"The Flying Sailor", um nomeado ao Óscar no Festival de Animação de Lisboa |© MONSTRA

MONSTRA 2023 | Competição de Curtas 4, em análise

A MONSTRA 2023 está mesmo a chegar ao final, com sessões de vencedores a fecharem a programação no segundo fim de semana do festival. Desta lado, continuamos a rever os nossos momentos altos no festival. Um deles, sem dúvida, a exibição das curtas-metragens internacionais. Por agora, revemos a variada selecção da Competição de Curtas 4.

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A Competição de Curtas 4, a penúltima numa seleção de 35 curtas-metragens internacionais e nacionais em competição, apresenta-nos, uma vez mais, como é já ‘da praxe’, uma seleção variada de sete curtas-metragens, oriundas de locais distintos, de Portugal à Alemanha, passando pelo Irão ou ainda o Canadá. Entre a selecção, apresentamos mais um nomeado ao Óscar no ano de 2023.

COMPETIÇÃO DE CURTAS 4 – ERA UMA VEZ UM MAR... (POLÓNIA, ESLOVÁQUIA, 2022, 16′) 

Once there was a sea.. a short film
©MONSTRA

O Mar de Aral está a morrer. Uma das piores catástrofes ecológicas feitas pelo homem na história da humanidade é o tema deste filme, inspirado pelo lugar nas fronteiras do Cazaquistão e Uzbequistão e pelas histórias e destinos das pessoas que a realizadora conheceu.

“Era uma Vez um Mar” apresenta-se tanto como uma curta-metragem de animação como uma peça artística casada com o melhor do jornalismo de investigação. Este documento animado coloca em evidências técnicas de animação sofisticadas e uma montagem que aumenta a intensidade artística do objeto fílmico, por si só bastante interessante. A acrescentar valor à experiência, esta primeira obra da Competição de Curtas 4 foi apresentada, em sala, no Cinema São Jorge, pela realizadora Joanna Kozuch.

Joanna Kozuch visitou, por várias vezes, a região do Mar de Aral, situada entre o Cazaquistão e o Usbequistão. Em tempos um grande mar responsável pelo ganha-pão das populações em seu torno, o Mar do Aral viu-se destruído pelas pecaminosas decisões humanas que levaram a que o seu fluxo de água fosse desviado e posteriormente fosse diminuindo de forma drástica e dramática.

A realizadora, na boa natureza do formato documental, filtra a sua história através das histórias individuais de várias pessoas que foram influenciadas negativamente por esta catástrofe ambiental. Por vezes, o estilo de edição torna-se algo previsível, com uma divisão quase por capítulos, através da qual vamos saltitando de testemunho para testemunho. Todavia, a transição de cenas e as escolhas estilísticas, profundamente artísticas, tornam este documentário bem mais poderoso.

Destaque também para o final de “Once There Was a Sea”, através do qual a realizadora nos expressa, de forma clara e tenebrosa, a censura a que as suas visitas a esta região foram alvo. E se as imagens são fáceis de apagar, a arte da animação é e será sempre uma ferramenta muito poderosa no que diz respeito à recriação de cenários devastadores.

Nota: 80/100




DE MADEIRA/ OF WOOD (ESTADOS UNIDOS, 2022, 7′) 

OF WOOD NA COMPETIÇÃO DE CURTAS 4
©MONSTRA

Nesta curta-metragem em stop-motion, várias imagens são esculpidas, de forma progressiva, formando um tronco, do qual surgem vários objetos em madeira. O filme mostra o papel da madeira no nosso dia-a-dia e analisa o impacto do consumismo nas nossas vidas.

Nesta curta-metragem em stop-motion, várias imagens são esculpidas, de forma progressiva, formando um tronco, do qual surgem vários objetos em madeira. O filme mostra o papel da madeira no nosso dia-a-dia e analisa o impacto do consumismo nas nossas vidas.

Dos Estados Unidos da América chega-nos este pequeno “Of Wood”, um filme que, não sendo propriamente narrativa, nos apresenta um conceito muito coeso, dinâmico e até divertido. Certamente mais divertido do que esperaríamos a partir da premissa inicial.

Num exercício de pura criatividade, o criador Owen Klatte apresenta-nos uma placa de madeira e procede a dar-lhe vida. A partir deste pedaço de madeira surgem múltiplos outros objetos, alguns de madeira e outros nem tanto, alguns prováveis e outros absurdos. Surge-nos até um protagonista, que começa, de forma capaz de entreter, a interagir com os vários objetos à sua volta que, mais tarde ou mais cedo, se acabam por tornar demasiado avassaladores.

Altamente conceptual, “De Madeira” é simples mas complexo e apresenta uma solução perfeita para casar o cinema e a escultura.

Nota: 80/100




SWALLOW THE UNIVERSE (FRANÇA, 2021, 12′)

Competição de Curtas 4 Swallow the Universe
“Swallow the Universe” ©MONSTRA

Este filme, uma história contada em Emaki, é sobre uma criança perdida na selva da Manchúria. A sua presença cria uma anarquia total na fauna daquele que, até então, era um mundo primitivo e perfeitamente organizado. Dotada de grande beleza, a presença da criança desperta sentimentos de natureza humana, como inveja e necessidade de posse, nos macacos, tigres, ursos-formigueiros e anfíbios.

“Swallow the Universe”, da autoria de Nieto, uma curta originalmente finalizada em 2021, é, para grande surpresa nossa, uma obra francesa. Todavia, engana bem, ao escolher o japonês como a sua língua oficial e adaptando ainda uma história através da antiga arte japonesa de Emaki (pergaminho horizontal pintado à mão). Uma história trágica acerca de um acidente e a lamentável sorte da humanidade, “Swallow the Universe” é um produto rebelde, distinto e agressivo.

