Vodafone Paredes de Coura 2019 (foto de Margarida Ribeiro)

Vodafone Paredes de Coura | Do que mais gostámos em 2019

Passados uns tempos desde o final da edição deste ano do Vodafone Paredes de Coura, já tivemos tempo para digerir tudo o que por lá se passou. Ficam aqui os testemunhos dos quatro representantes da MHD no festival. 

DANIEL RODRIGUES

Car Seat Headrest no Vodafone Paredes de Coura, 15 de Agosto 2019 (© Margarida Ribeiro)

Na sua primeira passagem por Portugal, os Car Seat Headrest traziam na bagagem o segundo álbum editado pela Matador Records, Teens of Denial. Foi no já longínquo NOS Primavera Sound de 2016 que Will Toledo e companhia se apresentaram no extinto Palco Pitchfork para um milagre que se repete poucas vezes na vida de qualquer pessoa que tenha por hábito consumir concertos ao vivo em doses industriais. Como tal, é necessário estar atento aos sinais e não deixar fugir a oportunidade de uma vida. Naquele ano, os Car Seat Headrest, quase desconhecidos, encontraram no Porto um dos seus melhores públicos até à data, e só quem lá esteve consegue entender o quão especial aquele concerto foi. Foi de tal forma especial que, quando Will Toledo regressou a Portugal em 2017, no Vodafone Paredes de Coura, a expectativa engoliu a realidade e a desilusão foi a palavra mais ouvida para descrever o primeiro take dos Car Seat Headrest no Couraíso.

Em 2019, e já com o fabuloso Twin Fantasy (álbum do ano para a Magazine.HD) editado em 2018, redenção foi a palavra de ordem. Os Car Seat Headrest estão mais crescidos, estão mais conscientes do seu valor e de como podem domar um público sedento por saltos, gritos de euforia, mosh pits, mas também de momentos de introspeção e reflexão sobre a vida e a matéria que rodeia a nossa bolha de existência. As novas canções servem-se cruas e ruidosas (sobretudo a última, Beach Life-in-Death), mas atingem-nos como se fossem mensagens poéticas e melancólicas, límpidas e definitivamente penetrantes. Há, neste concerto dos Car Seat Headrest, uma curiosa justaposição entre o caos e a ordem. Como se o mosh não fosse só e apenas um mosh. Na verdade, naquele dia, no Couraíso, só me recordo das emoções, nunca dos encontrões.




DIOGO ÁLVARES PEREIRA

Black Midi no Vodafone Paredes de Coura, 16 de Agosto 2019 (© Margarida Ribeiro)

Aqui na Magazine.HD, nutrimos um carinho especial pelo festival Vodafone Paredes de Coura e ficámos particularmente entusiasmados com o alinhamento desta edição, que consideramos ser um dos melhores da década. Uma seleção eclética de bandas veteranas e artistas promissores, divididos por quatro dias repletos de música ao vivo de qualidade e dois palcos acarretadores de uma mística admirável. Afinal, foi neste mesmo recinto que presenciámos, em anos passados, alguns espetáculos cuja memória insiste em perdurar no tempo, quer pela performance tecnicamente exímia, a pujança e a visceralidade percecionadas nas dinâmicas da banda que tocou e na dedicada e energética audiência que testemunhou o evento ou, a um nível mais pessoal, pela distinta afeição sentida por determinado grupo e a oportunidade de nos enamorarmos novamente, agora ao vivo, pelo seu trabalho. Para quem opta por dormitar na zona de campismo, o longo e fatigante caminho necessário de percorrer para alcançar o espaço onde a magia acontece acaba por assumir a forma de teste de triagem, já que apenas os apaixonados por esta forma de arte e pelos intérpretes convidados ou os que se sentem atraídos pela descoberta e apreciação de música até então desconhecida, se empenham na árdua tarefa de abandonar o conforto da tenda e superar a desagradável ressaca matinal ou, no pólo oposto, uma noite de desassossego causada pelo já célebre grito de guerra: “Ó Elsa!”.

Todavia, o Vodafone Paredes de Coura tem muito mais a oferecer do que sucessivos cartazes multifacetados (francamente, só este factor já posiciona o festival de verão num patamar superior a qualquer outro evento de carácter similar em Portugal). A aprazível atmosfera de entreajuda, harmonia e serenidade que se vive, durante o dia, na zona de campismo é uma imagem de marca da semana passada no Minho. A incessante sensação de liberdade invade-nos a alma durante os passeios de barco no rio, as tardes de debate com os camaradas de sempre e os vizinhos de acampamento sobre as performances da noite anterior, as guitarradas “à portuguesa” e as tranquilizantes sestas após um almoço fundamentado em enlatados e a sempre presente garrafa de tinto.

Foi mesmo depois de um destes repousos pós-refeição que corri para o recinto, no terceiro dia desta edição, para marcar presença no concerto dos black midi, talentoso quarteto de instrumentistas aficionados pelo jazz livre e pela improvisação, como ficou bem assente no sublime espetáculo dado no palco secundário do Vodafone Paredes de Coura. Se no seu disco de estreia, Schlagenheim (2019), demonstraram que a perspicaz desconstrução de uma forma de arte provém da minuciosa análise e questionamento da teoria efectuados a priori, na execução ao vivo ofereceram continuidade a este modus operandi, quer relativamente à interpretação do álbum de estúdio, quer ao próprio conceito de “entretenimento”. A banda recorreu unicamente à energia libertada pela sua música metamórfica para interagir com a audiência, deixando-a extasiada com intrigantes execuções de “Near DT, MI”, “953” ou “Ducter”, onde a experimentação foi absolutamente bem-vinda, a cultura da jam session enaltecida e ainda houve tempo para iludir os novos fãs, que não pararam de mochar ao longo de todo o concerto, com crescendos que terminaram não em explosões sonoras, mas em imprevisíveis e serenas soundscapes. Sucintamente, os britânicos estudaram e testaram o seu próprio trabalho, o comportamento do público e a sua reacção a certos estímulos, tudo isto em pleno palco. Missão cumprida com êxito, os black midi viraram as costas a uma audiência fervorosa, caótica e faminta por mais, não sem antes Geordie Greep nos ter fitado pela primeira e última vez, elevando o dedo indicador no ar e relembrando-nos de que nos encontrávamos a um mês do próximo compromisso, agora na Galeria Zé dos Bois e em nome próprio.




