Prémios de Excelência MHD | Os vencedores
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Antes dos Óscares proclamarem os seus vencedores, a equipa da MHD atribui as suas próprias honras, celebrando o melhor do cinema estreado em Portugal em 2019, desde as intrigas de “A Favorita” até ao pesadelo social de “Parasitas”.
Este ano, pela primeira vez, a equipa de críticos e editores da Magazine HD decidiu juntar-se e escolher os seus favoritos cinematográficos dos 12 meses passados. Pensem nesta iniciativa como os Óscares desta redação, com nomeados escolhidos a dedo com base nas centenas de filmes que estrearam nos cinemas portugueses e plataformas online entre 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro do mesmo ano.
As categorias são muitas e vão desde Melhor Filme a Melhor Som. Temos inclusive uma categoria que os Óscares não têm. Para saberes mais, visita o artigo em que divulgámos as nomeações. Nesta noite em que a Academia vai entregar os seus prémios, também nós indicamos os nossos vencedores. Sem mais demoras, aqui ficam os vencedores dos primeiros Prémios de Excelência Cinematográfica MHD.
O primeiro prémio a ser dado é o de Melhor Filme…
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MELHOR FILME
O Prémio MHD vai para… A FAVORITA, Ceci Dempsey, Ed Guiney, Lee Magiday e Yorgos Lanthimos!
Tal como já havíamos apontado no nosso top 10 de 2019, “A Favorita” de Yorgos Lanthimos é o nosso filme preferido do ano passado. Muitas são as razões para esta paixão pelos retorcidos amores de uma corte setecentista. Em nome da brevidade, fica aqui um excerto da nossa crítica do filme:
“A Favorita” é um filme desconfortável em todos os seus aspetos e é nesse desconforto, feito de verdades humanas feias a marinar em estilização alienante, que germina seu génio. Por entre risos de escárnio e danças mirabolantes, esta história vai traçando um jogo em que não há vencedor possível, mostrando a fragilidade do coração humano e sua capacidade para a crueldade egoísta. Quem procurava amor, acaba por se encontrar separada da única pessoa que realmente a amou. Quem procurava poder, acaba exilada da mulher a quem dedicou a alma e do país a quem dedicou a vida. Quem queria fugir à humilhação da subserviência, acaba por se condenar à posição de escrava sexual de uma gárgula moribunda. No fim, a miséria é a única certeza e constante. Miséria sob a forma de infinitos coelhos batizados com o nome de crianças que nunca chegaram a ver a luz do Sol.
MELHOR REALIZAÇÃO
O Prémio MHD vai para… Bong Joon-ho por PARASITAS!
O rei do cinema coreano é o rei dos prémios de excelência cinematográfica da MHD. Bong Joon-ho está nomeado para o Óscar, mas é provável que vá perder contra Sam Mendes pelo seu trabalho em “1917”. A equipa da MHD não é a Academia e o nosso gosto tende a tender mais para a glória do cinema internacional do que as convenções anglófonas de Hollywood. Por isso mesmo, premiamos Bong Joon-ho. Contudo, não se enganem a pensar que isto é simplesmente uma vontade de ser diferente.
Bong Joon-ho é um extraordinário realizador, um dos melhores da atualidade e a sua mestria é absoluta. Basta vermos “Parasitas” para nos apercebermos disso mesmo. O cineasta desenhou todo o filme antes de começar a rodagem, planeando todos os mais minuciosos detalhes para obter esta obra-prima que funciona como um mecanismo perfeito. Aqui ficam umas palavras que originalmente publicámos com a crítica do filme:
Sua fúria é organizada, contudo e as maravilhas que ela produz são lâminas de perversão que se cravam no nosso peito. A lâmina fere, mas acorda e, por momentos, sentimos o júbilo do conhecimento. Sim, saber que somos oprimidos e fantasiar com a vingança é um prazer doce e estamos ávidos por essa doçura. Bong dá, e Bong tira, ele dá-nos o remédio na quantidade certa e no final tem a delicadeza de nos lembrar que estamos doentes e que não, não estamos curados. Continuamos a morrer, porque um cão nunca será uma carraça.
MELHOR ATRIZ PRINCIPAL
O Prémio MHD vai para… Olivia Colman por A FAVORITA!
