A representação feminina no cinema

Após um recente artigo da IndieWire sobre os 25 melhores filmes realizados por mulheres no século XXI constatamos rapidamente que desses filmes poucos são reconhecidos pelo apelo mainstream ou associados a algum tipo de culto.

O artigo contém obras como The Kids are All Right de Lisa Cholodenko, Persepolis que foi corealizado por Marjane Satrapi, Selma de Ava DuVernay, American Psycho de Mary Harron e em primeiro lugar neste top25 Lost in Translation de Sofia Coppola.

Este desequilibro tem-se arrastado pelo cinema desde as suas origens. É um problema que está enraizado no próprio cerne da sétima arte e que só nos últimos anos tem vindo a ganhar mais atenção e aos poucos uma resolução. Voltando umas décadas atrás, se pensarmos em ícones femininos no âmbito geral passa-nos pela cabeça nomes como a princesa Diana ou Marilyn Monroe, nomes conhecidos em todo o mundo. No entanto se formos para o cinema o que encontramos? Audrey Hepburn, Molly Ringwald, Brigitte Bardot ou Claudia Cardinale, nomes icónicos do cinema e de diferentes épocas, mas a maioria apenas reconhecidas no nicho cinematográfico ou de moda. Se formos para o lado masculino nomes como Stallone ou Schwarzenegger são mundialmente reconhecidos. Há uma dispersão entre o valor que é dado aos homens e às mulheres no cinema.

representação feminina

Mas nem tudo é mau e esta década tem visto um enorme aumento do reconhecimento e atenção a problemas feministas, LGBT e raciais que se tem traduzido numa luta constante pela igualdade nos mais diversos aspetos. Um dos mais recentes exemplos é o tão falado boicote aos Óscares devido à ínfima presença de pessoas de raça negra.


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Durante a conferência de imprensa do encerramento do recente festival de Cannes deste ano, Jessica Chastain, um dos membros do júri, revelou-se perturbada com o tratamento da imagem feminina no âmbito do cinema contemporâneo:

‘’A única coisa que tirei desta experiência foi como o mundo vê as personagens femininas representadas.  Foi bastante perturbador para mim, para ser honesta – com algumas excepções” afirmou Chastain.

Já dias antes Nicole Kidman tinha dado o seu parecer sobre esta controvérsia durante uma recente conferência de imprensa do filme The Beguilded, em Cannes, partilhando que:

‘’Apenas 4% dos maiores filmes realizados em 2016 foram realizados por mulheres. Isso diz tudo. Acho que é importante dizê-lo e não parar de o dizer. Felizmente temos a Jane Campion e a Sofia. Nós como mulheres temos de apoiar realizadoras, é um facto. Toda a gente diz que é diferente agora, mas não é. Vejam as estatísticas.’’

 

REPRESENTAÇÃO FEMININA | EM CANNES

Apenas uma mulher ganhou a Palma de Ouro na história do festival de Cannes, desde a sua existência, Jane Campion em 1993 pelo filme The Piano. No entanto em 2013 as actrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux também receberam o prémio devido a uma regra que não permite o filme vencedor da Palma de Ouro de receber mais algum prémio. Não podendo receber outros prémios as actrizes foram premiadas pela sua cativante performance em A vida de Adèle, subindo ao palco para receber o grande prémio de Cannes ao lado do realizador Abdellatif Kechiche. Este ano, na sua 70º edição, o festival premiou duas mulheres, Lynne Ramsay, para Melhor Argumento, com You Were Never Really Here, e Sofia Coppola, para Melhor Realizador(a), com The Beguiled. Para Melhor Realizador(a), Coppola foi a segunda mulher a ganhá-lo, depois de Yuliya Solntseva em 1961, com Crónica dos Anos de Fogo.

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REPRESENTAÇÃO FEMININA | NOVOS DADOS

Segundo um estudo feito em 2016 pelo Centro de estudos femininos na televisão e no cinema apenas 7% dos 250 filmes mais vistos nesse ano foram dirigidos por mulheres, um decréscimo de 2% de 2015. O estudo também demonstra que 35% dos filmes não tem uma mulher em nenhum cargo como produtora, realizadora, editora, produtora executiva ou diretora de fotografia, e que apenas 3% são compositoras. Documentários e dramas são mais acessíveis para mulheres, enquanto filmes de ação e de terror são mais específicos para homens. Durante o estudo também repararam que filmes cujo realizador é uma mulher têm uma maior percentagem de mulheres a trabalhar em outros cargos.

‘’É notável que após tanta conversa nos últimos anos sobre a indústria, os números ainda assim declinaram. O que estamos a fazer atualmente não está a resultar’’ afirmou Martha Lauzen, a directora executiva do centro que realizou este estudo.

