Nouvelle Vague, a Crítica | Richard Linklater numa justa homenagem a Jean-Luc Godard
Estreia esta quinta-feira 18 de dezembro nos cinemas nacionais o novo filme de Richard Linklater “Nouvelle Vague” (2025).
Este é o primeiro filme do realizador norte-americano rodado em língua não-inglesa; neste caso, em francês. Não é, contudo, o primeiro filme que ele faz em Paris. Linklater já havia filmado em Paris o filme “Antes do Anoitecer” (2004).
“Nouvelle Vague” traz-nos os bastidores da filmagem de “O Acossado” (1960, Jean-Luc Godard) ao mesmo tempo que homenageia alguns outros nomes da nova vaga francesa.
Qual a narrativa de Nouvelle Vague?

Estreado no Festival de Cannes de 2025, “Nouvelle Vague” mostra-nos os bastidores da invulgar rodagem de “O Acossado”. Assim, o filme de Richard Linklater mostra-nos a busca de Godard pelos atores do filme, o seu estranho estilo de filmagem e ainda os relacionamentos com outros autores da Nouvelle Vague à sua volta, destacando-se o coautor do argumento do filme François Truffaut.
“Nouvelle Vague” foi filmado a preto e branco e recreando, como inspiração, o estilo de filmagem de Jean-Luc Godard.
A primeira longa-metragem de Jean-Luc Godard
“Nouvelle Vague” começa com o desespero de Jean-Luc Godard (interpretado por Guillaume Marbeck) em tentar realizar a sua primeira longa-metragem. Antes mesmo disso, a ação do filme começa com Godard a assistir a uma sessão de cinema, juntamente com outros autores de cinema francês. Em 1959, antes de avançar com a produção de “O Acossado”, Godard já havia filmado cinco curtas-metragens – uma delas, “Charlotte e o seu Jules” (1958), teve igualmente Jean-Paul Belmondo como protagonista – e era crítico residente da revista Cahiers du Cinéma, ao lado de outros nomes como François Truffaut ou Claude Chabrol.
É no âmbito da sessão de cinema que ele assiste que fala com Georges de Beauregard (Bruno Dreyfürst) e lhe diz que quer fazer um filme. “As curtas-metragens não contam”, confessa. É assim que começa a nascer a semente de “O Acossado” do qual Georges de Beauregard seria produtor. Um crítico também precisava de fazer filmes para escrever sobre eles, acreditava Godard. Do mesmo modo, Richard Linklater referiu numa nota de intenções: “Acredito que qualquer cineasta que trabalhe há algum tempo deveria, em algum momento da sua carreira, fazer um filme sobre a produção de um filme.”
Os Cahiers du Cinéma
Godard confessa, então, que é o último realizador dos Cahiers du Cinéma a realizar um filme. Ainda assim, essa é uma meia-verdade no que diz respeito à nova vaga francesa. Isto porque, por exemplo, Alain Resnais fez a sua primeira longa-metragem com 36 anos, enquanto Godard o fez com 29 anos. Além disso, mesmo os seus colegas dos Cahiers Éric Rohmer e Jacques Rivette fazem as suas primeiras longas-metragens em 1962 “O Signo do Leão”, com 42 anos e em 1961 “Paris nous appartient”, com 33 anos! Ou seja, exageros godardianos!
Já no escritório dos Cahiers, Godard queixa-se a Éric Rohmer (Côme Thieulin) e Jacques Rivette (Jonas Marmy) de não estarem no Festival de Cannes a ver o filme do colega François Truffaut “Os quatrocentos golpes” (1959). Afinal, estava-se a fazer História no cinema! Estava em alta a Nouvelle Vague!
Já em Cannes, Godard e Beauregard conversam e percebemos que ele queria que “Uma Mulher é uma Mulher” (1961) fosse a sua primeira longa-metragem. Contudo, o risco de filmar um musical era grande e, assim, a melhor hipótese que Godard tem é de pegar no argumento de Truffaut, baseado numa notícia de jornal, para “O Acossado”.
A rodagem começa!

Godard acaba por aceitar a proposta do produtor pois sabe que só assim terá o seu primeiro filme. Contudo, vai fazê-lo à sua maneira! Como protagonistas, quer a estrela Jean Seberg (Zoey Deutch) e o seu amigo Jean-Paul Belmondo (Aubry Dullin).
Como parte do estranho processo de filmagem, Godard reúne-se com François Truffaut (Adrien Rouyard) num metro de Paris para discutir o argumento.
Godard vai reunindo a sua equipa técnica e artística e inicia a rodagem que leva cerca de 20 dias. Toda a equipa que nunca tinha trabalhado daquela forma fica espantada como o realizador filma apenas algumas horas diárias e raramente repete takes.
Esta recriação de Richard Linklater em “Nouvelle Vague” é, na verdade, muito próxima do que realmente aconteceu na rodagem do filme onde Godard acaba a jornada assim que deixava de ter ideias e cancelou mesmo um dia de rodagem alegando estar doente. Godard não quer sequer mexer na realidade do décor e obriga uma das atrizes a atuar de pijama e chateia-se quando a anotadora quer retirar uma chávena do décor por romper a continuidade da cena. Godard sabe que está a fazer um filme e quer que o espectador o sinta também. Por isso, todo o dispositivo cinematográfico se deve fazer sentir.
Também próximo da realidade está o facto de que a equipa técnica chegou a esconder a câmara para não se perceber que estavam a filmar. Na verdade, não tinham autorização para filmar na rua e esta foi uma forma de o conseguir fazer de forma impercetível.
E os colegas da Nouvelle Vague?

