Pulp em "A Film About Life, Death, and Supermarkets" (por Florian Habicht)

10 melhores álbuns de Britpop

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Retratando o restrito período e espaço da cena do Britpop, reunimos os dez álbuns essenciais para compreender o género.

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A história da música popular já assistiu várias vezes ao surgimento e desaparecimento de géneros musicais. Embora seja comum enquadrar o fenómeno entre influenciadores e influenciados, o motor que propulsiona o nascimento, vida e morte de um género é sempre difícil de inventariar, em especial quando as três fases se desenrolam num reduzido espaço, tanto geográfico como temporal. A cena do Britpop surgiu em Inglaterra e considera-se que se tenha estendido de 1993 a 1997. Contudo as definições espácio-temporais raramente são satisfatórias, uma vez que acabam por deixar de fora algumas das obras significativas do género.

Considera-se que o Britpop tenha surgido como a resposta britânica ao grunge americano e ao também britânico shoegaze, que se debruçavam sobre temas mais sombrios. (Curiosamente, esta ligação foi evidenciada de forma clara quando o apogeu comercial do género, os anos de 1994 e 1995, se iniciou com a morte de Kurt Cobain, em abril de 1994.) Paralelamente, o Britpop não teve vergonha de assumir uma abordagem otimista e lúdica a assuntos também relevantes para os jovens britânicos da altura, como a classe trabalhadora, experiências sexuais e o orgulho nacionalista. Mas não era só nas temáticas que o género se apresentava como uma alternativa. As bandas de Britpop conseguiam um equilíbrio entre o indie e a pura atractividade pop. Tinham o glamour que o grunge rejeitava, mas sem cair no domínio da estrela pop distante.

10 melhores álbuns de Britpop
The Stone Roses

Tudo isto trazia à memória a música pop britânica da década de 60, nomeadamente os Beatles. E embora fossem a influência mais óbvia, não foram a única. É difícil imaginar qualquer um dos álbuns desta lista sem o glam rock e o punk rock da década de 70 ou o indie pop dos anos 80. Os Stone Roses são também um nome importante para a génese, cujo álbum de estreia é tanto considerado uma das maiores influências do género como também um dos melhores do cânone do Britpop por muitos (Spoiler alert: nós incluídos). Não só os Stone Roses mas também os Happy Mondays e toda a restante cena de Madchester foi central neste nascimento, bem como outras bandas britânicas emblemáticas, nomeadamente The Smiths, The Kinks e XTC.

Numa lista tão reduzida quanto esta que propomos, todos os álbuns parecem concorrer por um lugar bem alto e torna-se difícil chegar a um consenso, visto que depois de reconhecida a qualidade e importância para o movimento, a ordenação destes discos nasce da fusão das sensibilidades dos vários votantes. Dizendo isto, mais do que uma ordenação vinculativa, esta lista procura retratar um período e um espaço muito restrito, apresentando aqueles que foram os registos mais influentes e merecedores da atenção de qualquer um. Incluímos alguns dos álbuns que perfizeram o apogeu do britpop mas contamos também com outros que acabam por estar nos limites do espaço temporal que lhe é atribuído, o que de certa forma nos permitiu acompanhar a evolução que se deu durante estes anos. Para todos aqueles cujo contacto com o britpop se resume à banda sonora do Trainspotting, aqui fica o desafio de conhecer o que de icónico nele se fez e a promessa de que, não só reconhecerão algumas das faixas, como descobrirão outras ainda melhores.

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10. I Should Coco, Supergrass (1995)

Britpop em 10 melhores álbunsApesar de promissores e de admirável juventude, os Supergrass mantiveram-se fora do pódio do britpop. Só conquistaram os charts nacionais em 1995 com o debute I Should Coco, e graças sobretudo ao sucesso do quinto e último single, “Alright” – depois de 26 anos e cinco novos álbuns, a canção ainda é o êxito indisputável do grupo. Tanto em dívida como ofuscado pelo seu mais popular single, I Should Coco afirmou-se mesmo assim neste curto reinado de positivismo britânico da década de 90.

