Era uma vez... em Hollywood

72º Festival de Cannes | Once Upon a Time in…Cannes

72º Festival de Cannes | ‘Era uma vez… em Hollywood’ de Quentin Tarantino, a história de um ator de televisão e do seu duplo que se cruzam com a ‘Família Manson’ e o assassinato de Sharon Tate na Hollywood de 1969, é uma interessante colagem de momentos e memórias audiovisuais de uma Hollywood, que não existe mais.

Era uma vez uma fila enorme de jornalista duas horas antes da sessão de imprensa para ver ‘Era uma vez… em Hollywood’, o mais recente e mais esperado filme de Quentin Tarantino, dos últimos anos. Logo no início da sessão — que coincidiu com a passadeira vermelha e a sessão oficial — o realizador passou no Twitter mensagem que foi lida na Sala Debussy em que pedia aos jornalistas para não estragarem o prazer dos espectadores quando filme estrear em breve nas salas (sensivelmente daqui a 4 meses); revelando os detalhes do argumento ou anulando um twist, que afinal não é uma reviravolta tão grande como isso, mas antes um reescrever da história como aliás Tarantino já tinha feito em vários dos seus filmes anteriores como por exemplo, ‘Sacanas Sem Lei’.

Once Upon Time in...Hollywood

Em ‘Era uma vez … em Hollywood’, Tarantino conta a história de amizade de Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), estrela de uma série de televisão a preto-e-branco, do género western, intitulada ‘Bounty Law’ e estreada no final dos anos 50 e início dos anos 60. No entanto, depois de uma experiência europeia trabalhando nos western spaghetti, (e do casamento) a carreira de Dalton, parece estar em declínio; e Cliff Booth (Brad Pitt), o seu mais antigo duplo e o seu melhor amigo de Rick, que se tornou também uma espécie de motorista e mordomo.

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Leonardo DiCaprio é um actor da velha Hollywood do star system.
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Ambos são simpáticos, boas pessoas e alcoólicos funcionais sem exageros e ambos parecem viver felizes na sua cumplicidade. Curiosamente Rick Dalton é vizinho do casal Sharon Tate (interpretado por Margot Robbie) e Roman Polanski e as ligações do filme aos factos conhecidos começam de alguma forma, por esta relação. Já se passaram 25 anos desde que ‘Pulp Fiction’ de Quentin Tarantino estreou aqui no Festival de Cannes, marcando quase uma revolução cinematográfica. E desde então parece que todos temos alguma dificuldade em olhar para trás (sobretudo a nova geração de internautas e blogueiros), para uma produção de cinema e televisão e para uma Hollywood muito diferente da de hoje, — ameaçada já pela televisão — que é a que produz filmes como ‘Vingadores: Endgame’, sem duplos e com processos digitais. A Hollywood dos Anos Dourados do  cinema, do star system, do 35mm projectado em grandes ecrãs foi esquecida dos cinéfilos da actualidade, mais ‘agarrados’ ao streaming e às séries de televisão.

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Margot Robbie é Sharon Tate, cujo o destino na ficção vai ficar ligado aos dois heróis.

Talvez por isso e simbolicamente Quentin Tarantino, exigiu que o filme fosse projectado aqui numa cópia em 35’’. Por isso, ’Era uma vez … em Hollywood’, é uma singela homenagem a essa Hollywood dos actores, dos duplos, dos truques, da magia do cinema convencional, que começa com uma interessante colagem de memórias audiovisuais e  culmina num inebriante final, que procura rescrever a história do assassinato de Sharon Tate, que marcou a indústria do cinema e simbolicamente fez a viragem para uma Nova Hollywood dos directors system, dos anos 70 de Steven Spielberg e companhia.

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Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) é um homem de acção.

O filme não é uma obra-prima — tem dividido muito a crítica — embora por longos períodos do filme até parece que poderia ser. É uma colagem nostálgica, um conto épico sobre os bastidores de Hollywood em 1969, que permite a Tarantino desenvolver uma história caleidoscópica e espetacularmente detalhada, em todas as suas obsessões, desde os Drive-Ins e velhos cinemas, aos donuts, às raparigas armadas, aos homens perigosos e sinistros, aos filme de artes marciais, vendettas ou westerns spaghetti e por ultimo ao seu reconhecido fetichismo por pés. Tarantino teve que trabalhar muito para estas desenvolver estas suas obsessões. Talvez não fosse má ideia destila-las um pouco numa montagem sem pressas depois do Festival de Cannes ou guardar algumas das suas brilhantes obsessões para os filmes que fará a seguir. Este conto espartilhado de duas horas e 41 minutos de uma Hollywood presa entre épocas, torna-se às vezes tão catártico e precipitado, que não nos deixa sequer tempo para desfrutar dos nossos sonhos cinéfilos. Como de costume nos filmes de Tarantino, a banda-sonora é de excelência e os temas escolhidos também de um forma obsessiva.

José Vieira Mendes

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