14º IndieLisboa | Home, em análise

O conflito entre gerações é o foco principal de Home, o novo filme da cineasta belga Fien Troch, onde adolescentes e pais participam em jogos de poder com consequências trágicas. 

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Filmes sobre a vida de adolescentes. Suas especificidades e sexualidade são sempre uma proposta com o seu considerável teor de risco. Existem cineastas como Harmony Korine, Larry Clark e Gus Van Sant que têm dedicado grande parte das suas filmografias a este subgénero de cinema, cujos resultados finais, independentemente da sua qualidade, têm sempre a garantia de ir provocar muita gente e chocar muitas mais. Poucos são os filmes nesta linha que conseguem contornar os obstáculos da histeria moral e do sensacionalismo, mas, talvez uma vez em cada par de anos, encontramos um trabalho como Bang Gang de Eva Husson, que o ano passado maravilhou o circuito dos festivais com a sua franqueza, falta de julgamento ou glorificação errónea. Fien Troch pode estar a propor-se como a Husson deste ano com Home, mas os resultados neste caso deixam muito a desejar.

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Uma abertura no ambiente escolar estabelece logo o principal conflito do filme, a barreira invisível que separa as gerações dos adolescentes e dos adultos que lhes são figuras de suposta autoridade. Filmadas a 4:3 e em tons de desenxabidos cremes, beges e cinzas, estas cenas mostram-nos a discussão entre uma jovem e o diretor da sua escola e a gritaria de um pedagogo que encontra um estudante, mais tarde saberemos que se chama John, no corredor com o telemóvel na mão.

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Usando ângulos levemente picados nos grandes planos, Troch cria um visual peculiar e paradoxal que sugere a intimidade com a sua proximidade física dos sujeitos, mas graças ao seu ângulo parece sempre distante e clínico. A histrionia e drama do liceu não duram muito, contudo, e Home depressa vira as suas atenções para a esfera da domesticidade, onde, ironicamente, o conceito caloroso de lar (home) parece ter sido esquecido por todos os envolvidos.

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É maioritariamente em duas casas que o enredo se desenrola, a de John e a de Sammy e Kevin. Este último é um criminoso já com cadastro que é acolhido pela sua tia, depois de a mãe ter limpado as mãos de qualquer responsabilidade parental. Apesar de inicialmente parecer cabisbaixo e introvertido, ele depressa revela um inquietante potencial para reações violentas e repentinas, algo que não é atenuado pelo comportamento antagónico da sua tia. Mas essa relação turbulenta é uma insignificância quando colocada em comparação com John e a sua mãe solteira. Controladora, ditatorial e manipuladora, a mulher é um verdadeiro monstro que saiu de um melodrama sensacionalista. Quando, numa cena explícita e chocante, vemos que o incesto é parte do seu doentio tratamento do filho, sabemos imediatamente que algo vai acontecer, algo violento e fraturante.

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Isso acaba por se verificar, com a tensão do filme a se ir tornando mais evidente, como uma corda a ser torcida, até uma sangrenta explosão, filmada numa perspetiva distante e paralisada pelo choque. Por muito que as decisões estilísticas de Troch apontem para o cinema verité, o seu guião descamba em epítetos melodramáticos e caracterizações tão simples que sugerem o cartoon. Felizmente, a realizadora belga teve a bênção de um elenco bastante competente, cujo trabalho acrescenta complexidade e interioridade a um texto desprovido de ambas as qualidades. Mistral Guidotti e Els Deceukelier são de especial destaque. Ele por telegrafar as tempestades interiores da sua personagem sem nunca trair a abordagem realista do filme e ela por confrontar um papel problemático com a ousadia de uma Shelley Winters flamenga e suficiente inteligência para sombrear a loucura com nuances de animalesca vulnerabilidade.

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Não há, contudo, prestação genial que salve o filme do seu terceiro ato, onde, depois do momento de violência, toda a narrativa descarrila e perde toda a energia que tinha conseguido conjurar até então. Desprovido de qualquer força ou propósito dramático, Home passa a sua última meia hora como um peixe fora de água, a chapinhar arritmicamente à medida que lentamente sufoca e morre. Maior pecado ainda que a existência e tédio dessa final meia hora é o modo como Troch e o seu coargumentista Nico Leunen, que também editou o filme, atiram borda-fora qualquer réstia de subtileza ou inteligente observação humana que o guião ainda pudesse ter. Aquando da reunião entre Kevin e seu irmão mais novo, Ruben fala do que tem feito na escola e descreve uma experiência que fez com água e azeite, onde se viu que misturar os dois é uma impossibilidade. Troch filma o momento como se se tratasse de uma grande verdade filosófica, sublinhando a metáfora sobre as barreiras de comunicação intergeracionais com um vigor que faz da fala aquele que é talvez o mais risível momento de qualquer filme do Venice Sala Web e, agora, do IndieLisboa.

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[Originalmente publicado dia 6 de setembro de 2016 para a cobertura da Venice Sala Web no Festival Scope]

 

Home, em análise
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Movie title: Home

Date published: 6 de September de 2016

Director(s): Fien Troch

Actor(s): Sebastian Van Dun,, Loïc Bellemans, Karlijn Sileghem, Mistral Guidotti, Lena Suijkerbuijk

Genre: Drama, 2016, 103

  • Claudio Alves - 55
55

CONCLUSÃO

O MELHOR: O trabalho, já elogiado, dos atores e o curioso uso de vídeos de iphone em momentos pontuais, onde se vê os adolescentes tomarem controlo e autonomia sobre a sua própria imagem, mesmo quando não têm controlo sobre mais nada nas suas hedonísticas vidas.

O PIOR: Aquela fala metafórica do final merecia um demérito especial dos júris de Veneza ou do IndieLisboa.

CA

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