Os melhores guarda-roupas de 2016 | 10. A Assassina

Entre repentinas cenas de ação, e prolongadas cerimónias de cortesãs dançantes, A Assassina é um festim visual onde os figurinos são um elemento inequivocamente essencial.

 


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a assassina figura de estilo top 10 2016

Mesmo entre figurinistas, existe um inconclusivo debate entre duas ideias de valorização da obra final que é o figurino. Existe quem defenda que o figurino em si deveria existir e ser valorizado em separado do filme (ou espetáculo, ou série…) em que se insere, enquanto outros apontam para a valorização do figurino enquanto uma parte integrante da obra final como correto método de apreciação. O certo é que, ocasionalmente, aparecem filmes que são trabalhos tão visualmente coesos e cuidadosamente construídos que é difícil cortar o fio umbilical que une o vestuário ao filme que o acolhe sem destruir, pelo caminho, aquilo que dá valor aos dois feitos artísticos. Passado no fausto e na violência da China Imperial, A Assassina é um desses casos, onde a fotografia, a cenografia, os figurinos, a caracterização, a montagem e até a linguagem corporal dos atores estão tão unificados que é impossível apagar a sua simbiose, mesmo que seja somente para fins analíticos.

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Como tal, para discutirmos e celebrarmos os figurinos desenhados por Hwarng Wern-ying para  A Assassina, há que falar um pouco de toda sua estética e construção visual. E não se enganem, este é um filme construído quase totalmente sobre ideias formalistas de ritmos, contrastes e movimentos. Existe uma narrativa centrada em ambiguidade moral e no princípio da incerteza, mas, se formos perfeitamente sinceros, esse aspeto nada mais se trata do que um esqueleto sobre o qual se apoia a verdadeira carne e musculatura da obra, a experiência sensorial que oferece ao seu público.

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Isso é evidente desde os primeiros momentos, capturados em preto-e-branco de alto contraste e editados com os ritmos bruscos e violentos de uma explosão a quebrar a quietude do mais profundo dos silêncios. Aqui, neste panorama de monocromia contrastante, estabelece-se logo um dos principais elementos do discurso visual do filme no que diz respeito à sua indumentária. Falamos, da expressão do movimento de tecidos, que mais tarde atinge o seu apogeu com delicadas danças entre as damas da Corte, e da relação antagónica entre branco e preto, entre a sombra e a luz. Nestes momentos iniciais, a assassina titular é uma sombra, sua mestra a luz que a molda e afia.

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Quando a sua missão realmente tem início, e ela se envolve na vida que deixou para trás de nobreza, cor, cortes reais e requintados interiores doirados, o guarda-roupa do filme ganha uma riqueza espantosa. Tecidos cobrem todas as superfícies, humanas e arquitetónicas, e suas transparências e suavidade são quase palpáveis, tal é a potência sensorial das imagens conjuradas. Se há um filme que está nesta lista graças ao seu uso e domínio de materiais é este.

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No entanto, temos de referir que o antagonismo entre luz e sombras não só se mantém como se intensifica, culminando numa maravilhosa sequência onde ela espia o seu primo governante na companhia da concubina preferida. O casal veste branco puro e luminoso e vê-se rodeado pelo conforto do luxo e da riqueza ancestral, por labirintos de ricos tecidos e transparências sedutoras. Sem eles saberem, a luz da sua presença cria sombras, por onde a anti-heroína titular se movimenta, como um demónio curioso. Seguindo esse mesmo pensamento, uma das poucas ocasiões em que testemunhamos a assassina em paz e serenidade, ela está numa cabana sombria, reconfortada pelas sombras, suas eternas companheiras.

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A Assassina constitui a primeira aventura de Hou Hsiao-hsien pelo popular género que se denomina como wuxia, ou seja o cinema de artes marciais de tradição chinesa, cujas narrativas tendem a ser situadas num ambiente pseudo-histórico. Só que, longe de fazer uma simples aventura de ação, o maior génio do cinema taiwanês filmou um festim sensorial que se manifesta como uma atrevida subversão dos dogmas do wuxia tradicional, mantendo, no entanto, alguns dos seus mais deliciosos aspetos. Entre eles, está precisamente o luxo visual e o modo como sua reconstrução do passado apresenta sempre alguma estilização. No final, com o seu uso de dramáticas transparências, arquétipos visuais, tecidos expressivos e jogos cromáticos, o guarda-roupa de A Assassina acaba por ser uma das partes mais tradicionais do seu edifício cinematográfico, estando mais próximo do mundo de um conto folclórico do que da realidade da China da Dinastia Tang.

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Na próxima página poderás encontrar um filme que, ao contrário de A Assassina, é um perfeito desastre em quase todos os aspetos, tirando os seus exagerados figurinos.

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