Óscares 2017 | David Wasco
Depois de duas décadas a criar festins visuais para Wes Anderson e Quentin Tarantino, o cenógrafo David Wasco foi finalmente nomeado ao Óscar por La La Land.
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La La Land pode ter recebido 14 nomeações para os Óscares, tornando-o o filme mais nomeado de sempre ao lado de All About Eve e Titanic, mas, curiosamente, muitos dos indivíduos nomeados pelo seu trabalho no filme são estreantes destes prémios. Em alguns casos, isso é compreensível, sendo este o primeiro filme de real prestígio e notoriedade para muitos dos cineastas e técnicos. No que diz respeito ao cenógrafo David Wasco, contudo, é difícil acreditar que esta se trata da primeira vez que a Academia reconhece e celebra o seu trabalho. Afinal, Wasco é um dos cenógrafos favoritos de dois dos cineastas americanos mais célebres da atualidade, Wes Anderson e Quentin Tarantino, e a sua filmografia está cheia de triunfos críticos que têm deleitado cinéfilos por todo o mundo.
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Desde o início da sua carreira como cenógrafo de cinema que David Wasco tem tido um colaborador ainda mais regular e leal que os realizadores acima mencionados. Referimo-nos a Sandy Reynolds-Wasco, a esposa do cenógrafo que regularmente trabalha ao seu lado como decoradora. Aliás, foi já na companhia um do outro, que este casal testemunhou o primeiro grande triunfo das suas carreiras, Cães Danados de 1992. Apesar de ter poucos cenários, a longa-metragem de estreia de Quentin Tarantino põe em espetacular evidência o papel do espaço na sua dramaturgia e o trabalho de Wasco é soberbo no modo como pega num número limitado de localizações reais e as eleva ao patamar de memoráveis cenários de Hollywood recheados com toques de deliciosa teatralidade.
Depois dessa primeira colaboração com Tarantino, seguiu-se a odisseia los angelina que é Pulp Fiction. Neste filme de 1994, o trabalho de Wasco é muito mais vistoso, com apartamentos luxuosos, restaurantes inspirados nos anos 50 e masmorras de BDSM a lhe enriquecerem o portefólio. No entanto, nenhuma associação de prémios prestou qualquer tipo de atenção aos seus esforços e o mesmo aconteceu com o seguinte trabalho para Tarantino, o muito subvalorizado Jackie Brown. De certo modo, isso é compreensível pois é rara a narrativa contemporânea sem elementos de fantasia que consegue qualquer tipo de prémio pela sua construção visual. Tal preconceito também explica a falta de celebração do seu trabalho com Wes Anderson nos anos 90, em que Wasco desenhou os espaços de cena para as primeiras duas longas-metragens do realizador, Bottle Rocket e Rushmore.
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Chegado o século XXI, das colaborações de Wasco com estes realizadores começaram a florescer verdadeiros festins visuais. Primeiro, em 2001, Wes Anderson assinou Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial, uma idiossincrática obra-prima com espetaculares cenários, tão saturados de detalhes absurdos e uma composição espacial saída de um diorama infantil que qualquer ligação entre o filme e a realidade do nosso mundo é indiscutivelmente aniquilada. Depois, em 2003 e 2004, estrearam os dois volumes de Kill Bill, a grande opus de cinema pop edificado por Quentin Tarantino, onde David Wasco pode dar o seu toque pessoal a uma série de insanas propostas visuais com inspirações tão variadas como o western clássico, os épicos de artes marciais chineses, os dramas históricos do Japão e até a comédia suburbana. Ainda para Tarantino, Wasco criou uma versão sonhadora da Europa durante a ocupação Nazi em Sacanas Sem Lei.
Independentemente da terrível noção que apenas vistosos filmes de época e fantasias blockbuster têm cenários e figurinos de qualidade, a falta de reconhecimento de Wasco está relacionada com o seu estilo pessoal. Atualmente, vivemos numa época em que o cinema mainstream é regido por uma presunção de credibilidade realista, onde as estilizações glamourosas ou absurdismos fantasiosos da velha Hollywood são olhados com relativa hostilidade pelos espetadores mais casuais e, consequentemente, pelos estúdios que dominam a indústria americana. David Wasco, pela sua parte, nunca foi um cenógrafo particularmente notável pela sua criação de realidades verosímeis, mas sim pela sua capacidade de elevar os registos quotidianos ou históricos a um patamar de estilização idealizada mais próxima do sonho que do documento factual. Até os seus cenários para As 50 Sombras de Grey mostram essa qualidade, ao tornarem o mundo de Christian Grey numa fantasia de luxo quase erótico na sua imaculada perfeição arquitetónica e decorativa.
Como tal, La La Land foi o projeto perfeito para este cenógrafo, dando-lhe a oportunidade de trabalhar num filme em que a ideologia subjacente ao seu estilo pessoal é o lema de toda a obra. Para este musical, Wasco e a sua mulher trabalharam com localizações reais de Los Angeles que depois tornaram versões idealizadas de si mesmas. Para esse efeito, Wasco criou candeeiros de rua retro que espalhou pelas ruas vistas no filme, pintou as fachadas de quarteirões inteiros, exagerou a proeminência e escala de murais pré-existentes e, em alguns casos, reconstruiu espaços reais, como o Observatório da cidade, para apagar marcas de contemporaneidade e salientar os seus aspetos arquitetónicos mais antigos. Para o final, onde os telões pintados são obra dos mesmos artistas responsáveis pelas paisagens de Mary Poppins, David Wasco pode realmente dar asas à sua imaginação, criando um sonho de artificialismo descarado à moda dos grandes musicais do passado. Pode ter demorado muito tempo a acontecer, mas a nomeação para o Óscar de David Wasco e Sandy Reynolds-Wasco é completamente merecida e, com sorte, pode até resultar numa triunfante vitória para o casal.
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Na próxima página, continuamos no mundo da cenografia, mas vamos debruçar-nos sobre um individuo que tem exibido muito mais sorte com os Óscares do que David Wasco.