A MONSTRA EM CASA é uma ambiciosa proposta da MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa para conseguir garantir a concretização do Festival durante a crise da Pandemia do COVID-19. O festival regressou através do online, a dia 25 de maio, e prolonga-se até ao próximo dia 31. Por 5€ podem ser vistas aqui quatro secções competitivas de curtas.
A edição de 2020 da MONSTRA assinalava os 20 anos de existência do evento e deveria ter acontecido entre 18 e 29 de março. A inédita situação de confinamento e isolamento social levou a uma reorganização e assim nasceu a MONSTRA EM CASA, uma selecção online composta por quatro sessões de curtas: internacionais, estudantes, portuguesas e curtíssimas. Estas organizam-se em 12 sessões e totalizam 169 filmes, disponíveis na plataforma Kinow. Em setembro serão apresentadas as longas-metragens e o que ficou a faltar da restante programação do certame.
Já analisámos a primeira sessão de curtas internacionais e partimos agora para a segunda. Este novo programa inclui trabalhos de Gísli Darri Halldórsson, Bruno Collet, Reinhold Bidner, Hugo Frassetto & Sophie Tavert Macian, Vier Nev, Luca Tóth e Michael Frei num total de 7 curtas e 1h17 de duração.
Uma pequena história harmoniosa sobre seis habitantes de um prédio e as suas vidas distintas. Narrativa agradável mas pouco inovadora onde o som é importante e a mais comum fonte de humor, apesar de as personagens comunicarem através de ruídos indiferenciados. Este “Pessoas-Sim” é meramente satisfatório, mas tem como trunfo a sua valorização evidente dos pequenos momentos que compõe o quotidiano.
Classificação: 68/100
2 – “MEMORÁVEL” DE BRUNO COLLET (FRANÇA, 2019, 12′)
Não precisamos de ir muito longe nesta segunda sessão internacional de curtas da MONSTRA EM CASA para encontrarmos a sua mais bela e bem…memorável peça. Esta curta-metragem em stop-motion do veterano francês Bruno Collet, nomeada ao Óscar de Melhor Animação em 2020 e vencedora de Melhor Curta no importante Festival de Animação de Annecy, é uma força da natureza deslumbrante e emotiva sobre a luta de um artista contra a doença de Alzheimer. Este tema é frequentemente abordado na ficção e quando parecia já esgotado em si encontramos pérolas maravilhosas como “Memorável”.
A sexta curta metragem de Collet não se contenta com a bela abordagem temática mas vence ainda pelo seu claro uso diversificado de materiais, recorrendo a marionetas animadas, efeitos 3D gerados a computador mas também diversos outros materiais plásticos que compõem estas figuras. Entre produção de sets, marionetas e pós-produção, este “memorável” demorou 12 meses a ver concluídos os seus 12 minutos.
O protagonista Louis, um pintor, vive com a sua esposa, que a perde lentamente para a demência. Este artista está cada vez mais perdido na sua mente e é com mestria que o realizador nos conduz à medida que povoamos as suas ideias. Uma verdadeira pérola com uma sensibilidade emocionante e uma prioridade na programação desta MONSTRA EM CASA.
Classificação: 95/100
3 – “TIME O’ THE SIGNS” DE REINHOLD BIDNER (ÁUSTRIA, 2019, 9′)
Uma animação experimental – narrativa mas também documental – sobre os ladrões de tempo digitais da nossa era.
“Time O’ the Signs” é uma sarcástica semi-narrativa sobre o domínio das novas tecnologias e sobre o tempo que não nos pertence nesta sociedade contemporânea – onde tudo é virtual e automatizado. É sufocante este rotineiro “Time O’ the Signs” mas há beleza na forma variável escolhida para ilustrar a repetição.
Uma realidade virtual digna de um episódio animado de “Black Mirror”, numa distópica curta-metragem onde a diluição do sujeito é demonstrada com mestria. Não se inventou aqui a roda, mas deu-se-lhe um bom giro!
Nesta curta-metragem apresentada na segunda sessão da “MONSTRA EM CASA” acompanhamos o guerreiro antigo Karou e o seu aprendiz. Estes partem para pintar as paredes de uma grande caverna mas a sua jornada sofre um inesperado contratempo quando se deparam com um leão. “Rastos” oferece-nos um cenário minimalista, a preto e branco, sem diálogos e dominado por uma contagiante música tribal. A curta é acima de tudo uma idílica pintura, assente no ritual e na lógica tribal. É também uma metáfora acerca de crescimento pessoal, embora a premissa inicial não o deixasse antever.
Engloba-se nesta segunda seleção de curtas internacionais uma obra produzida em Portugal – “A Mãe de Sangue” ou “A Mind Sang”. Nas palavras do próprio realizador, esta é uma criação sobre “perceção, renascimento e transformação.” A curta-metragem traça uma abstrata tese sobre o poder da metamorfose e para isso evoca as imagens de uma cientista grávida, dois rapazes e um gato com uma fixação por borboletas.
“A Mãe de Sangue” é altamente onírico e regido pelo mundo das sensações. É menos um filme para apenas se ver e muito mais um criado para ser sentido. A sua vida é também fortalecida pelo belo violoncelo omnipresente que marca a banda-sonora.
Chegamos à obra mais longa desta sessão da MONSTRA EM CASA. “Sr.Mare” chega-nos diretamente da Competição de Curtas da Berlinale – Festival de Cinema de Berlim, onde esteve portanto nomeado ao Urso de Ouro nesta categoria. Esta pequena maravilha criativa inclui-se, aliás, também no catálogo do Festival “Queer Lisboa”.
“Sr.Mare” retrata o mundo através de pequenos detalhes e estuda relacionamentos e a forma como estes se expressam através de linguagens corporais. A questão que se coloca é…alguma vez tinham visto uma curta-metragem de animação narrada do ponto de vista de um tumor? É bem possível que a resposta seja não, e aí reside a força de “Sr.Mare” – na sua distinta individualidade e no retrato disforme de um amor não correspondido.
Uma exploração de dinâmicas de grupo. Como definimos a individualidade quando somos todos iguais?
Questão pertinente esta, que atormenta e que foi já perguntada vezes sem fim. Esta curta tem um conceito conciso, com uma ilustração minimalista capaz de resumir as suas intenções com clareza. À sua sinopse propõe diversas respostas – nenhuma delas definitiva, como é inevitável.
Vale muito pelo seu final climático e por uma crescente intensidade dramática bem executada ao longo de nem dez minutos de duração. Existe um claro arco, louvável num filme de tão curta duração.