10 musicais para ver antes de La La Land | Sweet Charity

Apesar de numerosos problemas, Sweet Charity (1969) merece o seu lugar nesta lista devido à sua grande influência sobre um dos melhores números musicais de La La Land.

 


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De todos os filmes nesta coleção de obras que inspirou La La Land, é seguro dizer que não há nenhum de qualidade e mérito mais dúbio e discutível que Sweet Charity. O filme foi a estreia de Bob Fosse como realizador depois de uma ilustre carreira enquanto bailarino e coreógrafo dos palcos e do grande ecrã. Para além disso, Sweet Charity é efetivamente um remake americano de um dos maiores triunfos de Federico Fellini, o transcendente Noites de Cabíria. Para além das diferenças linguísticas e o facto de um filme ser um drama original e o outro uma adaptação de um musical da Broadway, enquanto a protagonista das Noites de Cabíria é abertamente uma prostituta, Sweet Charity é sufocado pelos moralismos americanos. Este musical oculta muito mal a verdadeira profissão da sua protagonista, através do subterfúgio das danças de aluguer (taxi dancing).

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Esta pequena descrição já será suficiente para colocar muitos cinéfilos a espumar da boca e despertar acusações de sacrilégios artísticos mas as ofensas não terminam aí, muito pelo contrário. A substituir Giulieta Massina, que tem em Cabíria uma das melhores prestações da História do cinema, e Gwen Verdon, que originou a versão musicada da personagem, esta adaptação de Sweet Charity conta com Shirley MacLaine. Normalmente, isso não seria nenhum sinal de alarme, especialmente se considerarmos as semelhanças entre a personagem e o papel que valeu à atriz a sua primeira e muito merecida indicação para os Óscares em Some Came Running. A verdade é que a irmã de Warren Beatty tem aqui uma das piores prestações da sua carreira. Nem tudo é mau obviamente mas, de forma geral, a sua abordagem maníaca é mais irritante que ilustrativa de qualquer tipo de doce ingenuidade.

A piorar a situação, a audiência tem de suportar essa estridente personagem durante quase duas horas e meia, uma duração que o filme nunca chega perto de justificar. Parte da culpa cai certamente nos ombros do guionista Neil Simon, um dramaturgo que estava meramente a começar o seu reinado de terror sobre o drama de prestígio de Hollywood, mas é impossível ignorar os problemas na direção e encenação de Bob Fosse. Por muito geniais que sejam todos os seus filmes seguintes, Sweet Charity tem todas as marcas de um realizador estreante que ainda não descobriu bem o seu estilo e tais inseguranças em nada beneficiam um projeto desta escala. Desde momentos no Central Park que trespassam uma inequívoca incompetência e dolorosa dependência por enfadonhos grandes planos, até ao bizarro uso de cross fades e generosas montagens de freeze frames, Fosse parece estar a fazer tudo ao seu alcance para se sabotar a si mesmo.

O que realmente é de lamentar é que esses tropeços de estreante acabam por ofuscar os momentos de verdadeiro génio que este mestre coreógrafo já aqui mostrava no que dizia respeito à realização de filmes. Sweet Charity está pejado de magníficas imagens, como Shirley MacLaine vestida de vermelho e abraçada pela escuridão de um camarim vazio ou as faces melancólicas meio jubilantes de Paula Kelly e Chita Rivera (de longe, as melhores prestações do filme) num tableau de despedida. Ninguém deve ficar admirado, no entanto, se dissermos que é nos momentos musicais mais ricos em complicada coreografia que o filme realmente brilha e onde Bob Fosse mostra a sua mestria por detrás das câmaras e enquanto criador de sedutores jogos de movimento corporal e ritmos precisos.

O número mais famoso do filme é “Hey, Big Spender” e é difícil discutir com tal escolha popular pois, entre elementos ironicamente ilustrativos, uma coreografia brilhantemente limitada e as faces pintadas das atrizes, a cena é a parte do filme que mais se aproxima do estatuto de “icónica”. Não obstante a qualidade desse momento que parece pressagiar o sucesso de Cabaret, a influência de Sweet Charity em La La Land incide mais especificamente em duas outras canções da primeira metade do filme (a segunda é melhor ser esquecida). Falamos, pois claro, de “Rich Man’s Blues” e “There’s Gotta be Something Better Than This”, dois números que são homenageados por Damien Chazelle durante “Someone in the Crowd” em La La Land.

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O primeiro número mencionado é uma orgiástica mostra do melhor que Fosse conseguia fazer enquanto coreógrafo (não esqueçamos que o seu estilo pessoal foi algo revolucionário quando apareceu nos palcos), e, apesar de ser quase uma paródia das elites sociais da época e suas afetações, foi para Chazelle uma visão de inebriante sofisticação. É por isso que todos os homens na cena de festa de La La Land estão vestidos de preto, sendo que, na mesma cena, as roupas em cores sólidas das figuras femininas são uma referência ao trio de atrizes do segundo número mencionado. Com tudo isto dito, entre três fantásticos números e outros tantos com diferentes níveis de sucesso ou fracasso, assim como duas verdadeiras prestações de diva, belíssimos figurinos desenhados por Edith Head e alguma da melhor coregrafia que o cinema musical americano já teve, há muito para se apreciar em Sweet Charity. Por isso mesmo sugerimos o seu visionamento e é claro que, para diferentes audiências, o filme pode guardar mais prazeres do que aqui foram reconhecidos.

 


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Apesar do star power de Shirley MacLaine e do sucesso do musical na Broadway, a versão cinematográfica de Sweet Charity foi um fracasso de bilheteiras. As duas próximas páginas também se vão focar em flops musicais realizadas por dois nomes luminosos do movimento New Hollywood Cinema mas, ao contrário do filme de Bob Fosse, o seu fracasso comercial em nada reflete o seu valor artístico.

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