Aclamados pela imprensa inglesa e por bandas como Blur e Elastica, o trio de Oxford – Gaz Coombes, Mick Quinn e Danny Goffey – juntava um punhado de influências de bandas dos anos 60 e 70 com uma enérgica atitude punk. O irmão do vocalista, Rob Coombes, acabou por se juntar à banda, colaborando com o teclado. O álbum de debute é feito do mesmo espírito celebratório que todo o movimento britpop. I Should Coco exalta a juventude, na ironia e inconsequência, durante a qual nada importa para além da diversão. A aura punk que exala do disco deve-se a isso mesmo: um som divertido de tocar depois das aulas com os amigos. Tomando novos caminhos para a sua discografia, os Supergrass saíram da garagem de casa dos pais e cresceram. Presos ao nostálgico som de I Should Coco, poucos foram os fãs que cresceram com eles. (Tomás Marques Pereira)




9. The La’s, The La’s (1990)

Britpop em 10 melhores álbunsNo início da década de 90, o grunge começava rapidamente a afirmar-se como o movimento musical americano, com bandas como os Nirvana e os Soundgarden a ganharem uma poderosa popularidade. Em resposta a este movimento americano e ao shoegaze britânico, no Reino Unido formavam-se as bases do que, mais tarde, seria o britpop. Um dos primeiros álbuns a dar início a este género foi The La’s dos The La’s.

Gravado entre julho de 1987 e maio de 1990 com a ajuda de diversos produtores, o álbum foi um sucesso instantâneo, com os singles “There She Goes” e “Timeless Melody”, sendo que ambas as músicas atingiram o UK Singles Charts. Embora extremamente bem recebido, este tornou-se o único álbum de estúdio da banda. Ainda assim, ficou para sempre na memória daqueles que o ouviram e chegou mesmo a ser ficar em 135º lugar na lista dos 500 melhores álbuns de sempre da NME.

Ao longo dos 35 minutos da obra, o ouvinte encontra uma compilação de músicas que incorporam diversos géneros, desde indie pop até jangle rock. Embora de curta duração, a imprevisibilidade do álbum revela-se extremamente cativante, sendo que a audiência tanto se depara com uma balada mais pausada como “Timeless Melody”, como, de seguida, escuta uma energética canção de rock alternativo, como “Feelin’”. Todas as doze músicas foram escritas pelo vocalista Lee Mavers, que revela a sua capacidade de compor letras que são, simultaneamente, inspiradas e intrigantes. O melhor exemplo disto é certamente o êxito “There She Goes”, que, superficialmente, aparenta ser uma música de amor, mas, após uma segunda análise, também pode ser vista como uma descrição do vício de heroína. Porém, o que mais se retém de todo o álbum é certamente a animação que emana de cada canção.

Desde “Son of a Gun” até à última canção, a introspetiva “Looking Glass”, os originários de Liverpool apresentam ao ouvinte um alegremente energético álbum que facilmente cativa qualquer um e merece, indubitavelmente, ser ouvido por todos. (Tomás Fonseca)




8. Urban Hymns, The Verve (1997)

Britpop em 10 melhores álbunsO Urban Hymns foi lançado já no último ano do período no qual se compreende o movimento do britpop. Em 1997 os Oasis e os Blur já disputavam o topo das charts, os Pulp já tinham vencido o Mercury Prize com o Different Class e, apesar dos seus anteriores lançamentos, os Verve nunca se tinham conseguido destacar notoriamente. Além disso, Nick McCabe, responsável pela guitarra que dominara o material que a banda lançara até àquela altura, abandonara o grupo.

Urban Hymns surge assim, não como o primeiro registo da banda, mas como o primeiro que foi realmente bem-sucedido, contando com o regresso de McCabe e com a junção de Simon Tong na guitarra. As paisagens sonoras que antes eram ocupadas pela agressividade da guitarra de McCabe foram substituídas por dedilhares mais suaves e melódicos que dotaram a banda de uma leveza que não só surpreendeu antigos seguidores como atraiu novos. É inegável a inserção de Urban Hymns naqueles que foram os álbuns que marcaram este movimento cultural, sente-se a presença dos Oasis nos refrães melódicos repletos de versos espirituosos e confiantes e pressente-se a fusão com o experimentalismo herdado dos Blur. Mesmo assim, há algo em Urban Hymns que se adequa ao ano em que foi lançado e que parece profetizar o fim de uma era. (Margarida Seabra)




