porque eles dividem o ecrã nas janelas, etc. Isto é tudo um trabalho feito a seguir. Aliás, na Europa e no resto do mundo, o filme só estreou agora porque, aqui em Portugal não é o caso, porque nós não dobramos, mas nos países em que foi dobrado, todo o desenho atrás vem na língua correspondente. Portanto, tiveram de fazer isso tudo de novo. 

Os realizadores eram miúdos, porque o que mais me interessou é que iria trabalhar com eles, que tinham vinte e tal anos e os produtores tinham trinta e pouco. Eu já começo a ser o mais velho dos filmes, já me tem acontecido bastante [risos]. Mas ver depois, no fim, todo o desenho que eles fizeram deste filme, que é frenético do princípio ao fim. Nunca sabemos o que vai acontecer a seguir. Estamo-nos sempre a surpreender, porque pensamos sempre que vai ser uma coisa e vai ser outra. Eu próprio que já tinha lido o guião, mas quando vi o filme tinha-me esquecido do final e fiquei surpreendido também [risos]. Portanto, o Javi é um tipo que é um gajo porreiro e que se dá muito bem com a miúda, tem pena dela e que, sem saber, vai fazer 8§ por hora [risos] e tentar ajudá-la. 

Joaquim de Almeida
Joaquim de Almeida em “Missing – Desaparecida” | © Big Picture

Magazine.HD: Ao longo desta carreira gigante que o Joaquim tem, já fez papéis desde o gajo porreiro, como acabou de dizer, como já fez o mau da fita muitas vezes. O que é que lhe dá mais prazer representar?

Joaquim de Almeida: Olhe, este deu-me imenso prazer. E também uma das razões pelas quais eu o quis fazer foi por ser o bom da fita, quer dizer, por ser um dos bons da fita. Na Europa, eu fazia sempre muito os bons da fita e fazia o mau da fita na América. Agora, a crítica na América diz ‘que bom ver o Joaquim de Almeida fazer um bom da fita’ [risos], porque estão habituados a ver-me como o mau da fita. Mas, a mim dá-me imenso prazer fazer os dois. Quer dizer, o mau da fita é sempre aquele papel que nós não podemos ser na vida real, portanto, de certa maneira, se calhar dá um certo prazer, mas os bons da fita também me dão prazer.

O conjunto do filme era uma coisa diferente, e estar a trabalhar com estes dois realizadores que eram muito exigentes, porque podiam ser mais novos e pensarem ‘estou a trabalhar com um ator que mais é mais velho e tem mais experiência e sentirem-se intimidados, mas fizeram-me trabalhar muito [risos]. Queriam sempre coisas diferentes, mas foi uma experiência gira. Sobretudo depois de ver o filme, fiquei muito contente, porque o resultado é bom. Acho que muita gente não está habituada a ver este tipo de filme, mas é um bocado também o que se passa hoje em dia. Nós temos um big brother sempre atrás de nós, que nos segue por todo o lado. Eu lembro-me perfeitamente que, sempre que eu passava a fronteira há uns anos, ninguém sabia quem eu era, e agora passo a fronteira, já sabem tudo, sabem a nossa vida toda, portanto é um bocadinho frustrante. No outro dia, estava a jantar com uma amiga minha, nos Estados Unidos, que me disse que depois de ver o filme, começa a perceber melhor a própria filha, que tem vinte anos. Sempre ajudou com qualquer coisa [risos].

Magazine.HD: Não sei se o Joaquim já teve curiosidade de ver, mas na Internet, o Joaquim é descrito durante o tempo da escola como um revolucionário e um baldas [risos]. 

Joaquim de Almeida: Baldas não era tanto, agora revolucionário… Fui convidado a sair de vários colégios e de vários liceus. Não me expulsavam, convidavam-me a sair [risos]. 

Magazine.HD: O Joaquim já trabalhou em Portugal, já trabalhou nos Estados Unidos, já fez filmes com produções francesas… É muito diferente uma produção americana para uma produção portuguesa? 

Joaquim de Almeida: Totalmente diferente, porque há dinheiro e o dinheiro estabelece tudo. Fazer cinema faz-se todo da mesma maneira. Agora, quando há mais dinheiro, tem-se outros confortos, há mais tempo para filmar, etc. Olhe, tenho agora uma série francesa que está na Netflix, “Braqueurs”, que terá mais dinheiro do que as séries portuguesas e tem menos do que as séries americanas. Mas elas dão todas o mesmo trabalho, não é? Eu gosto de trabalhar em várias línguas e gosto de trabalhar em coisas diferentes. Mas, a única grande diferença que eu sinto que há é o desconforto. Mesmo em França não se tinha o conforto que se tem nos Estados Unidos, não tenho a minha roulote, era tudo muito limitado. Já tenho tido mais conforto em Portugal, do que tive em França, por exemplo. Portanto, o cinema é todo feito da mesma maneira, a base é a mesma.

