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72ª Berlinale (Dia 1) | Peter von Kant, de François Ozon

O realizador, argumentista e produtor francês François Ozon regressou à Competição da 72ª Berlinale, pela sexta vez, 20 anos depois ‘8 Mulheres’ (8 Femmes), quando o seu elenco de atrizes ganhou o Urso de Prata de Berlim de Melhor Contribuição Artística. 

Esta versão de François Ozon de As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant’ (The Bitter Tears of Petra von Kant, 1972), de Rainer Werner Fassbinder, é uma implacável sátira ao culto e ao mundo das celebridades e um divertido retrato de um realizador ‘mimado’, feito um pouco à imagem e semelhança das grandes vedetas. 8 Mulheres é também exibido aqui na 72ª Berlinale, como parte da homenagem a Isabelle Huppert, a quem será atribuído uma Urso de Ouro de Carreira. Em 2019, Ozon recebeu também o Grande Prémio do Júri/Urso de Prata pelo seu filme Graças a Deus (Grâce à Dieu, 2019).

Peter von Kant — brilhantemente interpretado por Denis Ménochet — é efectivamente um realizador de grande sucesso na indústria do cinema, (tal como Ozon), e que está prestes a filmar com Romy Schneider, na Colónia dos anos 80. Mora com Karl (Stéfan Crépon), o seu silencioso assistente — para todos os serviços — que maltrata e humilha, como se fosse seu criado. E este filme, traça a vida intima deste famoso realizador que fica literalmente de pernas para o ar, quando conhece o belo e jovem Amir (Khalil Gharbia), aspirante a estrela de cinema. Sidonie (Isabelle Adjani) é uma grande atriz que foi sua a musa e a principal interprete dos seus filmes, durante muitos anos. É ela quem apresenta a Peter, esse jovem bonito vindo de um meio bastante humilde e com uma história e um passado, aparentemente trágico. Peter apaixona-se perdidamente por Amir e ao segundo encontro, oferece-lhe mesmo a possibilidade de morarem juntos no seu apartamento, abrindo-lhe assim as portas da fama e do cinema. O plano funciona, mas assim que Amir ganha notoriedade, ‘dá com os pés’ em Peter, deixando-o sozinho a ter de enfrentar seus demónios e desgosto de amor.

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VÊ TRAILER DE ‘PETER VON KANT’

Vagamente adaptado de ‘As Lágrimas Amargas de Petra von Kant’, de Rainer Werner Fassbinder, esta atrevida visão de Ozon é um deleite de um esteta e um banquete de humor satírico do melhor, na linha aliás da excessiva mise-en-scène de ‘8 Mulheres’, que vai dos decorações interiores — faz lembrar às vezes os de Almodóvar — ao guarda-roupa; este que pisca bastante o olho à estética e moda do próprio Fassbinder, nos anos 80. É muito difícil fazer melhor do que o filme original do cineasta e dramaturgo alemão falecido em 1982! Porém, todo o elenco  de ‘Peter Von Kant’ é impressionante nas suas performances abraçando de alma e coração os implacáveis diálogos ​​escritos pelo realizador francês, sobre as celebridades, as suas fraquezas, manias e amores. Todas as interpretações são deliciosas, desde a demonstração física de Denis Ménochet, no papel do artista torturado — por vezes numa tentativa de ironicamente colá-la ao próprio Fassbinder — e uma destemida Isabelle Adjani de bom grado interpretando a sua própria imagem de diva e estrela de cinema — cancelou à última da hora a sua vinda à Berlinale — até ao reticente e expressivo Stéfan Crépon, como o assistente de coração partido e ao jovem talento Khalil Gharbia, no cruel Amir; e, claro, a eterna Hanna Schygulla, numa comovente aparição, acenando com reverência e sinceridade ao original: no final do genérico aparece mesmo uma fotografia a preto e branco dela com Fassbinder. Ao tornar o personagem Petra um homem e um cineasta François Ozon não apenas presta homenagem ao filme original, mas também ao próprio Fassbinder, ao mesmo tempo que faz talvez uma espécie de (auto)retrato muito intimo, irónico e divertido de si próprio e do seu elegante maneirismo. 

Foi um dia bem passado no cinema, — incluindo com Rimini, de Ulrich Seidl, que falarei a seguir — depois do stress provocado pelo sistema de reserva de bilhetes, das máscaras e dos testes diários ou melhor às vezes dois no mesmo dia para acertar com as horas nocturnas das sessões. Agora parece que felizmente voltou tudo, pelo menos, ao ‘novo normal’.

JVM

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