Woody Allen | ©United Artists

Woody Allen – Devemos continuar a ver os seus filmes?

Woody Allen alcança, este ano, a sua quinquagésima obra. O seu legado é inegável. Porém, a sua carreira foi manchada com um caso de abuso sexual à filha adoptiva – devemos continuar a ver os seus filmes? 

Allan Stewart Königsberg é o nome que está na sua certidão de nascimento. Woody Allen é aquele pelo qual o mundo o conhece. Em quase 84 anos de vida, este actor, argumentista e realizador, presenteou-nos com quarenta e nove obras. Esta semana chega ao grande ecrã a quinquagésima película do realizador- “Um Dia de Chuva em Nova Iorque”.

Dono de um sentido de humor bastante peculiar, desde cedo fez questão de marcar esse seu registo de quem ainda teve uns breves momentos de stand-up comedy nos loucos anos sessenta. Surgem filmes como “Bananas” (1971), “O ABC do Amor” (1972) e “Nem Guerra, Nem Paz” (1975), que claramente marcam esse género non-sense tão característico de Woody Allen. Porém, em 1977 ocorre um plotwist, não nos seus filmes, mas sim na sua carreira. Surge Annie Hall, em que o realizador mostra Diane Keaton como uma mulher citadina independente, inteligente e intelectual. O público aplaude. A crítica aclama. E, em 1978, “Annie Hall” ganha os Óscares de Melhor Filme, Melhor Atriz Principal, Melhor Realizador e Melhor Argumento. “Annie Hall” marca, precisamente, a entrada de Allen no panorama cinematográfico, assinalando o momento em que o seu nome começou a passar de boca em boca.

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Woody Allen tem um estilo próprio, como aquela receita que cozinhamos para os jantares em que queremos fazer boa figura – aquela receita que (quase nunca) falha. Os ingredientes mais característicos desse “à lá Woody Allen” são, sem dúvida, o  humor de carácter demarcadamente dramático e os monólogos das personagens principais, que chegam mesmo a conversar com o espectador. A par com isto surge o pessimismo, a influência Freudiana que se reflecte numa obsessão pela psicanálise, traços hipocondríacos e, claro, o caos na vida amorosa, que nunca se apresenta simples. Tudo isto se amplifica quando o próprio realizador assume uma personagem algo neurótica, como acontece com o seu Alvy Singer, noivo de Annie Hall.

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“Annie Hall” | ©United Artists

Na, já vasta, obra de Allen é possível identificar inúmeras referências à cultura judaica, da qual é herdeiro e, também outras tantas referências a Nova Iorque, cidade onde nasceu e cresceu e que, ainda hoje, ama de paixão.

Os anos passaram e no decurso dos mesmos surgiram vários tipos de obra. Os excelentes, onde incluímos, por exemplo, “Manhattan” (1979) e “Ana e Suas Irmãs” (1986), sendo que este venceu no ano seguinte o Óscar de Melhor Argumento Original.

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“Ana e as Suas Irmãs” | ©Orion Pictures Corporation

Os bons, onde colocamos “A Rosa Púrpura do Cairo” (1986) e “Dias de Rádio” (1987). No entanto, no final dos anos noventa, já a tocar no inicio do milénio surgem os desastres de Woody Allen, “Poderosa Afrodite” (1995) e “A Maldição do Escorpião de Jade” (2001) são dois exemplos notórios de que Woody Allen estava a estagnar. Não havia nada de novo em si. A sua comédia chegava a tocar o ridículo. O seu pessimismo era efectivamente péssimo.

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Com a sua popularidade a decair filme após filme, teria Allen perdido a sua essência?

Contudo, qual fénix renascida das cinzas, Allen sacode o pó e a lama e levanta-se, puxado por “Match Point” (2005) que o leva até ao Goya de Melhor Filme Europeu.

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“Match Point” | ©BBC Films

Seguem-se “Vicky Cristina Barcelona” (2008) e “Meia-Noite em Paris” (2011) e Woody Allen é catapultado de novo para a ribalta, chegando a ser nomeado novamente para o Óscar de Melhor Argumento Original em 2012.

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A vida sorria-lhe novamente. Não fosse o escândalo que viria a marcar a sua vida pessoal em 2014. Depois de ter estado casado com Mia Farrow durante 12 anos, Woody Allen juntou-se com a filha adoptiva da mesma – Soon-Yi Previn, em 1997. E, em 2014, foi acusado de abuso de menores sobre a outra filha – Dylan- mas acabou por ser ilibado. Apesar de se manter reservado e o assunto ter caído no esquecimento, aquando do escândalo que envolveu Harvey Weinstein e o, consequente, movimento #MeToo, Woody Allen viu o seu nome de novo manchado pelo caso de abuso sexual.

Dylan Farrow alega ter sido abusada em 1992, quando tinha sete anos, sendo a argumentação apoiada pela mãe – Mia Farrow – e pelo irmão Ronan, jornalista vencedor do Prémio Pulitzer pela investigação ao produtor Harvey Weinstein.

Actos geram consequências e, na na sequência dos protestos de Dylan Farrow, filha adoptiva de Woody Allen, que retomou as acusações de agressão sexual contra o cineasta, no ano passado, várias distribuidoras boicotaram a emissão do filme mais recente do realizador. “Um Dia de Chuva em Nova Iorque é protagonizado por Timothée Chalamet e Elle Fanning e estreou esta quinta-feira, dia 24 de Outubro nas salas de cinema nacionais. Deste modo, Elle Fanning entra para a lista de musas (também elas características da obra) de Woody Allen, juntando-se a Diane Keaton, Mia Farrow, Scarlett Johansson , Christina Ricci e Emma Stone.

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“Um Dia de Chuva em Nova Iorque” | ©Gravier Productions

Se o próprio Allen refere que quando falecer podemos queimar toda a sua obra, então qual é o seu valor? Terá, de algum modo, este escândalo, influenciado a forma como olhamos os filmes de Woody Allen? Continuamos a aplaudir o pessimismo e a vulnerabilidade humana ou pensamos agora que isso pode ser revelador do próprio carácter do realizador que o conduziu a actos criminosos?

O legado de Woody Allen é enorme. 83 anos. 50 filmes. Não se trata, de todo, de uma carreira coerente, como podemos observar noutros colegas de profissão. Mas, ainda assim, Allen fez-nos olhar a fragilidade humana com outros olhos, fez-nos ver no ecrã aquilo que a maioria dos espectadores já vivenciou – relações complicadas, caos, vulnerabilidade – e, com as suas características tão peculiares marcou o mundo do cinema.

Amar ou odiar a Woody ? Eis a questão. 

One thought on “Woody Allen – Devemos continuar a ver os seus filmes?

  • Eu não quero alcançar a imortalidade através da minha obra. Eu quero tornar-me imortal sem ter que morrer. (Woody Allen)

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