Pedimos perdão pela repetição, mas já muito escrevemos sobre os méritos desta extraordinária prestação. Ficam aqui umas palavras que publicámos no nosso artigo dos Óscares MHD 2019, quando a nossa equipa votou nos seus favoritos de entre os efetivos nomeados da Academia:
Como Rainha Anne da Grã-Bretanha, Olivia Colman negoceia as muitas tonalidades antagónicas do filme, desde a perversidade da comédia negra até ao degredo humano mais grotesco e feio. Cada vez que ela aparece em cena, estabelece-se um jogo com a audiência, pelo qual a atriz desafia quem a vê a rir-se da sua infantilidade ao mesmo tempo que nos mostra o tipo de poder tirânico e sofrimento angustiante que estão por detrás de tal disposição.
Em “A Favorita” ela é vítima e é monstro, mulher apaixonada e gárgula vingativa, rainha incompetente e uma mãe em constante luto pelos filhos que perdeu. Gostaríamos de destacar dois momentos chave no seu retrato desta monarca tragicómica. Primeiro, temos a cena de baile, onde Yorgos Lanthimos mantém a câmara focada na atriz, vendo como a fachada de divertimento cai para revelar a raiva e angústia de uma mulher traída pelo seu corpo desfeito. Depois, temos o final, um triunfo de fisicalidade grotesca e monstruosa inexpressão, com a qual Colman mostra o tipo de horror que um coração partido pode revelar numa rainha embriagada em poder e dor.
MELHOR ATOR PRINCIPAL
O Prémio MHD vai para… Joaquin Phoenix por JOKER!
Nesta categoria, Academia e MHD parecem estar em total sincronia. Joaquin Phoenix tem varrido a competição nesta temporada de prémios, ganhando tudo o que a vista alcança pela sua versão do vilão mais icónico da DC Comics. Trata-se de um feito vistoso que mereceu muitos aplausos e aqui também os recebe. Como final justificação para esta escolha, ficam aqui umas palavras que foram publicadas aquando da estreia do filme em território nacional:
E vermos Phoenix a “amamentar” Arthur por todos os estágios da sua dor, até “dar à luz” a sua grotesca criação, é uma experiência quase tão reveladora para nós como terá sido para ele. Porque é Phoenix quem faz “Joker”, e não “Joker” quem define Phoenix. Nem nos atrevemos a imaginar, o custo e a exigência emocional que terão levado o ator de origem porto riquenha, a escavar uma interpretação tão sulfúrica e pungente como aquela que ele nos apresenta de forma tão crua e selvagem numa bandeja: ele que contorce as suas costelas vazias com um cigarro pendurado no canto da boca; ele que despeja um frigorífico inteiro no chão e se enclausura no seu interior em penitência; ele que dança como um pássaro desenjaulado numa casa de banho toda grafitada…Ergue-se “Joker”, um alter-ego endeusado, que renasce no seu niilismo existencial como um primo uomo, um agente artístico do caos e da desordem, que já ninguém pisa, mas respeita.
MELHOR ATRIZ SECUNDÁRIA
O Prémio MHD vai para… Jennifer Lopez em OUSADAS E GOLPISTAS!
Este ano, nenhum “snub” dos Óscares foi mais falado e debatido que o de Jennifer Lopez. A atriz fez tudo o que era preciso para ser nomeada, orquestrando uma campanha astuta e conquistando nomeações nos principais percursores, incluindo o Sindicato dos Atores de Hollywood. No entanto, quando chegou a manhã das nomeações, ela ficou de mãos a abanar. As razões para tal são variadas, desde o snobismo de votantes que não querem premiar uma estrela pop a interpretar uma stripper até laivos de racismo dissimulado.
