Sofia Coppola | A princesa herdeira da Nova Hollywood

Filha de um dos grandes realizadores da História do Cinema Americano, Sofia Coppola é uma autêntica princesa da sétima arte que se tem vindo a afirmar como uma das mais importantes autoras da contemporaneidade. Os seus estudos sobre a cultura de celebridade e seu poder alienante são especialmente magistrais e valeram-lhe a honra de se tornar na terceira mulher a alguma vez ter sido nomeada para o Óscar de Melhor Realização.

 

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Francis Ford Coppola e Sofia Coppola na noite em que ela ganhou o Óscar por LOST IN TRANSLATION (2003)

 

Francis Ford Coppola é um dos mais importantes realizadores americanos de sempre, sendo que O Padrinho, a sua sequela, A Conversa e Apocalypse Now constituem quatro das indisputáveis obras-primas do movimento da Nova Hollywood nos anos 70. A sua irmã é Talia Shire, uma atriz já nomeada a dois Óscares, cujos filhos são Jason e Robert Schwarzman, atores, músicos e cineastas. Por seu lado, August Coppola, o irmão mais velho, foi um respeitado académico e executivo de cinema assim como o pai do ator vencedor de um Óscar Nicolas Cage. A esposa de Francis é Eleanor Coppola, também ela uma realizadora tanto de obras de ficção como de trabalhos documentais. O casal teve três filhos, Gian-Carlo, um produtor que faleceu com apenas 22 anos, Roman, um cineasta e argumentista conhecido pelas suas colaborações com Wes Anderson, e, é claro, a cineasta Sofia Coppola.

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Publicamente, Sofia foi inicialmente vista como uma privilegiada princesa cuja celebridade e sucesso eram meros produtos de nepotismo. Afinal, trata-se de alguém que, desde o berço, respira o ar rarefeito que enche o Olimpo californiano das celebridades, onde noções de “banalidade” estão diabolicamente distantes da realidade vivida pelos comuns mortais. Por isso mesmo, não é surpreendente constatar que a perspetiva de Coppola está limitada por um tipo de privilégio quase impossível de imaginar. No entanto, seria muito injusto dizer que ela é alguém que se deixa sufocar pela sua própria miopia social, tendo vindo a demonstrar com os seus vários projetos como a sua vivência extremamente particular lhe permite examinar, com incomum astúcia e intimidade, a cultura de celebridade, alienação e materialismo extremo tipificado pelas elites de Hollywood.

 

 

Seguindo essa linha de pensamento, todos os seus filmes são íntimas críticas socioculturais e, apesar de ser verdade que a carreira de Sofia Coppola dificilmente teria começado de modo tão fácil sem o poder do seu apelido, é impossível negar que a realizadora tem provado ser uma das mais importantes autoras do cinema americano atual. A sua primeira curta-metragem, Lick the Star, demonstrou logo uma incomum segurança atrás das câmaras assim como uma soberba capacidade para cristalizar uma perspetiva juvenil, alienada e intrinsecamente feminina sem condescendências, sentimentalismos ou julgamentos morais. Tais características viriam a intensificar-se com a primeira longa-metragem da realizadora, As Virgens Suicidas, que estreou no Festival de Cannes de 1999. Foi aí que Coppola conheceu Jane Campion que, depois de ter perdido a oportunidade de conhecer a promissora Lynne Ramsay no festival do ano anterior, não quis deixar de se apresentar à jovem Coppola que, aos olhos da realizadora de O Piano, se tratava de uma das mais promissoras vozes do cinema contemporâneo.

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AS VIRGENS SUICIDAS (1999)

 

De facto, é fácil perceber o entusiasmo de Campion quando examinamos o glorioso filme adaptado do romance de Jeffrey Eugenides sobre um grupo de irmãs nos subúrbios de Detroit nos anos 70, que são progressivamente isoladas pelos seus pais conservadores até ao ponto em que cometem suicídio coletivo. É difícil acreditar que esta é uma longa-metragem de estreia, tendo em conta a mestria formalista que Coppola exibe, assim como a sua perspicácia concetual. Este é um filme encoberto por uma névoa de fatalismo nostálgico que, ao tornar as suas protagonistas em abstrações lembradas por um grupo de rapazes apaixonados, proporciona uma eletrizante representação da efemeridade da juventude, da ferocidade emocional da adolescência, da dor da solidão crónica e da trágica mortalidade que assombra tudo o que vive, quer seja um grupo de irmãs ou uma comunidade suburbana à beira do apocalipse económico.