Outro recente estudo foi feito pela Annenberg’s Media, Diversity & Social Change Initiative que após analisar os 1000 filmes mais lucrativos dos últimos 10 anos chegou à conclusão que 80% das mulheres realizaram apenas um filme, e esta percentagem sobe para 83,3% para mulheres de cor. Para homens as estatísticas apontam para 54,8% realizaram apenas um filme, e por volta dos 60% para homens de cor.


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REPRESENTAÇÃO FEMININA | UM NOVO PARADIGMA?

Estudos recentes apontam também para que o paradigma se mantenha em festivais de cinema. Analisando 23 dos principais festivais de cinema pelo mundo (como o festival de Sundance ou o SXSW) chegou-se à conclusão que apenas 25% dos filmes tinham uma mulher como realizadora. Houve, no entanto, um ligeiro aumento de 28% para 29% em mulheres a dirigir filmes. O estudo teve como base mais de 10 mil pessoas em mais de 1400 filmes.

Da mesma forma, este ano o festival de Sundance teve uma maior força feminina, chegando mesmo a um terço.

A realizadora Gillian Robespierre comentou que:

‘’têm saído muitos artigos sobre a situação das mulheres no cinema, mas infelizmente há mais artigos do que mulheres no meio. É uma pena que os artigos não tenham feito a situação avançar.’’

Em 2016 a representação feminina atingiu um novo recorde positivo, com uma presença de 29% de mulheres como protagonistas principais nos 100 filmes mais rentáveis do ano (como no ‘’campeão’’ Rogue One) o que representa um aumento de 7% de 2015. A presença feminina em filmes aumentou de 34% para 37% mas ainda assim existiu uma descida de 1% para papéis com fala.

O início desta mudança positiva deu-se nos anos 60 com a segunda onda do movimento feminista. No início muitos dos filmes feministas centravam-se em experiências próprias, tendo como foco temas como aborto ou orientação sexual. Alguns dos filmes reconhecidos desta altura são Working Girls de Lizzie Borden (1986) ou Wanda (1970) de Barbara Loden. Este pensamento e força de mudança tem-se mantido até aos dias de hoje, onde algumas mudanças se têm feito sentir.

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REPRESENTAÇÃO FEMININA | GRANDES ESTÚDIOS DE CINEMA

Aprofundando um pouco mais e tendo como base um estudo do site The Wrap em 2016 podemos observar que dois dos maiores estúdios de cinema não têm um filme dirigido por uma mulher há anos: por um lado o último da Paramount foi Selma de Avu Vernay em 2014, e no caso da 20th Century Fox temos de recuar a 2010 (Ramona and Beezus) para encontrarmos o exemplo mais recente.

Prevê-se que até 2018 esta tendência se irá manter, apesar dos 25 filmes confirmados pela Paramount e dos 22 pela Fox (sem contar com a divisão FoxSearchlight). No entanto, outros estúdios como a Disney, Universal, Sony e a Warner Bros têm diversos filmes que irão sair nos próximos tempos dirigidos por mulheres.

‘’É um problema de confiança e se acreditam ou não que conseguimos vender, ou se irão vender, em termos da narrativa feminina, e no quanto confiam numa mulher para dirigir um filme. Mesmo quando pudemos, ou nos deixam, fazer filmes, é apenas um certo tipo de filmes’’ disse Amma Asante, directora do filme A United Kingdom (2016),

‘’Acho que estamos a mudar, mas é uma grande mudança e ainda não chegámos totalmente lá’’ finaliza Asante.

 

REPRESENTAÇÃO FEMININA | A OPINIÃO DE ALICIA MALONE


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O grande problema que se coloca não é se há mais ou menos mulheres a trabalhar no cinema ou se a qualidade dos filmes feitos por cada sexo é semelhante. A questão principal é se as que trabalham no ramo têm as mesmas oportunidades que os homens, especialmente nos filmes mais bem financiados onde apenas 4 mulheres dirigiram um filme com financiamento acima dos 100 milhões, Kathryn Bigelow com K-19: The Widowmaker em 2002, Patty Jenkins com Mulher Maravilha este ano, Ava DuVernay no futuro filme da Disney A Wrinkle In Time, e também da Disney Niki Caro na adaptação de Mulan que provavelmente estará pronta em 2019.

Como podemos observar pelos diferentes estudos, apesar de haver um maior empurrão para que o paradigma actual se altere a diferença tem sido pouca. Há ainda muitas forças a não querer que a mudança se dê e que o cinema continue nas suas origens. Seja na presença das mulheres no cinema ou até na forma como os filmes são transmitidos, casos de plataformas digitais.

O cinema precisa de avançar à medida que o mundo avança também. A maioria das pessoas ao ver um filme não lhe interessa se tem uma mulher ou um homem como principal. Interessa-se pela qualidade do que está a ver. Tempos em que uma mulher como personagem principal era um ultraje já lá vão, e os casos de sucesso estão à vista.

A tendência é o futuro, e o futuro é progresso e igualdade. O futuro é de e para todos.

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