Monstros a Universidade, em análise

MONSTROS A UNIVERSIDADE - Poster Teaser
  • Título Original: Monsters University
  • Realizador: Dan Scanlon
  • Elenco de vozes (O): Billy Crystal, John Goodman
  • Elenco de vozes (PT): João Baião, Fernando Luís
  • Disney.Pixar | 2013 | Comédia/Familiar | 110 min

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A hora do reencontro chegou. Bem-vindos de volta, Mike e Sulley, nesta exploração colorida sobre a dura maquinação dos sonhos e a dinâmica da amizade masculina… mas com mais pelos e dentes. A banquinha das inscrições é já ali em baixo, à esquerda. Boa sorte, caloiros.

A premissa de “Monstros: a Universidade”, o novo filme da Pixar que é a primeira prequela criada pelo afamado estúdio de animação, é simples – uma crónica de como a nossa dupla protagonista superou as suas diferenças nos nem sempre fáceis tempos de Universidade, com direito a praxes, castigos do diretor e uma competição escolar sem precedentes.

O original – “Monstros & Cia.” – é considerado um dos mais inventivos e sólidos produtos com selo Pixar (garantidamente também um dos mais subestimados), apesar de ter perdido vários prémios e distinções, incluindo o Óscar de Melhor Animação, em 2001 para um fenómeno particularmente corpulento da Dreamworks – “Shrek”.

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A refrescante ênfase que a Pixar dá ao desenvolvimento dos personagens e das suas histórias é a lendária razão para a legião de admiradores conquistada pelo estúdio. Mas nos últimos dois anos, esses mesmos entusiastas têm-se visto de alguma forma desapontados por uma convergência de expectativas que rebentariam as costuras de qualquer tecido de alto gabarito, com um relaxamento por vezes sintomático de quem se vê sozinho no topo, aparentemente sem competição à vista para lhe extorquir o lugar ao sol.

Essa asserção é, contudo, e cada vez mais, errónea: a Disney vem em renovado crescendo depois do declínio na primeira década do século, e a eterna rival Dreamworks é sempre um player a manter na equação, já para não falar no potencial de surpreender com produtos superiores da Blue Sky Studios, Illumination Entertainment e outras produtoras menores.

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Avançamos já que não cremos que “Monstros: a Universidade” seja já o grande regresso que todos esperamos e profetizamos, aquele capaz da proximidade da impossibilidade do consenso no que respeita à criação de uma obra de arte animada… mas parece que já estivemos mais longe.

O filme de Dan Scanlon, que se estreia na direção de longas-metragens animadas depois de uma perninha na escrita do argumento e conceção visual de “Carros”, em 2006, é um dos mais divertidos da história do estúdio, apesar de ser bastante mais convencional do que o original. O piscar de olho às comédias universitárias dos anos 80 é óbvio – demasiado óbvio, diríamos até, recordando-nos, por exemplo, de “Revenge of the Nerds” (1984).

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Scanlon sabe bem quais os elementos-chave a ter presente num produto Pixar – boas piadas, personagens memoráveis e acima de tudo, uma boa história. Mas a distância do saber ao fazer ainda é alguma, e apesar de o realizador fazer um trabalho acima da média do mercado, acaba por executá-lo uns furos abaixo em todos os departamentos, criando algo que sendo divertido, honesto e amigável, está longe de ter uma âncora emocional significativa e de ser verdadeiramente memorável, como um dia foi sinónimo do estúdio. A exacerbar a situação já de si algo problemática, este segundo encontro com Mike e Sulley é demasiado longo e continua a demonstrar a dificuldade do estúdio em lidar com as personagens femininas.

Mas nem tudo são espinhos nesta roseira que floresce saudável com aquele que parece ter sido um regresso tardio do espírito primaveril. O universo criado para estes personagens está ainda mais vibrante e positivamente estranho, povoado de criaturas mais estranhas do que a nossa imaginação poderia conjurar. No elenco de vozes, João Baião e Fernando Luís não se deixam atemorizar pelo legado original de Billy Crystall e John Goodman e continuam a cimentar as dobragens portuguesas como uma das joias da coroa da nossa indústria.

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Mas a maior surpresa de “Monstros: a Universidade” reside na promessa que oferece, um pouco como “Brave” antes de si (apesar de uma execução que também acabou por deixar algo a desejar), explorando ideias emocionais complicadas que não são lugar-comum no género.

O que o eleva de uma versão animada de um composto-cliché cinematográfico, é a importância daquilo que faz passar – do valor dos fracassos e das segundas escolhas, e uma refutação direta do culto do “tu és o escolhido”, no qual somos repetidamente ensopados na cultura popular moderna. A distância que existe entre o destino de Mike e aquilo em que acredita poder tornar-se é de um valor inestimável, não só para reflexão individual e humana do espectador, mas para a própria reconstrução do estúdio. Em exposição está uma realidade difícil onde se elabora sobre talentos e características que simplesmente não podem ser adquiridas, tendo como severa consequência direta a não-realização de determinados sonhos que, até certo ponto das nossas vidas, julgámos possíveis e à “simples” distância de sangue, suor e lágrimas.

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“Monstros: a Universidade” está bem ciente da audiência a quem maioritariamente se dirige – aquela que crescia quando o original foi lançado, há já doze anos. Hoje, é provável que muitos desses espectadores de então estejam prestes a passar pela experiência de Mike, ou que estejam neste momento a vivê-la. Como “Toy Story”, os monstros cresceram com a audiência, e é este respeito por quem está do lado de cá que continua a manter a Pixar – mesmo com as ressalvas atuais – como a fábrica de sonhos mais deslumbrante da indústria.

E mesmo que muitos desses sonhos acabem, como o de Mike, por ficar pelo caminho, oferecem uma bagagem inestimável e insubstituível para que na idílica alternativa, o futuro não nos vire a cara uma segunda vez.