Enfim, o que interessa é que Jennifer Lopez deu uma das grandes performances do ano passado em “Ousadas e Golpistas”. Ela mescla complexidade expressiva com carisma de estrela e extraordinária fisicalidade. Desde o seu strip introdutório até à vulnerabilidade que ela expõe nos últimos momentos em cena, a Ramona de Jennifer Lopez é uma das grandes criações cinematográficas de 2019. Para corroborar tais afirmações, ficam aqui algumas palavras da nossa crítica do filme:
Ramona é simultaneamente um anjo salvador e um demónio corruptível. Como esta mulher contraditória, Jennifer Lopez é genial, mas ainda mais primoroso é o modo como a câmara a captura, delineando a espetacularidade da sua presença, ao mesmo tempo que examina a feiura que ocasionalmente lhe mancha a expressão. Face a tal grandiosidade, resta-nos simplesmente aplaudir.
MELHOR ATOR SECUNDÁRIO
O Prémio MHD vai para… Song Kang-ho por PARASITAS!
“Parasitas” pode ter ganho o Prémio para Melhor Elenco do Sindicato dos Atores, mas os seus atores foram sistematicamente ignorados ao longo da temporada dos prémios. Basta olharmos para a História dos Óscares para constatar que não é incomum ver o grande trabalho de atores asiáticos ser desrespeitado pelos corpos votantes. Em 2000, “O Tigre e o Dragão” foi um dos grandes campeões, sendo inclusive um dos líderes das nomeações. No entanto, nenhum dos seus atores foi nomeado, apesar de terem recebido honras noutras cerimónias. Em 1987, “O Último Imperador” ganhou o Óscar de Melhor Filme, mas o seu elenco asiático nada recebeu.
Enfim, apontemos o dedo a estas injustiças, mas não fiquemos por aí. Há que celebrar o bom no mesmo gesto que se denigre o mau. Neste caso, tomamos esta oportunidade para aplaudir os esforços de Song Kang-ho, um dos mais extraordinários atores do cinema coreano contemporâneo. Em “Parasitas”, ele dá vida a um patriarca empobrecido cuja família se vê envolvida com uma dinastia abastada, infiltrando-se no seu casarão através de uma série de cuidados engodos. O papel de Song é caracterizado pela fé que este pai de família tem nos seus patrões, uma fé destinada a ser quebrada num dos momentos mais esmagadores da obra.
Quando isso ocorre e este homem humilde se apercebe da esmagadora hierarquia social que o reduz a um verme aos olhos do rico, é como se nos espetassem uma faca no coração. O ator interpreta o desespero e a fúria crescente da personagem com elegância e candor, ilustrando o tipo de estado mental que poderia levar esta pessoa a cometer as atrocidades sanguinárias que marcam o clímax da obra. Trata-se de um desempenho assombroso.
MELHOR ARGUMENTO ORIGINAL
O Prémio MHD vai para… PARASITAS, Bong Joon-ho e Han Jim-won
Aqui pela MHD adoramos mesmo o “Parasitas” de Bong Joon-ho. Tal como o Sindicato dos Argumentistas de Hollywood, condecoramos esta obra-prima coreana com o prémio para Melhor Argumento Original. A honra vem em celebração de uma história de afiada crítica social e empolgantes reviravoltas, falas memoráveis e personagens ainda mais inesquecíveis. Trata-se de um feito narrativo do mais alto gabarito e uma dramaturgia que merece todos os prémios que se possam imaginar, desde o Óscar até ao mais humilde dos prémios MHD.
Aqui ficam umas palavras originalmente publicadas aquando da estreia do filme nos cinemas portugueses:
É cruel? Sim. É perverso? Sem dúvida. É cinema e do melhor. “Parasitas” acorda e magoa, faz rir e chorar, choca e transtorna. A sua história é retorcida e difícil de explicar. É melhor nem o fazer, pois desvendar os seus mistérios seria trair o génio que nos concedeu esta ambrósia cinematográfica. Vão ver “Parasitas”, vão acordar. Depois todos choramos em conjunto, partilhamos a dor e voltamos à nossa vida como hospedeiros. Pelo menos, durante duas horas, podemos esquecer as nossas mágoas e perdermo-nos nas de outros tão parecidos connosco. Podemos triunfar ao seu lado, ver um ritmo preciso, imagens perfeitas e, por momentos, aguentar e até desfrutar do horror de servir e perder o nome, de perder a identidade e ser alimento de uma carraça com uma voz cheia de dinheiro.
MELHOR ARGUMENTO ADAPTADO
O Prémio MHD vai para… JOKER, Todd Phillips e Scott Silver!
