Polícia de Choque | Entrevista exclusiva a Rodrigo Sorogoyen

Falámos com Rodrigo Sorogoyen, um dos cineastas mais importantes de Espanha, sobre a série Polícia de Choque. 

Rodrigo Sorogoyen é um dos nomes mais importantes do cinema espanhol. Vencedor de 3 Prémios Goya atribuídos pela Academia de Cinema Espanhola e nomeado aos Óscares 2019, na categoria de Melhor Curta-Metragem, Rodrigo Sorogoyen tem conseguiu estabelecer um novo género no cinema europeu, onde nos atira para os comportamentos dos políticos, polícias e agentes secretos na sociedade contemporânea.

Rodrigo Sorogoyen
Rodrigo Sorogoyen em Polícia de Choque © Movistar+

Apesar dos sucessos da crítica e público na terra nos nuestros hermanos, os trabalhos de Rodrigo Sorogoyen têm passado muito despercebidos aos espectadores portugueses, o que está prestes a mudar com o lançamento da série “Antidistúrbios: Polícia de Choque” na plataforma de streaming Disney+ Portugal. Nesta minissérie com 6 episódios somos apresentados a um grupo de polícias de choque que, após a morte de um homem durante um despejo, acabam por estar envolvidos numa trama de intrigas. Para além de querer apresentar um olhar muito pessoal sobre a figura controversa do polícia de choque e entender a sua função na sociedade, a série “Antidistúrbios” consegue admiravelmente mostrar como existem seres humanos por detrás de capacetes, escudos robustos e coletes à prova de bala.

São seis homens a quem dão vida Raúl Arévalo, Álex García, Hovik Keuchkerian, Roberto Álamo, Patrick Criado e Raúl Prieto, acompanhados por uma protagonista feminina metódica e bastante ambiciosa, interpretada por Vicky Luengo. Segundo Rodrigo Sorogoyen, o trabalho dos atores era bastante importante, porque haveria que transmitir emoções além das palavras, a partir do corpo e dos olhares misteriosos.

O entusiasmo de Rodrigo Sorogoyen a falar a concepção da série ao lado de Isabel Peña ficou evidente em toda a entrevista. O seu trabalho é provavelmente dos melhores que veremos em streaming este ano, sobretudo por estarmos pouco habituados a projetos deste género em Portugal.

Trailer de Polícia de Choque: Nova série Disney+

Sorogoyen não tem medo de mergulhar no dia a dia das instituições de poder, a fim de mostrar como muitas vezes usamo-nos uns aos outros para atingirmos alguma coisa, algo que tantas vezes significa recorrer à violência. A questão é política e culturalmente sensível, mas fica claro que em todos os episódios de “Polícia de Choque” os atrozes atos de violência só geram mais violência. Num mundo cada vez mais dominado por imagens de guerra e de ação, ninguém tem tempo para dialogar, apenas para agredir.

Quando pensamos na série “Polícia de Choque” de Rodrigo Sorogoyen é fácil lembrarmo-nos de episódios chocantes em Portugal, como o homicídio do Bruno Candé ou o episódio do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, ter sido morto à pancada por inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no Aeroporto Humberto Delgado, em 2020. Rodrigo Sorogoyen é daqueles nomes que gosta de mexer nas feridas e que em Portugal rapidamente receberia o rótulo de polémico, revolucionário e transgressivo.

MHD: Quais as razões que te levaram a contar a história de “Polícia de Choque”?

Rodrigo Sorogoyen: Para quem viu “Que Dios Nos Perdone”, o material para “Antidistúrbios” nasce quando eu e a Isabel Peña escrevemos o argumento dessa história. Inicialmente a personagem de Roberto Álamo, esse detetive corpulento e careca, era um rascunho de um polícia de choque.

A ideia surgiu no verão de 2011, momento em vivíamos um período conturbado em Madrid, como aconteceu lamentavelmente em algumas cidades do mundo. Por essa altura, recebemos na capital espanhola o Papa e as juventudes cristãs e tivemos dias tensos e violentos, onde evidentemente as forças de segurança e polícias de choque tiveram muito trabalho e cometeram atos, a meu ver, bastante lamentáveis.

Rodrigo Sogoroyen
Bastidores de Polícia de Choque © Movistar+

Portanto, enquanto estávamos a escrever “Que Dios nos perdone” perguntamo-nos sobre a violência do ser humano. Só depois viu a trama de dois polícias que investigam um psicopata assassino, mas à priori era para ser uma história de um polícia de choque e de um detetive. A personagem de Roberto Álamo nunca chegou a ser um polícia de choque, era um detetive totalmente distinto…

MHD: E isso fascinava-te?

Sim, interessávamo-nos por essa figura, esse polícia que batia em senhoras e que também agredia jovens pacíficos. Essas imagens ficaram-nos gravadas nas nossas cabeças. Quatro ou cinco anos depois, quando a Movistar deu-nos a possibilidade de fazer uma série de televisão, começámos a pensar em “Antidistúrbios: Polícia de Choque“. Queríamos investigar mais esse mundo e não apenas focar-nos nas forças de choque.

O que me fascinava era pensar nesses homens como pessoas comuns. Posso dizer-te que não tenho simpatia nenhuma pelas forças de choque, mas isso é um cliché, porque eu não estou a ver o ser humano, estou apenas a ver uma pessoa que agride outra pessoa. Na série tentei colocar todas as perguntas que tinha, tentei perceber como é que um polícia que agride a uma senhora faz disso a sua vida. Pagam-lhe para isso e vai para a cama todos os dias. Pode ser um bom marido ou um bom pai, ou algo ao contrário, alguém pior. Quis investigá-lo.