Algures entre a animação tradicional, digital e um 3D grosseiro reservado a criaturas do pântano, não sabemos bem o que pensar desta curta-metragem arrojada com produção de Nicolas Schmerkin. Sem dúvida saudamos a ousadia geral desta pequena produção, mas não deixamos de reflectir sobre a difícil capacidade de interpretação que nos resta deste lado. Quais eram as intenções dos criadores? Onde reside o sentido nesta curta?

Ao fim de contas, não conseguimos decifrar “Swallow the Universe”. Sem dúvida estranho e grosseiro, mas aparentemente desprovido de uma narrativa coerente, precisaríamos de rever esta obra para a (tentar) compreender.

Nota: 60/100




O JARDIM DO REI (IRÃO, 2021, 7′)

Curtas MONSTRA Irão
©MONSTRA

Um homem apaixonado entra num jardim proibido, no inverno gelado, para conquistar o coração da sua amada.

Realizado, produzido e escrito por Iraj Mohammadi Razini, este pequeno filme narra uma história trágica de amor. Todavia, o estilo de animação escolhido torna as linhas pouco claras e as formas por vezes até indistintas. Desta forma, esta que é uma curta narrativa sem diálogos, acaba por se tornar desnecessariamente difícil de interpretar. Sentimos que a sua história é bastante linear, mas é-nos difícil aceder ao seu sentido.

Nota: 60/100




11 (CROÁCIA, ALEMANHA, 2022, 5′)

Competição de Curtas 4 na MONSTRA com 11
©MONSTRA

Três mestres do futebol… Podem fazer maravilhas durante o jogo e marcar golos impossíveis… Mas o que se passa nas suas cabeças quando estão prestes a marcar um penálti?

Sem qualquer coincidência narrativa, “11” tem muito a ver com “Of Wood”, outro dos filmes apresentados nesta sessão de Competição de Curtas 4. Ambas as curtas oscilam entre os universos do cinema experimental e das obras mais narrativas, apresentando não propriamente uma história, mas antes um conceito coeso bem explorado. Neste caso, o momento de marcação de um golo num jogo de futebol.

Mesmo para aqueles que são mais indiferentes a tal universo, o realizador, argumentista e produtor Vuk Jevremovi faz um trabalho exímio, pincelado, desenhado a lápis de cera e riscalhado a caneta, onde uma animação muito simples é o ponto de partida perfeito para ilustrar um puro momento de êxtase. Verdade seja dita, a banda-sonora é também em grande parte responsável pela estrondosa descarga de energia sentida nesta curta. Um conceito simples, executado de forma imaculada.

Nota: 80/100




O MARINHEIRO VOADOR/ THE FLYING SAILOR (CANADÁ, 2022, 8′)

Courtesy of the NFB, 2022 The Flying Sailor na Competição de Curtas 4
Courtesy of the NFB, 2022

Dois navios chocam no cais, uma explosão destrói uma cidade e um marinheiro sai disparado, em direção ao céu. Com um zumbido nos ouvidos, ele voa alto, para lá do caos, rumo ao desconhecido. Uma mistura de comédia, suspense e filosofia, a curta-metragem é uma contemplação emocionante do encanto e da fragilidade da existência.

Para criar uma boa curta-metragem, um excelente ponto de partida é sempre pensar sobre um conceito simples, recorrente e trazê-lo à vida. Neste caso, temos o casamento perfeito, neste filme nomeado em 2023 ao Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação, “The Flying Sailor”, entre a ideia da vida nos passar a correr em frente aos olhos numa situação de ‘quase-morte’ e ainda a cómica evocação de uma situação real risível e improvável.

Com uma animação tradicional charmosa e um início sarcasticamente idílico, incapaz de prever o caos que se seguiria, “O Marinheiro Voador” narra a história de um marinheiro que voa vários quilómetros pelos ares depois de uma colisão entre dois navios provocar uma gigantesca explosão numa zona portuária. A combinação entre humor negro, filosofia, reflexão e valor do absurdo é quase imbatível. Esta curta, criada/escrita por Wendy Tilby e Amanda Forbis, mais que merece o destaque obtido na última temporada de prémios.

Nota: 90/100




ALENTO (PORTUGAL, 2022, 4′)

Competição de Curtas 4 Alento Portugal
Uma entrada portuguesa na Competição de Curtas 4 |©MONSTRA

É noite cerrada e uma forma tenta adormecer. Enquanto se esforça para manter o equilíbrio, fica presa a um ciclo vicioso de loucura abstrata, crescendo e tornando-se, visual e auditivamente, num conflito intenso e bizarro entre a compressão e a descompressão.

E a fechar a sessão da Competição de Curtas 4, uma curta de quatro minutos realizada por Leonor Pacheco, uma artista nacional que esteve presente no Cinema São Jorge para apresentar esta obra, que introduz como um projeto que resulta de uma grande cumplicidade entre imagem e música, numa relação simbiótica entre vários criadores.

De acordo com a criadora, “Alento” é também relacionável com insónias e noites mal dormidas. Na realidade, o filme pauta-se por uma sequência de formas geométricas que surgem a partir do círculo. A criadora identifica a falta de sono como inspiração, mas francamente, a obra é vaga, abstrata, pautada por pouca variedade de cores e formas, e, na realidade poderia ser sobre qualquer coisa. Sem dúvida não consegue suscitar interesse em relação à sua força motivadora, limitando-se a hipnotizar com sucesso quem vê.

Nota: 55/100

Foste à MONSTRA na sua edição de 2023? Se sim, qual foi, para ti, o ponto alto do Festival de Animação de Lisboa? 

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