"The Father" | © Sony Pictures Classics

The Father, em análise | Made in USA

Anthony Hopkins e Olivia Colman estão extraordinários em “The Father”, a adaptação cinematográfica de uma peça sobre o horror da demência e o sofrimento daqueles que testemunham o definhar dos seus entes queridos. O filme e seus atores podem estar na senda do Óscar.

Todos estamos condenados a morrer. Aqueles que têm a benesse de ver esse fado somente depois de uma longa vida vêem-se a pagar um preço cruel – envelhecem. O peso da idade esmaga, não só aqueles que o sofrem como aqueles que testemunham o sofrimento. Para certas pessoas, o fim não é um ponto final súbito e misericordioso, mas um romance comprido que se estende por anos. Antes de o corpo dar de si, a mente vai desmoronando, suas fundações arruínam-se e tudo se precipita para um buraco negro, um lago profundo e escuro feito de memórias esquecidas.

É a crueldade da natureza, de se viver e ser humano. Enfim, não vale a pena chorar sobre o inevitável, mas podemos ponderar o que sofremos e vamos sofrer, estender empatia aqueles que passam por isso, que já passaram e os que vão passar. O cinema, qual máquina de entendimento, é capaz de nos fazer ver o mundo pelos olhos de outrem, experienciar o tempo como o pesadelo fragmentado de alguém para quem o relógio é um inimigo incompreensível e o calendário uma incógnita. Tanta palavra floreada para dizer que é difícil fazer arte sobre envelhecer, sobre o extravasar da mente, mas quando é bem feito, os resultados podem ser estupendos.

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© Sony Pictures Classics

Assim acontece com “The Father”, o primeiro filme realizado pelo encenador e dramaturgo francês Florian Zeller. Adaptando a sua própria peça com a ajuda de Christopher Hampton, o realizador estreante propôs-se a traduzir uma experiência teatral para idiomas cinematográficos. Longe de cair no erro de tantos outros artistas que tentaram essa transferência, ele moldou o texto às capacidades únicas da sétima arte e esqueceu os paradigmas do palco. Nomeadamente, Zeller construiu um filme baseado na experiência subjetiva das suas personagens, o modo como a visão de duas pessoas a passar pela mesma experiência se sobrepõe e causa caos.

Essa experiência resume-se ao definhar de um senhor de idade chamado Anthony. Apesar de ele muito apreciar a sua independência, o advento da demência cria uma situação insustentável e ele vê-se obrigado a ir viver com a filha e seu marido. Ou será que a história é diferente? Possivelmente, a filha vai viver para Paris e precisa de o deixar com auxílio doméstico para o ajudar quando se esquece de coisas como o dia, onde está e quem é. Ou então ele está num lar, rodeado de estranhos. A verdade é difícil de esmiuçar por entre a neblina de confusão deliberada que a montagem, o cenário e até as escolhas de elenco promovem.

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O mais lacerante é que, enquanto espetadores, vimos isso tanto dos olhos de Anthony como da filha. Se a perspetiva dele é um filme de terror onde nada é constante e até o fluxo do tempo parece mudar a seu belo prazer, a história da filha é um suplício de coração partido. Quiçá “The Father” arrisca tombar numa exploração pornográfica de miséria alheia, não fosse a elegância do seu engenho formal e a claridade emocional que os atores trazem ao projeto. Mesmo quando o texto puxa a lágrima, os intérpretes estão prontos para contrariar o sentimentalismo e ancorar o filme em registos honestos, autênticos, mais perto do realismo seco do que do melodrama.

Anthony Hopkins já foi muito elogiado pela crítica internacional e é fácil perceber a razão para tal. O seu desempenho do papel titular é um assombro de inteligência performativa. Todos os seus tiques de ator, suas muletas oficiosas, são tornadas em características basilares da performance. Se Anthony parece um pouco teatral, é porque a personagem tenta compensar o esquecimento com uma mostra de confiança meio oca. Se seu olhar parece meio vago e nervoso, é porque o homem procura pistas contextuais para entender o que se está a passar. É uma tour-de-force!

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© Sony Pictures Classics

Com isso dito, ainda mais impressionante é Olivia Colman no papel de Anne, a filha do pai envelhecido. Ao invés da transparência comportamental que Hopkins traz ao filme, ela tem de pôr uma expressão serena e sugerir a tempestade que vive no interior da mulher. Seus sorrisos são rasgados, mas sentimos os arames metafóricos que os seguram. Sua cadência calma é uma fachada que tenta esconder o tormento de quem vê aqueles que ama esfumarem-se diante dos seus olhos. A dor de uma filha cujo pai não sabe quem ela é trata-se de algo excruciante e “The Father” cristaliza o sentimento com uma astúcia assustadora.

The Father, em análise
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Movie title: The Father

Date published: 24 de February de 2021

Director(s): Florian Zeller

Actor(s): Anthony Hopkins, Olivia Colman, Olivia Williams, Imogen Poots, Mark Gatiss, Rufus Sewell, Ayesha Dharker

Genre: Drama, 2020, 97 min

  • Cláudio Alves - 85
  • José Vieira Mendes - 90
  • Maggie Silva - 89
88

CONCLUSÃO:

O melhor filme de terror do ano chama-se “The Father” e o monstro no seu centro é a passagem impiedosa do tempo, a traiçoeira fragilidade da mente humana, a crueldade do envelhecimento. Com performances titânicas, o filme afirma-se como um candidato de peso na corrida aos Óscares, mas o seu valor é muito maior que isso. Florian Zeller prova ser um realizador destemido e seus jogos de montagem são especialmente merecedores de aplausos. Um filme que nos espezinha o coração.

O MELHOR: Colman e Hopkins, a montagem de Yorgos Lamprinos, a cenografia de Peter Francis.

O PIOR: A fotografia é desinspirada quando se compara com os outros aspetos formais da película. Bem Smithard tem um estilo de iluminação meio televisual que não se coordena muito bem com o experimentalismo que Zeller está a trabalhar noutras áreas. É uma tristeza que um filme tão ritmicamente interessante seja tão fotograficamente frouxo.

CA

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