MARGARIDA RIBEIRO

Deerhunter no Vodafone Paredes de Coura, 16 de Agosto 2019 (© Margarida Ribeiro)

Poder-se-á dizer que parte de uma relação emocional estabelecida entre o sujeito e a criação artística? Talvez, uma vez que quem aqui redige estava, em 2013, na fila da frente do concerto dos Deerhunter no Primavera Sound, ainda nessa data patrocinado pela Optimus. Apesar disso, o regresso da banda norte americana caiu mais do que em boas graças para um dos concertos que, a título pessoal, mais expectativas tinha elevado. Houve especial enfoque no álbum de 2010, Halcyon Digest, superando até Why Hasn’t Everything Already Disappeared? em número de faixas tocadas, tornando este concerto uma ode à adolescência dos millennials que cresceram escutando devotadamente os diversos géneros musicais com que tentaram rotular a banda de Atlanta: começando pelo pop psicadélico, passando pelo rock experimental, pós-rock ou dream pop, mas que na verdade pode ser sintetizada numa variante de shoegaze.

Intervenções mais infelizes proferidas por Bradford Cox (que parece ter vindo directamente do aeroporto para o recinto) ao agradecer ao “Porto” por os receber mais uma vez, são perfeitamente desculpadas pela materialização ao vivo do trabalho em estúdio de Deerhunter. A banda produz uma sonoridade que permite a cada indivíduo da plateia embarcar numa viagem por si, não sendo este um espectáculo de fruição comunitária. Assim sendo, não será de espantar que fora um dos poucos concertos do festival, em horário nobre, sem direito a crowdsurfing por parte de um público que está habituado, sobre braços da plateia, a sorrir e fazer pose olhando directamente para a lente dos fotógrafos. Talvez por assim ter sido e por terem os Deerhunter uma sonoridade que parte do trabalho da evolução melódica, foi este um dos concertos que mais marcaram a edição deste ano do Vodafone Paredes de Coura.




MARGARIDA SEABRA

Vodafone Paredes de Coura
Patti Smith no Vodafone Paredes de Coura, 17 de Agosto 2019 (© Hugo Lima)

Para quem foi pela primeira vez ao Paredes de Coura, a promessa de que este ano seria a melhor edição de sempre tornou as expectativas ainda mais altas. Se foi ou não ser-me-á sempre difícil de dizer, visto que tendo sido a primeira e única vez, não há meio de comparação. O Vodafone Paredes de Coura, para todos os que observam de fora, é um festival com um cartaz maioritariamente desconhecido, ou que não inclui pelo menos os nomes mais populares. O investimento publicitário em palavras-chave como “habitat natural da música”, “Couraíso” ou “Musicaólicos”, que aparecem simultaneamente às imagens do recinto florestal, levam a que às vezes haja quem valorize mais o “ambiente” do festival e que referia este mesmo “ambiente” como causa principal para o frequentar.

A verdade é que apesar da indiscutível beleza do recinto, que todos os artistas fazem questão de mencionar e das ofertas recreativas que a praia fluvial oferece, aquilo que o festival tem de melhor é o próprio cartaz e as pessoas que arrasta. Se alguns vão motivados pelo “ambiente”, a grande maioria não comprou o bilhete antes de sair o cartaz, ou se o fez, é pela confiança que o festival já merece. Assim, quando estamos lá à frente, envoltos numa multidão compacta, já há várias horas em pé, as conversas entre estranhos surgem naturalmente. Ali, com igual excitação para ver o mesmo concerto, encontramos alguém com quem temos gostos em comum, que tem também uma opinião sobre o novo álbum da banda ou que entende a euforia que é ver Will Toledo a entrar e a sair do palco. Dependendo do concerto há faixas etárias predominantes mas a distinção em idades é quase nula, porque sendo um público com as mesmas motivações, forma-se uma plateia unida.

Ainda assim, impossível não reparar no cartaz deste ano, onde a oferta era muita e diversificada. Pudemos contar com pequenos artistas a caminho de se tornarem grandes e com os grandes de antigamente, que na realidade nunca o deixaram de ser. Nos concertos das bandas mais antigas o sentimento de união de gerações foi o maior, resultando assim numa plateia que, juntamente com os artistas no palco, deu origem a grandes concertos, daqueles que ficaram para a nossa história e para a do festival. A atuação de Patti Smith & Her Band foi uma dessas. Com 72 anos, a artista foi capaz de nos transmitir mais energia do que aquela que nós pensávamos possuir, tratando-se, ainda por cima, do último dia de festival. Os seus gritos por paz e união não estão fora de tempo, apesar de atualizados pelas circunstâncias de agora, é a pujança de sempre que os projeta na nossa direção. Perante tanta energia e entrega da artista, o público uniu-se num só e cantou com ela, respondendo com tal adesão que a artista se emocionou. Foi um concerto que mais uma vez nos trouxe do passado aquilo que temos a aprender para o futuro, relembrando-nos que é sempre bom dar-lhe ouvidos.

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