Quanto a este filme, eles tinham produzido um outro, que era o “Pesquisa Obsessiva“, que custou um milhão e fez 75 milhões. Este custou já sete milhões, mas já bateu os recordes do outro, já vendeu muito mais nos Estados Unidos. Estávamos bem instalados num hotel pequenino, em Cartagena, também não havia reloutes [risos], mas também não havia tempo para as haver, mas havia sempre um quarto no hotel. Eu acho que o cinema é cinema e depois o resto… se tiver mais dinheiro, consegue fazer coisas melhores, porque tem mais tempo a filmar, tem mais tempo para fazer isto, mais tempo para fazer aquilo. Mas, em Portugal também já se aprendeu. A fotografia é ótima, as coisas começaram a ser feitas de outra maneira. Agora, o problema de Portugal é que para fazer coisas, às vezes não há tempo. Tem que se filmar muito em pouco tempo e isso nunca é um bom resultado. 

Joaquim de Almeida
Joaquim de Almeida em “Rainha do Sul” | © 2017 USA Network Media, LLC

Magazine.HD: Como é que o Joaquim se costuma preparar para as personagens que faz? Por exemplo, para esta houve assim alguma preparação adicional? 

Joaquim de Almeida: Para esta houve várias coisas. Primeiro, porque o personagem fala muito mal inglês, mas isso deu-me um certo prazer. Ele não percebe ou percebe mal as coisas, depois fala mal, usa mal os verbos. Isto para quem percebe inglês… [risos]. Eu, sinceramente, não sei como é que eles em espanhol vão dobrar isto, quando uma das coisas engraçadas do personagem é  que ele não percebe inglês? Não sei como é que eles vão fazer, mas eles lá terão de encontrar uma solução [risos]. 

Depois, o outro problema aqui era não ter atores com quem trabalhar e ter que trabalhar com a câmara e, portanto, é tudo um bocado feito de maneira diferente, porque nós estamos sempre a olhar para a câmara e tudo é feito para a Câmara. Há vezes em que tem a câmera de lado, mas eu, quando não estou a falar para a câmara, estou a falar com o telefone. Portanto, é tudo um bocado diferente. Eu tive que me preparar de uma maneira um bocadinho diferente. Deu-me um bocadinho de trabalho, porque eu nunca tinha filmado assim, a ter de olhar para a câmara o tempo inteiro. Eu estudei o personagem a falar para o telefone [risos]. Foi assim que eu fiz e, de certa maneira, às vezes é um processo um bocado estúpido, não?

Agora, eu primeiro leio o guião, e vou lendo várias vezes até que me comece a entrar. Começo a ver como é que a história se passa, como é que é a apresentação do personagem e, depois, as razões, porque é que o personagem é assim, etc. Depois então é que começo a decorar o personagem. E claro, só consigo decorar quando aquilo começa a entrar. E,  às vezes, ao princípio aquilo parece tudo muito complicado e decorar aquilo parece difícil, até que começamos a perceber o personagem e, aí começa a fazer sentido. Mas, cada personagem é diferente. Mas o Javi ainda teve mais essa da câmara e ter que falar com o sotaque espanhol e com o sotaque de alguém que não fala bem, e não perceber… Mas olhe, deu-me prazer [risos].

Magazine.HD: E agora, para terminar, de uma forma muito resumida para os nossos leitores que não sabem isto, como é que o Joaquim português se torna o Joaquim do mundo?

Joaquim de Almeida: Eu fui para os Estados Unidos há 46 anos, numa altura completamente diferente, não era como agora. Não havia, computador, não havia essas coisas. Para já, mal havia telemóveis. Ao princípio, eu lembro-me de a minha manager, com quem eu estou nos Estados Unidos há 36 ou 37 anos, ter o primeiro telemóvel que andava pendurado [risos]. Nós tínhamos uns respondedores, mas antes havia um serviço, porque nós tínhamos que telefonar, e eles telefonavam para onde é que íamos fazer as audições, etc. Portanto, era um mundo muito diferente. Mas nós fazíamos as coisas da mesma maneira. Hoje é tudo muito mais simples, porque as pessoas podem estar em Portugal e fazem castings internacionais por Zoom. Eu acho que, de certa maneira, era um mundo muito mais complicado, porque agora torna-se mais fácil com todas essas facilidades. E este filme é um grande exemplo. Eu continuo a não perceber nada do que se passa neste tempo [risos]. Eu não sei fazer o que ela faz de abrir várias janelas, não faço ideia de como se faz [risos]. Aprendi que se pode fazer, mas não sei fazer, nem tenciono. Prefiro a minha simplicidade, porque eu comprei o meu primeiro computador quando tinha 45 anos, e já lá vão 21 anos. Agora, vemos os miúdos com dois anos que ainda nem sabem falar e já andam ali a mexer no computador. 

TRAILER | JOAQUIM MONCHIQUE PARTICIPA EM MISSING – DESAPARECIDA

És fã do trabalho de Joaquim Monchique? Já assististe a “Missing – Desaparecida”?

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