"La Casa dell'Amore" | © Queer Lisboa

Queer Lisboa ’20 | La Casa dell’Amore, em análise

Depois de se estrear na Berlinale, “La Casa dell’Amore”, também conhecido como “The House of Love”, chega aos cinemas portugueses por via do Queer Lisboa. Este filme italiano está a competir pelo prémio de Melhor Documentário do festival.

Luca Ferri é um cineasta italiano que tem passado os últimos anos a apontar a sua câmara para o templo de intimidade que é o apartamento. No seguimento de “Pierino” e “Dulcinea”, “La Casa dell’Amore” forma uma trilogia de retratos cinematográficos, pequenas miniaturas sobre pessoas marginalizadas pela sociedade que se resguardam nas sombras confortantes do lar. Desta vez, o sujeito de estudo é Bianca, uma trabalhadora do sexo transgénera que está quase a chegar à casa dos quarenta.

Jamais saindo do espaço doméstico da sua protagonista, “La Casa dell’Amore” perscruta os cantos e recantos de uma casa milanesa que, estando num bairro pobre, tem vista privilegiada para o rio cinzento e muito barulhento da autoestrada. É no apartamento que Bianca faz a sua vida, que dorme e se prepara para os afazeres do dia, que come e se maquilha, que recebe clientes e vive serões animados com amigos de longa data. Entrar pela porta da casa, é entrar no mundo de Bianca.

la casa dell'amore critica queer lisboa
© Queer Lisboa

Esse mundo é um universo de paz e sossego, uma dimensão onde as pessoas podem ser elas próprias e despir as máscaras com que encaram o dia-a-dia. Até a religião é mutada pela presença de Bianca. O rito católico torna-se devoção dionisíaca, o padre vira bacante e o acólito é amante. Nunca isso é mais evidente que na passagem mais bela do filme. Acontece quando Ferri aponta a câmara para o chão, filmando um encontro entre Bianca e sua cliente com inteligente abstração. Só vemos os seus pés, as pernas de Bianca sentada na borda da cama e um fato masculino à sua frente.

Lê Também:   Os melhores filmes LGBTQ+ dos últimos 10 anos

Lentamente, a carapaça de género cai por terra. A camisa branca abre-se para revelar cetim e renda. As calças desabrocham e revelam uma saia singela. Afinal, não obstante a potencial expetativa do espetador, não vemos uma prostituta a receber um homem de negócios como cliente. A relação é mais complexa e as identidades mais fluidas e fora da norma. Só uma constante acompanha o espetador desde o início ao fim da cena. Trata-se do desejo, da busca por amar ser amado, uma necessidade transversal a todos os que entram na casa de Bianca.

la casa dell'amore critica queer lisboa
© Queer Lisboa

Num paradigma cinematográfico onde até os mais bem-intencionados realizadores tendem a retratar o corpo transgénero como algo chocante, Ferri jamais desrespeita Bianca com seu olhar. De facto, a câmara vive como extensão da protagonista e todo o estilo do filme lhe segue o exemplo. Veja-se, por exemplo, como a fotografia pinta o apartamento como um espaço teatral. O espelho do quarto faz-se camarim, a cozinha é um palco e a sala-de-estar um plateau onde velas ardem com cintilantes chamas.

A tolerância absoluta, o aroma do sexo e a dimensão da magia do cinema mesclam-se num feitiço que faz com que o apartamento viva fora do tempo e do espaço, fora da sociedade também. Entre quatro paredes vive uma mulher, um gato, e a promessa do prazer garantido. Enquanto espetador, sentimo-nos privilegiados por poder olhar este ambiente, bebendo a beleza do lugar e o encanto de seus habitantes. Por isso mesmo, só queremos agradecer a generosidade de Bianca e o olho astuto de Ferri. Obrigado por nos darem entrada nesta que é “La Casa Dell’Amore”.

La Casa dell'Amore, em análise
la casa dell'amore critica queer lisboa

Movie title: La Casa dell'Amore

Date published: 20 de September de 2020

Director(s): Luca Ferri

Genre: Documentário, 2020, 77 min

  • Cláudio Alves - 78
78

CONCLUSÃO:

No altar do prazer, Bianca Dolce Miele é a nossa sacerdotisa. Com ela oramos uma prece sobre amor e hedonismo. O último capítulo na trilogia dos apartamentos do italiano Luca Ferri é um dos grandes destaques da secção documental do Queer Lisboa de 2020.

O MELHOR: A própria figura de Bianca que é uma excelente sujeita para este tipo de documentário em forma de retrato embevecido.

O PIOR: A paleta cromática escura pode sugerir um ambiente mais deprimente do que realmente se verifica. Há um aspeto meio sufocante no estilo prevalente da obra, mas a duração curta da mesma impede que o espetador se canse.

CA

Sending
User Review
3 (1 vote)
Comments Rating 5 (1 review)

Leave a Reply

Sending