Inspirando-se no vilão mais icónico da DC Comics, Phillips e Silver conceberam uma ressurreição do Joker à medida dos anti-heróis de Martin Scorsese e do cinema nova-iorquino dos anos 70. Com um pouco de “Taxi Driver” e uma valente pitada de “Rei da Comédia” à mistura com iconografia da banda-desenhada, os argumentistas conceberam uma das mais arrojadas propostas de cinema sobre super-heróis. Ou, neste caso, cinema dos super-vilões.
Ao longo desta temporada dos prémios, o argumento de “Joker” não tem sido particularmente premiado, mas fica aqui esta honra da equipa MHD. Aquando da estreia do filme nos cinemas portugueses, foi isto o que tivemos a dizer sobre a obra:
“Joker” encerra um paradoxo em si mesmo, não vive, mas quer viver, e vai vivendo do nada que é tudo. E se há alguma leitura ideológica que possa ser extraida desta abordagem algo reacionária aos nossos tempos do próprio realizador, e parafraseando uma citação de Nuno Markl: é que se o filme “é capaz de inspirar “lunáticos” a matar “gente sã”, se calhar, também é capaz de inspirar “gente sã” a estender a mão a estes “lunáticos””. “Joker” é uma anti-piada de humor negro que cheira a gasolina, cuja controvérsia perdurará muito para além dos últimos créditos rolarem no grande ecrã.
MELHOR MONTAGEM
O Prémio MHD vai para… PARASITAS, Jinmo Yang!
A nossa paixão por “Parasitas” continua a fazer-se sentir nestes prémios da Magazine HD. Desta vez, honramos a precisão balética e cirúrgica da sua montagem. O realizador Bong Joon-ho preparou muito o filme com extensos storyboards, mas coube a Jinmo Yang dar forma final às filmagens- Parte do seu trabalho passou pela excisão de momentos desnecessários e passagens que poderiam ser implícitas por outras partes do argumento. Os seus esforços resultaram num filme aguçado, sem um único momento morto ou quebra rítmica.
Desde montagens perfeitas a reviravoltas intensificadas por proezas de montagem chocante, este é um trabalho que merece muitos aplausos. Aqui ficam umas palavras da nossa crítica do filme:
Ao ritmo de uma valsa, este mestre dança connosco até à perdição. A sua câmara também dança, está sempre e não para. Ela acompanha o gesto e a banda-sonora torna tudo num jogo obsceno e sensual. É tudo um jogo, mas todos saímos perdedores. Quer dizer, alguns parasitas não. Alguns perdem-se quando o cão morde a própria carne em busca da carraça. No entanto, esses bichos feios e maus sobrevivem sempre. Lá vai ele, no seu Mercedes com motorista, vai viver por cima de mais hospedeiros. Vai sugar e esvair, vai viver e ser feliz enquanto outros morrem exangues. É assim a vida, sempre foi e sempre será… não é?
MELHOR FOTOGRAFIA
O Prémio MHD vai para… ATLANTIQUE, Claire Mathon!
A temporada de prémios de 2019/2020 foi uma gloriosa época para Claire Mathon. Esta intrépida diretora de fotografia francesa pode não ter recebido uma nomeação para os Óscares, mas foi recebendo inúmeras honras pela parte dos críticos internacionais. Os seus prémios foram ganhos tanto pelo seu trabalho em “Retrato de Uma Rapariga em Chamas” de Céline Sciamma assim como por “Atlantique” de Mati Diop. Aqui celebramos este segundo feito.
“Atlantique”, que ganhou o Grande Prémio do Júri em Cannes, é uma bizarra mistura de géneros, onde o realismo social sobre crises socioeconómicas do Senegal resvala para um registo mais fantasioso. Da crise dos refugiados passamos a um romance que toca no realismo mágico e no romance sobrenatural. Há fantasmas e assombrações, possessões e perdas de virgindade que transcendem a membrana porosa que separa o nosso mundo da vida além da morte. Todas estas transições tonais dependem de uma estética apurada para as multiplicidades plásticas dos diferentes registos. Pela sua parte Mathon faz com que tudo flua sem mácula.