 

SOFIA COPPOLA
LOST IN TRANSLATION (2003)

 

Apesar de uma reação relativamente calorosa, tanto da parte do público como da crítica, As Virgens Suicidas não foi bem o filme que tornou Sofia Coppola num nome de peso para a cinefilia mundial. Esse filme foi o famosíssimo Lost in Translation, estreado em 2003. Como uma estrela de cinema já fora dos seus anos de glória e a deprimida esposa de um fotógrafo de celebridades, Bill Murray e Scarlett Johansson dão duas das melhores prestações das suas carreiras, criando, com a ajuda de Coppola, um lacerante retrato de dois desconhecidos que encontram um no outro uma peculiar ligação emocional. Barreiras de linguagem e cultura contribuem para a alienação destes dois americanos a deambular por Tóquio como espectros, mas é a elegância formal da realizadora que torna a sua melancolia em algo palpável para o público, algo avassalador, mas que, mesmo assim, é praticamente impossível de expressar verbalmente. Pelos seus esforços, Coppola recebeu três indicações para os Óscares, incluindo para Melhor Realização e acabou por ganhar o troféu para Melhor Argumento Original.

 

MARIE ANTOINETTE (2006)

 

O sucesso de Sofia Coppola foi algo venenoso para a sua carreira tal como a estreia de Marie Antoinette no Festival de Cannes de 2006 veio a provar. Quando o filme foi recebido com apupos e depois foi dilacerado pela crítica, terminou o período de aclamação generalizada para a cineasta. Muitos acusaram a realizadora de indisciplinada estilização, mas as escolhas musicais anacrónicas e inclusão de um par de Converse numa montagem hedonista foram, para Coppola, uma maneira de obstinadamente visualizar a sua tese sobre a regente mais trágica da História francesa. No filme, não estamos a ver uma análise da figura histórica e política de Marie Antoinette, mas sim um retrato impressionista de uma jovem monstruosamente insulada pelo seu privilégio monárquico, de tal modo que a desconexão que ela tem do “mundo real” acaba por se provar mortal. De certo modo, este é o filme mais trágico da realizadora, assim como o seu mais belo e preso à psique ingénua da sua protagonista e seus inebriantes devaneios epicúrios.

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SOMEWHERE (2010)

 

Depois de todo o vitríolo lançado contra Marie Antoinette, Coppola parece ter decidido cortar laços com qualquer tipo de preocupação populista, deixando-se cair nas indulgências formalistas que há anos o seu trabalho ameaçava revelar. Somewhere, que ganhou o Leão de Ouro em Veneza, é o mais pessoal filme de Coppola e é também o seu mais alienante, especialmente no que diz respeito ao seu ritmo glacial. Tendo em conta que o filme é, em parte, um estudo de celebridade sobre inação, estagnação humana e a espera eterna no purgatório do Chateau Marmont, essa abordagem é concetualmente justificável, e até genial, mas não deixa de ser muito abrasiva para o espetador comum. Ainda no panorama da amoralidade e alienação autoimposta das elites materialistas de Los Angeles, Coppola fez The Bling Ring, uma sátira acídica sobre adolescentes criminosamente obcecados com o ato de possuir bens luxuosos, que foi baseada em factos reais e demonstra a realizadora novamente em estado de graça formalista.

 

SOFIA COPPOLA
THE BLING RING (2013)

 

The Bling Ring foi relegado à secção paralela do festival, Un Certain Regard, mas, este ano, a realizadora voltou finalmente à competição principal do festival de cinema mais celebrado do mundo com The Beguiled, uma adaptação literária de um melodrama gótico passado no sul dos EUA durante a Guerra de Secessão. Apesar de semelhanças às Virgens Suicidas, a própria realizadora veio apontar este filme como uma grande mudança para si enquanto cineasta, especialmente em termos de texto e ritmo. Há até quem diga em gozo que o filme tem mais diálogo que toda a filmografia anterior da realizadora combinada.

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Uma coisa é certa, independentemente de quaisquer desafios autorais, o filme foi muito bem-recebido e até foi honrado na Cerimónia de Encerramento do Festival. Sofia Coppola tornou-se na segunda mulher a ganhar o Prémio da Mise-en-Scène, depois de Yuliya Solntseva em 1961, e Nicole Kidman ganhou um prémio especial do júri em reconhecimento do seu trabalho em quatro projetos grandiosos que foram exibidos na 70ª edição do festival, incluindo The Beguiled.

 

 

O que pensas sobre o cinema de melancolia e alienação de Sofia Coppola? Julgas que a realizadora merecia ter-se tornado na segunda realizadora a ganhar a Palme d’Or por The Beguiled? Deixa as tuas respostas nos comentários!

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