Antidistúrbios
Bastidores de Polícia de Choque © Movistar+

MHD: Não é algo se vemos todos os dias. 

Exatamente. Nunca se fizeram projetos de ficção em Espanha sobre o corpo policial especializado em controlar e dispersar as multidões. Já se fizeram vários filmes e séries sobre polícias, mas polícia de choque é uma unidade mais polémica.

MHD: Em Portugal acho que seria muito inovador, porque habituámo-nos de tal modo às telenovelas em que os bons são heróis e os maus são vilões. 

Eu aborreço-me imenso com os conteúdos de entretenimento que são feitos dessa maneira. Foi com eles que infelizmente todos nós crescemos, como acontece em muitos filmes do cinema de Hollywood.

Claro que me divirto imenso com essas narrativas, mas na hora de contar uma história eu acho que é melhor aprofundar as personagens e perceber que neste mundo não existem bons nem maus. Eu sou capaz de fazer coisas horríveis e depois fazer coisas muito boas. Cada vez que leio uma notícia sobre alguém foi assassinado, foi traído ou foi enganado, não critico. Eu acho que esse é um ponto de partida muito interessante.

Rodrigo Sorogoyen
Bastidores de Polícia de Choque © Movistar+

MHD: Esse é o motivo que te leva a querer investigar as forças de poder?

Os polícias reagem violentamente perante algumas pessoas que não fazem mal nenhum. É verdade que, muitas vezes, em grupos mais radicais de manifestantes, a violência é mais importante do que uma manifestação pacífica e eu obviamente também não gosto disso.

Mas olha, eu dou mais legitimidade ao protesto do cidadão do que ao grupo de polícias de choque que se tornam violentos. Não consigo entender a violência policial, porque são mais poderosos. É incrível como um polícia sozinho consegue estar ali para ajudar os cidadãos, e no coletivo isso nem sequer aconteça.

MHD: Os teus filmes são sobre espanhóis e abordam os problemas do teu país, mas poderiam muito bem ser sobre qualquer outra parte do mundo. Porque achas que assumem uma perspectiva universal?

Fico bastante contente que me digas isso. Estamos a contar a história que queremos que interesse a todo o tipo de espectadores. Estamos conscientes, no entanto, que estamos muito colados à nossa realidade, à espanhola. Se falas da violência e corrupção, claramente que esse não é só um mal de Espanha, mas de todo o mundo.

Eu quando vejo um filme como “Madre“, percebo que a realidade contada é diferente à espanhola. A trama aí fala-nos de sentimentos, de frustrações, e são coisas com as quais todos nos poderemos identificar. Essa é a parte mais bonita do cinema, ou de toda a ficção porque também acontece com a literatura.

Antidistúrbios
Bastidores de Polícia de Choque © Movistar+

MHD: Em termos de montagem, a série “Polícia de Choque” tem um ritmo rápido, intenso, como um plano sequência…

Para mim a montagem de “Polícia de Choque” precisava de ser assim nos primeiros episódios. Precisava de mostrar emoções à flor da pele, sequências bastante caóticas.

Porém à medida que a trama avança, esse recurso é menos habitual. Eu queria que fosse menos violento, mais seco e mais documental, entendes? Queria partir do mais agressivo, ao mais suave, por assim dizer.

MHD: Trabalhas regularmente com a Isabel Peña. Algum de vocês imagina escrever sozinho? 

Imagino-me a escrever sozinho, mas acho que vai ser difícil. Escrever com a Isabel tem sido maravilhoso e tem tantas coisas bonitas. Se tenho escolher, prefiro mil vezes escrever um argumento com a Isabel. Escrever acompanhado é para mim mais simples. Contudo, tenho um objetivo pessoal, de escrever alguma vez sozinho. Acho que o momento poderá chegar, isto porque a Isabel a qualquer altura pode estar demasiado ocupada…

MHD: E como é que se organizam? 

Rodrigo Sorogoyen: Organizamo-nos muito bem. Não é o método de cada um faz isto, isto e isto. Consoante os trabalhos que temos acumulados, o nosso trabalho enquanto dupla tem-se alterado. O que fazemos inicialmente é falar bastante e evidentemente tudo o que falamos apontámos. Falamos das personagens, das razões pelas quais queremos contar uma história. Foi o que fizemos em “Polícia de Choque“, em que chegámos a conversar com polícias de choque, assim como em “El Reino”, na qual lemos muito livros, vimos muitas notícias… Há um período bastante intenso, longo e muito divertido na qual as cenas vão desabrochando.

Rodrigo Sorogoyen
Bastidores de Polícia de Choque © Movistar+

Depois começam a surgir as cenas nas nossas cabeças, começamos a decifrar diálogos. Posteriormente separamo-nos e cada um segue o seu caminho. Eu fico responsável por escrever uma metade do filme, ela outra. Quando eu recebo a parte dela faço notas e ela faz o mesmo com o meu texto.  Às vezes concordamos, às vezes temo-nos que convencer um ao outro.

MHD: Tens algum detalhe sobre os teus próximos projetos que nos poderias revelar? 

Rodei um filme em outubro que agora está em pós-produção. Neste filme não há bons nem maus. Há suspense e há violência, mas de todas as maneiras acredito que seja um filme muito diferente aos que já fiz, porque fui em direção ao mundo rural.

A trama passa-se numa aldeia, entre as montanhas da Galiza, onde existe muita natureza. Não tem a linguagem urbana de, por exemplo, “O Reino”. Sinto que foi uma experiência bastante estimulante, porque filmei algo pouco diferente, fora da minha zona de conforto.

“Polícia de Choque” (“Antidisturbios”, no título original) já está disponível no catálogo da Disney+. 

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