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NOS Primavera Sound: Deus existe e chama-se Nick Cave

Há quem diga que o NOS Primavera Sound não teve mais estações porque é composto por apenas três dias. Senão vejamos: primeiro dia de nuvens e sem chuva, um típico dia de Outono. Segundo dia de ambiente ameno e sol a espreitar, ninguém diria que estávamos na Primavera. E ao terceiro dia? O Inverno veio em força. Choveu copiosamente, de Luís Severo a Mogwai, passando por vendavais memoráveis em Vagabon, Kalela, Joe Goddard, The War on Drugs e, claro está, em Nick Cave.

Felizmente, o público do NOS Primavera Sound não desiste ao primeiro balde de água e muitos foram aqueles que abandonaram ontem o recinto a pingar chuva por todos os poros. Até Luís Severo queria receber a bênção de S. Pedro, mas claro que a proteção dos instrumentos musicais teria de imperar. Foi precisamente aí que começou o dia, no Palco SEAT, com a nova promessa da música portuguesa a entoar canções de amor para corações ensopados. As histórias do quotidiano que Luís Severo conta através de melodias luminosas e sonhadoras, teriam sido tão mais eficazes se ouvidas na colina que se ergue em frente ao Palco NOS, num verdadeiro dia de Primavera. Ao longo de pouco mais de meia-hora, Luís Severo percorreu a sua curta discografia carregada de canções melancólicas que estão na ponta de língua de quase todos aqueles que assistiam ao seu concerto em formato banda (acompanhado de Manuel Palha, Bernardo Álvares e Diogo Rodrigues). Tudo certo neste belo arranque do terceiro dia, mas ficamos a torcer para que volte com condições mais favoráveis.

Saltamos para Laetitia Tamko aka Vagabon, a nova-iorquina que se estreava em Portugal depois de ter editado em 2017 um dos melhores álbuns do ano para a Magazine.HD. Contou-nos que esteve os últimos sete dias no Porto e que estava maravilhada com a comida. Quem diria? Pouco depois de atirar essas palavras, fomos nós a ficarmos maravilhados com o poder vocal de Vagabon em temas como “Fear & Force” e “The Embers”. Os temas da multi-instrumentalista oriunda dos Camarões são rugidos triunfais, encorpados mas, ainda assim, melancólicos e reveladores de fragilidades e crises de identidade (“Run and tell everybody that Laetitia is a small fish … and you’re a shark that eats every fish”). Foram trinta minutos, mas queríamos mais, muito mais.

Os passos seguintes levaram-nos a ouvir os últimos temas de Kelela (que se apresentava no Palco Super Bock), e foi por lá que acabamos por “acampar” para o DJ set de Joe Goddard, sob intensa chuva. O house/pop de Goddard não demoveu os fãs de dançarem com capas de chuva que, naquele momento, já não serviam para impedir as roupas de ficarem encharcadas. Perto do fim desta discoteca montada ao ar livre, abandonamos o Palco Super Bock e dirigimos-nos até ao backstage onde tínhamos já Barry Burns, dos Mogwai, à nossa espera para uma curta conversa sobre o pós-rock da banda escocesa e sobre o processo de criação do novo álbum Every Country’s Sun (a reportagem completa será publicada em breve). Terminada a entrevista, vislumbramos um vulto alto, com capa vermelha a proteger a cabeça do dilúvio. Nick Cave erguia-se à nossa frente e entrava no carro que o havia de conduzir ao palco de todos os sonhos.

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Chovia ininterruptamente há mais de dez horas quando os Bad Seeds subiram ao palco. Segundos depois entra Nick Cave, com toda a sua graciosidade e presença. “Não acredito que o estou mesmo a ver”, ouvimos ao lado. O aplauso forte quase abafa o instrumental que começamos a ouvir… “You fell from the sky, crash landed in a field near the river Adur…” Nick irrompe com Jesus Alone e o Espetáculo só pára no final.

O momento que presenciámos no último dia de NOS Primavera Sound é indescritível. Para quem conhece a obra e vida de Nick Cave e reconhece o seu génio de poeta talentoso, de narrador épico… este momento era ansiado há vários meses, desde que o seu nome fora anunciado pela organização. A verdade é que estávamos a léguas de saber efetivamente o que nos esperava. Ninguém está, nunca, preparado para sentir Nick Cave.

O calor humano que aquecia a tempestade fez esquecer a chuva e poucas pessoas conseguiam manter os gorros na cabeça. Tinham toda a nossa atenção. Nas filas da frente, o ambiente escaldava ainda mais à medida que Cave se dirigia para nós. Sentido a chuva e o frio da mesma maneira que o público, NC transforma-se num Deus, num honesto pregador que nos conta histórias de embalar, de revoltar e de sonhar. É ele a verdadeira lenda viva do Rock’n’Roll, da música de abanar a cabeça, de partir a loiça mas também de escutar com atenção enquanto fixamos o teto do nosso quarto que parece cada vez mais distante.

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O concerto dos Bad Seeds foi, numa suma generosa mas que está longe de qualificar a experiência, uma festa partilhada por todos, um momento único que uniu o espaço e o tempo e onde imperavam Nick Cave e os seus fãs, com o qual o músico não hesitou, nem por um instante, em se envolver. Sem muitas palavras, sem grandes elogios. Mas uma presença imaculada, um olhar hipnotizante e uns sorrisos de sincera alegria que nos souberam a vida. Fez-se música e dançou-se Rock’n’Roll, à chuva… no palco e na plateia. Como um só, em conformidade. Saímos deste concerto rejuvenescidos. Obrigada, Nick Cave. Obrigada, Bad Seeds. E até sempre que nos quiserem.

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The War on Drugs acabaram por ser um “after” cruel. Seria sempre difícil para qualquer banda no mundo tentar deixar a sua marca num festival, atuando após o monumental Nick Cave e os Bad Seeds. Ainda assim, a banda de Adam Granduciel conseguiu fazê-lo. Depois de Lost In a Dream, que foi considerado por muitos o melhor álbum de 2014, o rumo dos War On Drugs tornou-se mais promissor, como escrevemos aqui. Em temas como o expansivo “Strangest Thing”, sentimos que a noite está menos escura e assombrada na mente de Adam Granduciel, e isso foi visível no Palco SEAT. Um concerto nem sempre perfeito (o som do Palco SEAT necessita de afinações urgentes), mas pujante e até melancólico, embebido num rock dança fácil. A prova que os War On Drugs cresceram  e estão cá para ficar.

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Ainda na ressaca ingrata de Nick Cave, o post-rock contemplativo e de combustão lenta dos escoceses Mogwai fechou a noite no palco principal – e talvez não houvesse melhor forma de o fazer do que com músicas que inspiram jornadas espirituais dignas de um épico inesquecível. Desde a última visita ao Porto, há quatro anos, a banda lançou Every Country’s Sun, o nono LP que, segundo a Pitchfork, levou a banda a encontrar o seu verdadeiro centro de gravidade. A provar que sem cantar também se diz MUITO, os Mogwai foram o perfeito desfecho absorto e místico de mais uma edição memorável de um Festival que é, cada vez mais, uma das grandes referências musicais do nosso Portugal à beira-mar-plantado.

Até para o ano, PRIMAVERA.

 

Texto de Daniel Rodrigues, Catarina D’Oliveira e Maria João Bilro.



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