Courtney Barnett - Tell Me How You Really Feel

Courtney Barnett, Tell Me How You Really Feel | em análise

Aquela que é, segundo a Pitchfork, uma das mais dotadas compositoras da sua geração, Courtney Barnett, espelha-se numa nervosa introspeção em Tell Me How You Really Feel.

Dia 18 de Maio, meses após a colaboração com Kurt Vile em Lotta Sea Lice em Outubro do ano passado, a artista australiana volta ao palco com Tell Me How You Really Feel, no seguimento do LP anterior (Sometimes I Sit And Think And Sometimes I Just Sit) e do duplo EP de 2013. Courtney Barnett traz-nos mais da sua garra e ousadia, que já no álbum anterior se revelam como fortes aspectos da sua personalidade. De facto, a música em Tell Me How You Really Feel vindica um estilo próprio, feito de verdades cruas, humor negro e um contraste da voz monótona, conversacional com a gravidade das palavras, certeiras no atingir o alvo com a força de um abalo sísmico. Mesmo se o verso que deu origem ao nome do álbum canta-o, não ela, mas Kim Deal, antiga baixista dos Pixies e cara das Breeders, uma das maiores do indie rock do seu tempo e uma forte influência para Barnett.

Tell Me How You Really Feel
Courtney Barnett (© Elizabeth Weinberg)

Num primeiro encontro com o álbum, encaramos uma face inexpressiva, representada num espectro cromático binário de vermelho e preto. Os acordes melancólicos e voz entorpecida da primeira canção “Hopefulessness” rimam com a imagem, anunciando a chegada de um ardente negrume à nossa vida.

Debruça-se sobre uma guitarra que a muitos relembra Nirvana e as inevitáveis atitudes de abanar o capacete e tocar os acordes numa guitarra invisível. A voz conversacional e tímida ganha agora confiança e, em “Need A Little Time”, Barnett surpreende-nos com uma melodia que teletransporta os ouvidos, invade a cabeça e se apodera da mente, transfigurando as pessoas e o mundo à volta em alienígenas. Juntamente com a cantora somos levados pelo espaço fora, recomeçando a canção assim que esta acaba.

TELL ME HOW YOU REALLY FEEL | “NEED A LITTLE TIME”

Por outro lado, Tell Me How You Really Feel explora também sons mais acutilantes e distorcidos. Barnett chega ao limite da sua paciência em “I’m Not Your Mother, I’m Not Your Bitch”, explodindo nesta canção curta mas rasgadora. Ouvidos mais sensíveis poderão repelir este tipo de distorção sonora, caindo no erro de não prestar a devida atenção à faixa, passando-a rapidamente à frente. Na verdade, a letra toca nos temas mais essenciais do álbum – vulnerabilidade, raiva, frustração e como lidar com tudo isso.

Perfeito exemplo da ousadia e genialidade lírica de Barnett é “Nameless, Faceless”, canção dedicada àqueles que nutrem raiva e ódio por tudo e por todos. Alvo de comentários pouco agradáveis, até agressivos, a cantora entoa de mãos nas ancas e revirando os olhos: “Don’t you have anything better to do? (…) Must be lonely, being angry (…) I’m real sorry/ Bout whatever happened to you.”  Courtney Barnett ainda se atreve a integrar, na canção, uma destas tiradas maledicentes, que achou hilariante: “He said ‘I could eat a bowl of alphabet soup/ And spit out better words than you’.” Precisa, vira o feitiço contra o feiticeiro com um só verso: “But you didn’t.”

TELL ME HOW YOU REALLY FEEL | “NAMELESS, FACELESS”

Uma atitude de desafio e agressiva segurança, mas que a própria autora corrói com a dúvida e vulnerabilidade que faz emergir um pouco por todo o lado. Em “Crippling Self-doubt And A General Lack Of Confidence” Barnett abre-se numa confissão de problemas de introversão: indecisão, dúvida e falta de autoconfiança. “(Tell Me How You Really Feel)/ I don’t know anything”. Todo o álbum gira à volta da incapacidade de Barnett em se expressar, da dificuldade em arranjar as palavras certas para explicar o que sente. Muitos compositores sentem necessidade de nas suas letras responder a situações actuais e problemas políticos ou da sociedade, como se de um dever se tratasse, ao qual são convocados. Courney Barnett, pelo contrário, quando se lhe pede que conte o que sente realmente, ou quais os seus planos futuros diz-nos apenas que nada sabe. Ficamos também nós contagiados pela dúvida. Se Barnett diz “I don’t know” ou “I don´t owe anything”, ou as duas em simultâneo, tal como está feito, permaneceria sempre no campo da especulação, não fora a possibilidade de consultar as letras. Uma investigação que apenas confirma o deliberado e pendular jogo de palavras com que a sua autora nos tira o tapete debaixo dos pés para nos deixar sem o chão que ela própria não tem.

Apesar de tanta dúvida, existe um Cogito a que Barnett se agarra, expresso em versos disseminados pelo álbum, que passam por vezes despercebidos. “You don’t have to pretend you’re not scared/ Everyone else is just as terrified as you”, diz ela em “Charity”, ou “Darkness depends where you´re standing”, em “Help Your Self”. Só para, na final e esperançosa “Sunday Roast”, concluir que “I know you’re doing your best, I think you’re doing just fine.” Até as situações mais negras têm uma perspectiva positiva, cabe-nos voltarmo-nos para o sítio certo. Não estamos sozinhos, porque partilhamos os mesmos medos e, talvez por isso, estamos todos a dar o nosso melhor.

Courtney Barnett, Tell Me How You Really Feel | em análise
Tell Me How You Really Feel

Name: Tell Me How You Really Feel

Author: Courtney Barnett

Genre: Indie Rock, Rock Psicadélico

Date published: 18 de May de 2018

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  • Tomás Marques Pereira - 82
  • Rui Ribeiro - 80
81

Um resumo

Autêntica e verdadeira, em Tell Me How You Really Feel, Courtney Barnett perscruta profundamente a alma. O resultado é uma compilação de confissões, opiniões, certezas e incertezas que exige de nós aquele confronto a que o rosto da sua autora nos convoca mal contemplamos o disco. Cada verso, lapidar e contundente, é escolhido a dedo para nos arrancar da indiferença e só a muito custo não nos deixaremos apaixonar pela sincera perícia da guitarra que os acompanha no seu diálogo connosco.

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2 Comments

  1. Frederico José de Melo Franco 16 de Julho de 2018
  2. Tomás Marques Pereira 17 de Julho de 2018

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