Os melhores guarda-roupas de 2016 | 9. Deuses do Egito
Deuses do Egito é provavelmente um dos piores filmes do ano, mas isso não implica que, pelo meio da sua estúpida mediocridade, não existam fabulosos figurinos.
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Ocasionalmente um cinéfilo depara-se com um filme que resiste teimosamente a qualquer tipo de apreciação racional. Por outras palavras, de todos os pontos de vista imagináveis, Deuses do Egito é um mau filme. E não é meramente um mau filme, é um filme tão titanicamente mau que podia fazer parte do currículo de cursos de cinema como um contraexemplo ou como algo a evitar a todo o custo, tal é a monumentalidade do seu apoplético desastre. No entanto, é difícil não assistir a esta calamidade sem tirar da experiência algum módico de gozo e divertimento. Ou seja, tudo isto foi um modo verboso de dizer que Deuses do Egito é esse raro filme que é tão mau que se torna bom.
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E não se enganem ou pensem que esta apreciação é um ato de snobismo intelectualista. Desde os deuses do Egito serem apresentados como Transformers que sangram oiro, passando pela inclusão de naves espaciais na mitologia egípcia, até à absoluta falta de carisma e competência do ator principal, não há forma de proclamar este filme como uma boa obra de cinema sem dar a impressão que precisamos de uma breve estadia num hospital psiquiátrico. E, verdade seja dita, algumas das pessoas envolvidas na criação deste estafermo fílmico parecem ter percebido o tipo de atrocidade em que estavam envolvidos. Chadwick Boseman, por exemplo, interpreta Toth com toda a subtileza e gestualidade comedida de uma protagonista num filme de John Waters. Mesmo que seja somente um acidente não planeado, os figurinos (e o resto dos visuais, verdade seja dita) seguem essa mesma abordagem, exagerando tudo a um ponto que o filme parece ser a fusão de um videojogo e um épico espetáculo de drag queens encenado por alguém a ter um ataque psicótico.
Não que estejamos a questionar a sanidade mental da figurinista Liz Keogh, pois o trabalho dela é uma das maiores delícias de Deuses do Egito, conferindo uma exuberância kitsch a este mal-afortunado épico sobre divindades em conflito. Basta vermos uma das primeiras e mais importantes cenas do filme para nos apercebermos da magnificência do seu trabalho. Falamos, pois claro, da cerimónia pública entre deuses e humanos que Set interrompe, dando início ao seu tirânico regime em que os seus colegas divinos passam a ser involuntários doadores de órgãos. Somente olhando para screencaps nos revela uma montanha de detalhes, cores, materiais luxuosos e um fausto sem igual que, ao invés de parecer harmonioso, é como um violento ataque sensorial ao espetador. Se bem que nada se compara a ver todo este pandemónio estético em movimento e em 3D, algo provavelmente capaz de despoletar um ataque nervoso por excesso de estímulos.
O melhor de tudo é que, nessa montanha de detalhes, incluem-se uma miríade de símbolos egípcios que, se formos perfeitamente honestos, são o único elemento que legitimamente une este filme à Antiguidade Egípcia. Tirando isso, contudo, os figurinos têm o mesmo tipo de preocupação histórica que um musical animado da Disney, sendo que não estamos só no panorama da desenvergonhada fantasia, como também numa conjetura onde qualquer noção de realismo é completamente ignorada. Para confirmar isso, não é preciso olhar mais longe que os vestidos de noite justos, cobertos de joalharia espalhafatosa e anacrónica, que são envergados pela maior parte das deusas em cena.
Um dos grandes méritos deste guarda-roupa é a qualidade hiperbólica de todas as indumentárias, mesmo a dos figurantes no background, mas existem algumas personagens e peças merecedoras de particular atenção. Horus, por exemplo, enverga ocasionalmente uma rica capa que, ao invés de ser feita de lã ou qualquer material convencional, é composta por centenas de fragmentos metálicos interligados e pintados de intenso azul. O triquini couraçado e coberto de joias que constitui parte do figurino de Hathor é outro highlight, tal como são os toucados enormes de Astarte e Anat (duas assassinas que aparecem montadas em víboras do tamanho de prédios). Num panorama menos exuberante, os mantos de linho e algodão que Geoffrey Rush enverga no papel de Ra são belíssimos exemplos da qualidade executiva destes figurinos, sendo eles construídos com têxteis feitos de raiz para o filme e com hieróglifos tecidos no seu padrão.
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A execução não é tudo, obviamente, mas face a um projeto desta grandiosidade sem estribeiras, a forma impecável como os designs foram materializados é deveras importante. Com isso em consideração, há ainda que esclarecer que os designs em questão podem tender a ser muito ridículos e espalhafatosos mas é igualmente difícil negar que essa abordagem está em jubilante concordância com o resto do filme que, infelizmente, não tem nem uma gota da precisão executiva do seu vestuário. Em conclusão, a apreciação geral de Deuses do Egito pode ser feita com uma abordagem francamente camp e irónica, o que se estende aos seus figurinos que, apesar de tudo, funcionam tão bem dentro do seu louco filme como em vácuo, onde são espantosas obras de exuberância fantasiosa minuciosamente construída e com um paralisante horror ao vazio e à mera sugestão de minimalismo. Neste caso, podemos mesmo dizer que menos não é mais, mais é MAIS!
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Longe das loucuras deste blockbuster absurdo, o próximo título na nossa lista é uma comédia (intencional) que usa os seus figurinos como um inteligente elemento humorístico. Consegues adivinhar de que filme se trata?