Desde um primeiro plano que posiciona a figura humana em oposição à esmagadora força de uma paisagem urbana em crescimento,”Atlantique” está repleto de imagens inesquecíveis. Pensemos na brancura ofuscante de um quarto nupcial corrompido pelo fogo, no mar cinzento que serve de assassino e sepultura, num bar assombrado por emigrantes afogados cuja cara agora só se vê nos reflexos de paredes espelhadas. E não poderíamos falar de “Atlantique” sem mencionar os seus momentos finais, numa discoteca banhada pelo sol da matina, quando um grande plano de uma rapariga mirando a sua própria imagem se transfigura num gesto de poderosa reclamação de autonomia pessoal. É belíssimo!
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
O Prémio MHD vai para… PARASITAS, Ha-jun Lee e Won-woo Cho!
A paixão por “Parasitas” não descansa. Desta vez, celebramos a sua primorosa cenografia, cuja complexidade técnica é tão ou mais impressionante que as suas façanhas enquanto parte integrante da dramaturgia. Por exemplo, sabiam que praticamente todos os espaços no filme são cenários, incluindo toda a vizinhança em que vive a família pobre da história? Devido às demandas exatas do argumento e os muito storyboards, foi necessário construir tudo de raiz, especialmente quando se considera que, a certa altura, foi necessário inundar ruas inteiras.
Também a casa dos ricos foi feita do nada num terreno vazio, possibilitando assim a movimentação da câmara pelo espaço sem interrupções. Além do mais, tanta da morfologia da casa é especificada pelos detalhes narrativos que seria totalmente impossível utilizar um edifício pré-existente. A construção de tudo isto não só possibilitou a precisão de movimentos de câmara que vemos no filme, como também ajudou a complementar a narrativa complicada. Note-se, por exemplo, como o filme usa noções de verticalidade arquitetónica para materializar a hierarquia social que vitimiza todas as personagens em cena.
Os pobres vivem no fundo, literalmente debaixo de terra, enquanto os ricos estão no topo, isolados de tudo num oásis de quietude no meio da selva urbana. Para onde quer que os menos abastados olhem, há colinas e estradas inclinadas, escadarias a subir e a sublinhar a sua posição social. Para os ricos, o contrário acontece, com o céu limpo e o sol a pintarem a sua paisagem com minimalismo natural que devia pertencer a todos mas está reservado àqueles que podem pagar pelo privilégio. Este é um trabalho cenográfico de uma genialidade que só se encontra uma ou duas vezes por geração.
MELHOR GUARDA-ROUPA
O Prémio MHD vai para A FAVORITA, Sandy Powell!
Sandy Powell é rainha dos figurinistas no panorama do cinema atual. Desde romances apaixonantes de Todd Haynes a carnificinas estilosas de Scorsese, esta designer é capaz de vestir as mais variadas propostas cinematográficas com primor. A sua carreira é longa e a lista de nomeações que tem vindo a conquistar é impressionante também, sendo que já ganhou três Óscares nas últimas décadas. Mesmo assim, até no contexto desta invejável carreira, o guarda-roupa de “A Favorita” impressiona.
As primeiras décadas do século XVIII são uma época raramente dramatizada no grande ecrã, fazendo dos seus estilos específicos um tanto ou quanto estranhos aos olhos da maioria dos cinéfilos. Longe de tentar modernizar as silhuetas históricas, Powell concebeu figurinos que obedecem ao desenho da época, mas inovou no que se refere à paleta cromática e têxteis. Essa inovação justifica-se tanto por questões criativas como orçamentais. Se a figurinista tivesse construído as roupas com os materiais corretos, incluindo sedas pesadas e rendas requintadas, o custo teria sido insustentável para a produção independente de “A Favorita”.
Por isso mesmo, Powell limitou a paleta cromática a preto-e-branco, com rasgos de ouro para a rainha e azul e vermelho para delinear as fações políticas dos lordes ingleses. Além disso, os seus materiais foram escolhidos para serem deliberadamente anacrónicos, desde o uso de ganga reciclada para as indumentárias servis até vinil cortado a laser para substituir remates a renda e bordadura. O resultado final é um filme que parece povoado por peças de xadrez setecentistas, perdidas numa amorfia entre o histórico e o onírico, entre o veneno explícito da língua moderna e as cadências antigas. É um trabalho brilhante e merecedor desta honra, não acham?
