"Queer Genius" | © Queer Lisboa

Queer Lisboa ’20 | Queer Genius, em análise

Cinco artistas, quatro artes, um documentário. “Queer Genius” é um retrato multifacetado de criatividade queer em várias vertentes raciais e geracionais. O filme de Catherine Pancake está na Competição de Documentários do 24º Queer Lisboa.

Documentários sobre artistas vanguardistas tendem a padecer de uma doença comum e muito contagiosa. Trata-se da banalidade da forma em contraste com a ousadia do sujeito. Por outras palavras, é difícil para um filme sobre pessoas extraordinárias não parecer medíocre em comparação com aqueles que retrata. Afinal, um filme que se pressupõe a perfilar um inovador não deveria ele mesmo ser inovador? Não é uma contradição falar-se do criativo que arrisca tudo através de um discurso que nada arrisca?

Não há respostas fixas a estas perguntas e não tentaremos oferecer qualquer solução dogmática ao problema. Uma coisa é certa, filmes convencionais sobre pessoas nada convencionais parecerão sempre obras meio instáveis, quase contraditórias no seu âmago. Tudo isto para dizer que, até certo ponto, a incongruência estilística de “Queer Genius” é tão justificável quanto é esperada. Um filme que se propõe a contar a história de cinco artistas radicalmente diferentes nunca poderia ser coeso ou estaria ativamente a contrariar o exemplo das suas protagonistas.

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© Queer Lisboa

Na sua segunda longa-metragem documental, a cineasta improvavelmente chamada Catherine Pancake faz o perfil de uma série de atrizes queer a trabalhar no presente. Elas são Barbara Hammer, uma cineasta experimental que faleceu antes da estreia deste filme, Rasheedah Phillips e Camae Ayewa da coletiva artística Black Quantum Futurism, a atriz e artista da performance Jibz Cameron, assim como a respeitada poetisa Eileen Myles. São cinco mulheres inspiradoramente diferentes, todas elas empenhadas em expressar sua criatividade sem limites.

Antes de cada uma das mulheres fazer sua primeira aparição em “Queer Genius”, há uma pequena sequência animada que a introduz. Essa é a única escolha cinemática que se repete em todos os capítulos deste documentário fragmentado. Tirando isso, cada porção da obra se rege por diferentes abordagens. Cameron, por exemplo, tem direito a uma visão mais histórica, cheia de gravações de performances antigas acompanhadas por uma entrevista feita em estúdio.

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Em contraste, Hammer e Myles contam suas histórias num registo muito mais presente e sem tanto apelo à memória arqueológica. Vemos passagens dos filmes de Hammer, mas é a experiência dela na primeira pessoa que domina o seu capítulo de “Queer Genius”. Isso e uma preponderante obsessão com a morte e a mortalidade inevitável do ser humano. Considerando o fado triste dessa cineasta que não viveu para se ver na obra de Pancake, tal discurso ganha ainda mais poder.

Myles, que é filmada de modo muito semelhante a Hammer, também fala da morte, mas suas palavras indicam a fuga amedrontada ao invés da aceitação do inevitável. Filosofias distintas de artistas distintas que, apesar do que as separa, são unidas pela idade e sua geração. O mesmo não acontece quando as comparamos aos membros do Black Quantum Futurism, para quem o Anjo da Morte não é mais que uma abstração distante. Ainda longe da velhice, essas artistas afro-americanas pensam no tempo como algo mutável, uma questão do pensamento abstrato mais do que uma realidade que se sente a abater sobre o corpo.

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© Queer Lisboa

Todos estes contrastes, toda esta falta de homogeneidade, dá valor e dá força concetual a “Queer Genius”. Na plasticidade mutável das suas soluções documentais, Catherine Pancake encontra um estilo que se adequa às mulheres que ela propõe retratar. Não estamos perante nenhuma gema revolucionária da sétima arte, mas de um retrato do artista que evita algum dos erros comuns do género e se eleva acima da simples mediocridade. Podemos não aplaudir o esforço de pé, mas batemos palmas mesmo assim. Só por nos dar a conhecer estas fascinantes artistas, “Queer Genius” merece nosso respeito e nosso afeto também.

Queer Genius, em análise
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Movie title: Queer Genius

Date published: 20 de September de 2020

Director(s): Catherine Pancake

Genre: Documentário, 2019, 115 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

Dividido em quatro capítulos sobre cinco artistas, “Queer Genius” é uma tapeçaria de cinema documental numa veia intimista que serve de homenagem à heterogeneidade da Arte contemporânea queer. Mesmo que não haja muito pra pasmar em termos de forma, o conteúdo informativo do filme é excelente.

O MELHOR: A mutabilidade do estilo com que Pancake aborda cada uma das suas entrevistadas. Seria estranho falar de Barbara Hammer do mesmo modo como se homenageia as loucuras performativas de Jibz Cameron, por exemplo.

O PIOR: Não há aparente tese a unificar o projeto. Temos quase a impressão que “Queer Genius” funcionaria melhor como uma coleção de curtas do que como uma longa-metragem dividida em capítulos distintos.

CA

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