7. Dog Man Star, Suede (1994)

Britpop em 10 melhores álbunsCom quase trinta anos de existência, Dog Man Star é ainda hoje um álbum polarizante, sendo sobrevalorizado na visão de muitos. Para uns, é ambicioso. Para outros, pedante. Enquanto uns o vêem como inovativo e marcante, na opinião de outros não passa de um mero cosplay de Bush, Morrissey e Bowie. Mas todos concordam que, para bem ou para mal, é uma peça irrepetível. A tensão dentro dos Suede é sentida ao longo de todo o alinhamento. Dentro do grupo não havia consenso. Os impulsos mais experimentais do guitarrista Bernard Butler não eram bem recebidos pelos restantes integrantes, tendo Butler deixado a banda antes de o registo estar sequer terminado. Para além disso, Dog Man Star é a tentativa dos Suede se distanciarem do mesmo género que, anos antes, ajudaram a criar e que lhes era tão natural. As complicadas dualidades resultaram num dos melhores álbuns Britpop, surpreendentemente coeso e estruturado, e que ao mesmo tempo transcende o género, chegando a não se rever nele. Sem medo do excesso, faz uso de orquestrações exageradas como em “Still Life”, oferecendo-nos o glamour e todas as emoções de um melodrama da era clássica de Hollywood, ao passo que “The Wild Ones” é inconfundivelmente a Inglaterra dos anos 90. Dog Man Star não é um álbum perfeito, mas dificilmente haverá outro que una de forma tão harmónica tantos contrassensos numa catarse íntima e vulnerável, mas sempre monumental. (Pedro Picoito)




6. Six, Mansun (1998)

Britpop em 10 melhores álbunsContrariamente à simplicidade melódica, voltada para o lucro, da sonoridade dos Oasis, o britpop progressivo dos Mansun nunca granjeou grande sucesso comercial. As ecléticas referências literárias e os versos ambíguos que acompanham as composições da banda, híbridos de glam e art rock repletos de imprevisíveis curvas e contracurvas, contribuíram para o afugentamento de uma audiência apaixonada por refrões hínicos e penteados à tijela. Como se tal não bastasse, Six sucedeu uma estreia negligenciada nas retrospectivas de 1997. Forçado a batalhar por um lugar nas listas de final de ano com colossos da música alternativa, entre os quais O.K. ComputerMezzanineAttack Of The Grey Lantern foi vítima do espaço e tempo britpop, tendo dificuldade em encontrar uma casa no universo da catalogação musical e terminando esquecido entre fiéis retratos dos géneros em voga.

Six consolida as ideias exploradas em Attack Of The Grey Lantern, partindo de rascunhos melódicos desenvolvidos por Paul Draper e Dominic Chad durante soundchecks, tal como no autocarro de digressão e em quartos de hotel. O potencial criativo transborda nas faixas do segundo álbum de estúdio dos Mansun e esta imensa vontade de auto-superação torna Six, como um todo, num disco frequentemente caótico e, acima de tudo, comercialmente inviável. No fim, transparece a garra e a bravura de um grupo que, conscientemente, tomou a decisão de abdicar da fama em prol de uma sonoridade ímpar, ainda para mais durante uma fase em que a fórmula britânica do sucesso era adivinhável a léguas de distância e facilmente replicável. (Diogo Álvares Pereira)




5. Elastica, Elastica (1995)

Britpop em 10 melhores álbunsO fim de um namoro pode ser daqueles acontecimentos que culminam num ponto de viragem na carreira de muitas pessoas, entre elas Justine Frischmann. Deixou a banda Suede, que começara com o então namorado Brett Anderson, e começou aquela que iria ser a sua grande empresa. Decidiu formar uma banda nova e recrutou os restantes três membros através de anúncios. Quem respondeu foi Justin Welch, Donna Matthews e Annie Holland, e o alinhamento era definitivo em 1993. Assim nasciam os Elastica.

O primeiro single fez furor, quando saiu em 1993. “Stutter” foi o sucesso que precedeu a estreia de “Line Up”, single também bem sucedido, que as alegações de apropriação musical não prejudicaram excessivamente. No ano seguinte, porém, o hit “Connection” sofria com as mesmas acusações de plágio, acabando a banda por resolver estas contendas mediante acordos amigáveis com ambas as editoras dos The Stranglers e dos Wire. Existia algo naquele grupo que intrigava o público, mas, por suspeita que isso fossem as suas vidas pessoais, os membros dos Elastica não deram entrevistas e raras foram as suas aparições públicas durante os seis meses antes do lançamento do seu álbum de estreia, “Elastica”. O carisma da banda caracteriza-se fortemente pela irreverência nas letras e harmonia nos sons, ambas pegadas muito cativantes. A emancipação das mulheres e a recusa de Frischmann em sentir-se minimamente oprimida devido ao seu sexo resultaram nuns Elastica androgénicos em cujas canções a sexualidade é um tema frequente. Aspetos como estes culminam num certo know how, que reside em Frischmann e Matthews poderem escrever sobre tudo (desde drogas a groupies) abertamente, e isso ser um sucesso.