MELHOR MAQUILHAGEM E CABELOS
O Prémio MHD vai para… A FAVORITA, Nadia Stacey!
Se os figurinos de “A Favorita” são uma maravilha de verdade histórica e estilização anacrónica, a sua maquilhagem intensifica ainda mais a dinâmica. O trabalho de Nadia Stacey impressiona principalmente pela sua queda em espirais de grotesco, mesmo nos mais elegantes cenários. Um baile de Corte pode ser um lugar onde esperaríamos encontrar o requinte em apoteose, mas Stacey foge à beleza simples. Pelo contrário, ela procura a rude textura de perucas empoeiradas e maquilhagem arcaica que se amontoa por cima da pele em palimpsestos de cosmética enrugada.
A rainha, em particular, tende a parecer um arlequim triste, com olhos esfumados como os de um texugo e lábios carmesim. Essa vertente mais apalhaçada da caracterização longe de despertar humor, sublinha uma inquietação grotesca que trespassa toda esta narrativa de intrigas sexuais e periclitantes jogos de poder. Se a rainha é sempre uma gárgula, então a personagem interpretada por Emma Stone é a donzela indefesa feita monstro pelo final.
A sua transformação é gradual. Inicialmente, ela é pouco mais que uma serva, maquilhada com a simplicidade sugerida pela sua condição social. No entanto, à medida que ela escala a hierarquia nobiliárquica, o seu aspeto vai-se alterando. Primeiro, ela ganha o primor elegante perfeito para a favorita da rainha. Mas os jogos de sedução depressa coalham em algo mais feio, a torpitude moral do comportamento fazendo-se ver numa face cada vez mais pintada. Pelo final, ela parece um espectro com as maçãs do rosto ridiculamente rosadas e os olhos perdidos entre pós caros e tinta de chumbo.
MELHORES EFEITOS VISUAIS
O Prémio MHD vai para… AD ASTRA, Scott R. Fisher, Allen Maris, Guillaume Rocheron e Jedediah Smith!
Uma das maiores injustiças nos Óscares deste ano foi a desqualificação de “Ad Astra” para o prémio de Melhores Efeitos Visuais. Quando foi anunciada a lista de finalistas para esse particular troféu, esta obra-prima espacial de James Gray não constava. Para piorar ainda mais a situação, um dos filmes cujos efeitos foram considerados superiores aos de “Ad Astra” foi “Cats” com seus hediondos híbridos digitais entre anatomia humana e pelagem felina.
Em contraste, “Ad Astra” apresenta um perfeito equilíbrio entre soluções práticas e efeitos gerados por computador. Com amplo uso de reflexos e texturas bizarras, algumas das sequências do filme são autênticas montras para o primor dos seus efeitos visuais. Pensemos na abertura da aventura com uma queda atmosférica ou a perseguição saída de um western transplantado para as paisagens inférteis da lua.
Se isso não impressiona, então o filme tem um trunfo na manga. Trata-se de uma das sequências mais estranhas da fita, quando a odisseia de Brad Pitt é interrompida por um episódio animalesco. A animação de uns símios homicidas é impecável e ajuda a construir um dos instantes mais chocantes do cinema de 2019.
MELHOR BANDA-SONORA ORIGINAL
O Prémio MHD vai para… SE ESTA RUA FALASSE, Nicholas Britell!
Já o ano passado, quando votámos nos Óscares com base nos nomeados da Academia, demos o nosso prémio para Melhor Banda-Sonora Original ao extraordinário Nicholas Britel. Para não estar a repetir o mesmo por palavras superficialmente diferentes, aqui relembramos as nossas palavras originalmente publicadas aquando da entrega dos Óscares MHD de 2019:
Apesar de ter uma carreira ainda jovem no mundo do cinema, Nicholas Britell está rapidamente a afirmar-se como um dos grandes nomes no panorama dos compositores para filmes. Seu trabalho tende a ter toques de avant-garde e experimentação e há já alguns cineastas, como Adam McKay e Barry Jenkins, que não ousam fazer um filme sem a contribuição deste génio musical. É precisamente pelo mais recente filme de Jenkins, o apaixonante “Se Esta Rua Falasse”, que Britell receberia o Óscar da MHD.