Além dos seus colegas dos Cahiers du Cinéma, em “Nouvelle Vague” assistimos também ao encontro entre Jean-Luc Godard e Robert Bresson (Aurélien Lorgnier). Godard está a filmar junto ao metro enquanto Bresson também filma “O Carteirista” (1959). Bresson queixa-se dos seus figurantes serem sempre os mesmos. É claro que Godard não tem esse problema! Para ele, é filmar como está na realidade! Curiosamente, a presença (indireta) de Bresson já tinha acontecido nos momentos iniciais do filme quando Godard rouba dinheiro para viajar para Cannes, como um típico carteirista.
No final da rodagem, Jean-Luc Godard filma uma última cena com Jean-Paul Belmondo onde faz uma homenagem ao último plano de “Os quatrocentos golpes”. À partida, tudo me indica que essa filmagem não terá acontecido. No entanto, foi muito especial ver esta homenagem no filme de Richard Linklater.
Ao entrar na fase de montagem, com um filme maior do que 90 minutos, Godard decidiu, portanto, cortar dentro das cenas e não retirar qualquer cena do filme. Assim surgiram os seus famosos jump-cuts.
O filme termina numa sala de projeção com a equipa técnica a ver o filme. Apesar da estranheza do filme e de brincarem (ou não…?) que aquele é o pior filme do ano, “O Acossado” tornar-se-ia um grande marco na História do Cinema.
Ainda durante o genérico final, vemos algumas fotografias do filme e, a terminar, já que Godard mostra (muitas vezes) o dispositivo fílmico, também “Nouvelle Vague” termina com uma fotografia da sua equipa técnica.
Algumas conclusões sobre Nouvelle Vague

Em suma, “Nouvelle Vague” homenageia não só um realizador mas o próprio cinema e, em concreto, a nova vaga francesa. Richard Linklater opta por filmar o seu filme a preto e branco e em 4:3 mantendo o paralelismo com a obra original de Godard. Quanto aos jump-cuts, não estão presentes no filme. Contudo, o uso da câmara à mão, a luz natural (mesmo fora da rodagem de “O Acossado”) e a filmagem em película são características repescadas (e bem) de Jean-Luc Godard.
Não querendo recriar na totalidade os planos realmente presentes no filme de Godard, o mítico grande plano de Jean Seberg no quarto é captado praticamente de forma perfeita por Richard Linklater. Em notas à imprensa, Linklater refere a sua inspiração mas não ‘regra’: “Não se trata de refazer O ACOSSADO, mas sim de o olhar sob outro prisma. Quero mergulhar a minha câmara em 1959 e recriar a época, as pessoas, o ambiente. (…)”
Por fim, destacar os atores do filme. Guillaume Marbeck é realmente um Jean-Luc Godard exímio (com os seus míticos óculos escuros que só Agnès Varda lhos conseguiu tirar). Captou toda a essência e estilo do realizador. Já Zoey Deutch e Aubry Dullin, apesar de não captarem totalmente a essência de Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, andam lá perto e a sua química no filme é inegável.
Este não é só um filme sobre “O Acossado” ou sobre a nova vaga francesa. Nem diria que os espectadores que vejam esta obra tenham de ter visto “O Acossado”, embora a análise seja diferente. “Nouvelle Vague” é, sobretudo, um filme universal sobre a liberdade de fazer cinema: “(…) Godard personifica-o melhor do que ninguém. Faz coisas proibidas, improvisa. Adoro o seu humor, a sua fisicalidade, a sua insolência. Ele não segue nenhuma regra.” referiu Linklater.
Nouvelle Vague
Conclusão
- O novo filme de Richard Linklater, “Nouvelle Vague” é uma homenagem a “O Acossado” de Jean-Luc Godard.
- Mais do que uma homenagem ao filme de Godard, esta é também uma justíssima homenagem à liberdade e dificuldade de fazer cinema.
- Como ponto positivo, Linklater não se focou apenas na rodagem de “O Acossado”. Foi para lá disso ao abordar os Cahiers du Cinéma e outros autores à volta de Godard.
- Não sendo uma obra-prima, é um filme muitíssimo bem conseguido e capta a essência das incertezas mas também o humor de Jean-Luc Godard enquanto tem a difícil tarefa de fazer a sua primeira longa-metragem.