4. Definitely Maybe, Oasis (1994)

Britpop em 10 melhores álbunsApenas uns meses após a morte de Kurt Cobain, em Agosto de 1994, os Oasis lançaram o seu álbum de estreia, Definitely Maybe. Numa clara réplica à estética despojada e sarcástica do grunge, os Oasis chegavam com uma proposta revigorante repleta de uma atitude exacerbadamente energética e positiva. Se um ano antes, os Nirvana se tinham despedido em In Utero com “I Hate Myself And I Want To Die”, a “Live Forever” rapidamente se tornou a faixa mais popular do álbum de estreia dos Oasis.

Apesar do inegável sucesso do seu segundo álbum, (What’s the Story?) Morning Glory, é em Definitely Maybe que sobressai a banda que consideramos merecedora de integrar este pequeno vislumbre dos cinco anos que perfizeram o movimento do britpop (até porque a originalidade que encontramos neste registo é questionável nos que o seguiram). Definitely Maybe vem carregado de um desejo de mudança e de conquista especialmente motivado pela índole dos irmãos Gallagher, que independentemente de desavenças fraternas, sabiam como aliar os versos de Noel à entrega de Liam. O álbum está repleto de um eu ostensivo, “I need to be myself/I can’t be no one-else/I’m feeling supersonic, give me gin and tonic”, que parece preso num mundo construído à sua medida em delírios motivados pelo álcool e pelas drogas. Contudo, ao mesmo tempo, as primeiras linhas de “Ciggarettes and Alcohol” dão conta de uma necessidade de concretização exterior, “Is it my imagination/Or have I finally found something worth living for?”, que se aproxime das suas idealizações mentais. Talvez mais do que o virtuosismo das letras de Noel ou a originalidade das composições da banda, o que torna Definitely Maybe um dos álbuns mais relevantes do britpop é este desejo de superação. Superar a realidade mundana, superar a inverosimilhança dos seus sonhos e, claro…superar os Blur. Agora, se o conseguiram fazer, cabe a cada um decidir. (Margarida Seabra)




3. Parklife, Blur (1994)

Britpop em 10 melhores álbunsVindos da cultura do madchester e do shoegaze, os Blur ganharam largo público em 1994 com o seu terceiro álbum, Parklife. O álbum foi um sucesso no Reino Unido, vinculando a banda ao britpop e ao mais lato movimento de orgulho na cultura nacional “Cool Britannia”. Sob a grande objetiva dos media, os Blur e os Oasis competiram pelo primeiro lugar nos charts nacionais em meados dos anos 90, no auge do movimento. A banda teve de se reinventar no final da década, quando os vestidos e guitarras estampadas com a Union Jack deixaram de estar na moda, rendendo-se à sonoridade americana.

Em canções como “Girls and Boys” vemos os ressuscitados teclados New Wave. A sonoridade de Parklife é entusiasmada, celebratória e sempre dotada de comédia – contrária à introspeção melancólica do Grunge americano, que se havia tornado no mais popular subgénero de rock do seu tempo, mas que parecia não ter lugar no Reino Unido. As letras são uma piada de família; um relato de histórias de um quotidiano exclusivo britânico. Caso flagrante é a faixa-título, em que o vocalista Damon Albran observa os parques e yards ingleses, e os seus icónicos transeuntes: o roliço amante de tarte de porco, o manifestante solitário, o rude homem do lixo que acorda a vizinhança, ou o fluorescente jogger na ronda do bairro. O ator inglês Phill Daniels, dotado de ironia e ciente dos paradoxos destas personagens tipificadas, encarna esta “vida de parque” no desempregado que se sente realizado em alimentar os pombos à tarde. (Tomás Marques Pereira)




2. Stone Roses, The Stone Roses (1989)

Britpop em 10 melhores álbunsAquando da sua vinda ao festival Vilar de Mouros, em 1996, os Stone Roses já haviam perdido o comboio da aclamação crítica. Um Second Coming medíocre e actuações ao vivo igualmente esquecíveis acabaram por ditar o trambolhão precoce de um grupo muito promissor no auge da sua carreira. Curiosamente (mas nada invulgar), este auge coincide com o lançamento do debute: The Stone Roses (1989).