Esta é uma banda-sonora rica e luxuriante, cheia de complexas melodias em deliciosa comunhão com contramelodias. O uso de leitmotiv é particularmente admirável, quer seja a melodia usada para expressar momentos de júbilo, o som da inspiração artística de Fonny ou o sedutor ritmo repetitivo que marca todas cenas consumidas pelo erotismo do casal principal.
MELHOR BANDA-SONORA ADAPTADA
O Prémio MHD vai para… ERA UMA VEZ…EM HOLLYWOOD, Mary Ramos!
Em “Era Uma Vez… em Hollywood”, Quentin Tarantino fez renascer a Los Angeles da sua infância. Em menino, o futuro realizador caminhou pelas mesmas ruas das suas personagens e também passou dias maravilhado em frente à TV, vendo westerns episódicos ao lado da mãe. A materialização da memória nostálgica não se faz só pelos visuais, contudo. Por muito belos que os cenários históricos possam ser, parte do que dá autenticidade a este exercício fílmico é o som de 1969 que reverbera por toda a história.
Mary Ramos e sua equipa de produção musical exploraram inúmeros arquivos da rádio em busca das canções que passavam nos dias em que a história do filme se passa. Através dessa pesquisa, assim como as especificações no argumento de Tarantino, estes cineastas conceberam uma tapeçaria de sons tão nostálgicos como revigorantes. Emparelhando canções e cenas com a astúcia de uma mestra, Ramos eletrificou uma boleia sinistra com a voz de Neil Diamond e viu a cidade adormecer ao som de Vanilla Fudge.
Com tudo isso dito, a escolha musical que solidificou esta vitória foi o “Out of Time” dos Rolling Stones. Quando as primeiras notas da canção intemporal começam a tocar, a audiência observa Los Angeles a preparar-se para uma das suas mais terríveis noites. As personagens enveredam cada uma nas suas aventuras noturnas, à medida que o sol se põe e uma versão de Hollywood vai para a cama na mesma instância em que outra acorda. Sinais luminosos pintam a escuridão com coloridas matizes em néones retorcidos e Mick Jagger dá voz ao fatalismo de um conto-de-fadas americano escrito com sangue, vísceras e rock ‘n’ roll.
MELHOR SOM
O Prémio MHD vai para… VINGADORES: ENDGAME, Shannon Mills, Daniel Laurie, Tom Johnson, Juan Peralta e John Pritchett!
O épico que veio pôr fim a um dos arcos narrativos mais ambiciosos do cinema da última década primou pela emoção e pelo virtuosismo técnico. A Academia pode ter só reconhecido a qualidade nos efeitos visuais de “Vingadores: Endgame”, mas a Magazine.HD encontrou tanto ou mais para apreciar nos seus feitos de espetacularidade sónica. Desde batalhas cacofónicas e momentos mais subtis, há muito para apreciar neste trabalho.
Para começar, há o uso de diálogo e passagens musicais de filmes anteriores, impondo uma pátina de nostalgia deliberada a todo o exercício fílmico. Depois, temos toda uma panóplia de novos efeitos, desde a amorfia sonora de viagens no tempo até ao estrondo seguido de um silêncio funéreo que marca o maior sacrifício na História do Marvel Cinematic Universe.
Se, no entanto, temos de escolher uma parte do filme para representar a sua maravilha sonoplástica, então temos de apontar para a batalha épica que dá clímax ao clímax. O caos é total, mas o espectador nunca perde noção do que está a ocorrer, um feito que deve tanto à montagem como ao equilíbrio dos sons que lhes assaltam os ouvidos. Pensem, por exemplo, na ensandecida viagem que o Homem-aranha faz pelo campo de batalha, saltando e passando pelos céus, enquanto várias personagens o ajudam e, no fundo, Thanos é atacado pelas magias mortíferas da Scarlet Witch. É caos organizado na sua mais espetacular vertente.
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Concordas com as nossas escolhas? Não percas ainda a nossa votação nos Óscares MHD, quando a nossa equipa escolhe os melhores de entre os nomeados da Academia.
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