O álbum de estreia dos Stone Roses serviu de referência máxima para o britpop que conquistou os charts britânicos durante a década seguinte e popularizou o movimento cultural madchester, a par dos êxitos dos Primal Scream e Happy Mondays. Apoiados por melodias de guitarra estridentes e reminiscentes das bandas de rock clássico, os ritmos dançáveis e movidos a combustível narcótico engendrados pelo baterista Remi e o baixista Mani homenagearam a música pop do passado, seguindo também na vanguarda das tendências psicadélicas adquiridas pela comunidade musical saxónica. Já a postura arrogante do vocalista Ian Brown e o seu estilo de canto apático anteviram a sensação “Irmãos Gallagher” e toda a aura de astros de rock repescada pelo britpop a bandas como Led Zeppelin e Van Halen, mas não mais que aos próprios Stone Roses e à sua ímpar ressurreição da idolatria no mundo do rock.

Se canções como “I Wanna Be Adored” e “Waterfall” facilmente cimentaram um (devido) lugar na riquíssima narrativa da música britânica, é no segmento final de The Stone Roses (1989) que o quarteto de Manchester realmente transcende. Sobre “Fools Gold” (e citando o aprendiz Noel Gallagher): “Trata-se de uma peça de música inacreditável. Como pode um artefacto tão à frente do seu tempo alguma vez envelhecer?”. E “I Am The Resurrection”? Bem, é esperar que, por altura da segunda metade da canção e após três minutos de brilhante narcisismo e soberania, o ácido lisérgico já tenha atingido o receptor de serotonina do ouvinte e ampliado a pujança natural da jam session climáctica. (Diogo Álvares Pereira)




1. Different Class, Pulp (1995)

Britpop em 10 melhores álbunsNão sei se por coincidência ou afinidade mas muitas das minhas pessoas e coisas preferidas nasceram em 1978. Entre elas, e para além de mim, os Pulp. Podia alongar-me sobre os chavões que rodeiam a banda de Jarvis Cocker. Os quinze anos na mó de baixo até à irónica reviravolta durante o auge do Britpop, no qual se viram relutantemente incluídos. O apoteótico aplauso recebido pela performance da “Common People” durante uma liderança de Glastonbury tomada de empréstimo aos esmorecidos Stones Roses, seguido da conquista do Mercury Prize pelo Different Class um ano depois, em 1996. Serem a resposta certa à competição entre os Blur e os Oasis para o título da melhor banda do movimento. Só que tudo isso não passa de fogo-de-vista a ofuscar as razões pelas quais pode ser motivo de orgulho ter nascido no mesmo ano que eles: o talento literário e teatral de Cocker, entre a sátira social e a nostalgia metafísica; e uma enfiada invejável de três álbuns que merecem à banda um lugar na memória colectiva. Da trilogia His n’ Hers (1994), Different Class (1995) e This Is Hardcore (1998), para lá de quaisquer preferências pessoais, é justo e, precisamente, comum destacar o álbum em que assenta toda a fama desta idiossincrática banda de Sheffield.

O eclectismo sonoro dos Pulp é proverbial, proteico à maneira do seu histriónico líder. Feito de influências tão díspares quanto o Merseybeat, o soft-rock da década de 70, de ABBA aos Carpenters, ou o pós-punk das cenas de Manchester e Sheffield, o art-rock da banda é em Different Class manipulado ao milímetro para acompanhar as tonalidades e acentos da narração de Cocker. Como num musical, do andamento célere e sintetizadores dançantes que servem de pano de fundo irónico à visão disfórica do álbum tão depressa se passa ao tenso stacatto que pontua a dramaticidade da interpretação como à lânguida atmosfera que conforma as emoções de certos momentos intimistas.

Mais do que um fresco da sociedade, um hino do proletariado, uma ameaça de revolução ou a sátira de deambulações turísticas por guetos e classes inferiores, o álbum é uma reflexão sobre a fronteira entre a realidade e a ilusão: “Why live in the world when you can live in your head?” Esta assume inúmeras formas, desde alucinações em raves ou estereótipos sociais de “haves against haven’ts” aos sonhos da juventude de que Deborah é a encarnação, mas a mesma queda, o mesmo inevitável despertar assinala todas elas: “In the middle of the night, it feels alright/ but then tomorrow morning/ ooh, ooh, then you come down”. No coração de uma vida a que, se transmitida pela televisão, ninguém assistiria, “this hollow feeling grows and grows”. E uma nostalgia indefinível mina a euforia instrumental, torna acre a paródia do imaginário da cultura adolescente ou do drama de cozinha, até largar sossegadamente um grito ao cosmos: “I want a refund/ I want a light/ I want a reason/ to make it through the night”. (Maria Pacheco Amorim)

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