Mais uma vez, Paula Beer interpreta uma académica, parecida com uma fada, mas desta vez mais tenaz. © 73ª Berlinale

73ª Berlinale | Afire: Aproveitar a Vida

Aproximarmo-nos do fim da competição e o alemão Christian Petzold, com ‘Afire’, deu continuidade à sua trilogia sobre os elementos da natureza, um filme muito interessante protagonizado novamente pela sua musa, a bela actriz Paula Beer.

O filme ‘Afire’, marca a quinta presença de Christian Petzold na Competição da Berlinale. Trata-se do segundo filme da sua trilogia sobre os elementos da natureza, que segue o mito anterior sobre a água, com o magnífico ‘Undine’. ‘Afire’ combina agora a água e fogo e traz de volta a bela Paula Beer, que ganhou o Urso de Prata de Melhor Atriz em 2020, precisamente com ‘Undine’. ‘Afire’, conta a história de quatro jovens, Leon (Thomas Schubert), Felix (Langston Uibel), Devid (Enno Trebs) e Nadja (Paula Beer), que se encontram numa casa de verão no meio da floresta, mas perto de uma praia do Mar Báltico, um local onde as emoções vão aumentar à medida que a floresta em seu redor, ressequida pelo calor, pega fogo, tal como as emoções do grupo: o desejo encontra o amor e os ciúmes transformam-se em ressentimentos. Mais uma vez, Beer interpreta uma académica, parecida com uma fada, mas desta vez mais tenaz, que complementa a sua bolsa de estudos como vendedora de sorvetes na praia e faz sexo barulhento com David (Enno Trebs), um musculoso salva-vidas local que, desfeitos os equívocos, passa a ser visita regular da casa.

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Leon (Thomas Schubert), é um ansioso e rabugento candidato a escritor de sucesso, que tenta terminar o seu segundo romance. © 73ª Berlinale

E aí entra um aspirante a estudante de fotografia Felix (Langston Uibel), que trabalha num portfólio com retratos de pessoas olhando para o mar, enquanto o seu amigo Leon (Thomas Schubert), um ansioso e rabugento candidato a escritor de sucesso, que tenta terminar o seu segundo romance. Com um certo humor, Petzold procura desviar-nos dos sinais sinistros de um desastre ambiental e de uma tragédia iminente, mantendo-nos ocupados em empatizar com o quarteto, enquanto eles interagem cada um à sua maneira e de que maneira. Especialmente Leon  que vemos a espiar, a tentar perceber o que se passa à sua volta e teimosamente a ser do contra, não conseguindo mudar o seu irritante comportamento, antes que o desastre externo, substitua uma certa turbulência entre ele e os companheiros. A visita do editor de Leon (Matthias Brandt) — uma espécie de mentor/figura paterna do iniciado escritor — vai agravar ainda mais a situação, até que a floresta começa a arder, chovem cinzas, o céu fica vermelho e o drama dos relacionamentos, ganha uma nova dimensão, combinando intensidade física e sublimação artística. O cenário do Báltico dá a Petzold e ao director de fotografia, Hans Fromm, um ampla oportunidade de pintar um cenário de um verão lânguido e sensual e uma paisagem marítima ondulante, florestas verdes e céus ardentes: aliás o título do filme pode ser traduzido literalmente do alemão (‘Roter Himmel’) como céu vermelho. Petzold, como sempre, pega nas suas experiências pessoais e cultura multidisciplinar e derrama-os no seu universo cinematográfico, como por exemplo as influências que vão da história do cinema à literatura clássica,  da música pop à erudita.

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VÊ TRAILER DE ‘AFIRE’

O final do filme faz mesmo uma referência a ‘Viagem em Italia’ de Roberto Rossellini, ou mesmo quando Paula Beer, interpreta uma chorosa cena como se fosse Ingrid Bergman. Petzold já a tinha feito recitar à mesa do almoço dos quatro, com o editor de Leon, um poema lindíssimo intitulado ‘The Asra’, de Heinrich Heine (1797-1856), que vale a pena escutar com atenção e depois recuperá-lo na internet, onde só encontrei uma tradução em inglês. Aliás como recuperar também os temas da magnífica banda-sonora que consiste basicamente de um conjunto pequeno de músicas: uma dos berlinenses Tarwater e depois o tema recorrente, ‘In My Mind, do grupo vienense Wallners, que nos fica na cabeça. Tanto a melodia como a letra deste último tema, soam também a poesia e a uma lírica entre o clássico e o contemporâneos. Leon — numa magnífica interpretação de Thomas Schubert — quer viver uma vida perfeita, mas a vida vai passando por ele, enquanto os outros apenas vivem e se divertem, não sem que a tragédia os torne e imole.

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A história de quatro jovens, Leon, Felix , Devid e Nadja (Paula Beer), numa casa de verão no meio da floresta. © 73ª Berlinale

‘Afire’ é um filme que fica em suspenso entre o simbolismo e o realismo, entre o cómico e o trágico. Porém, ‘Afire’, o último sonho acordado de Petzold, é um brilhante drama tragicómico sobre os relacionamentos, mas tem igualmente uma componente muito realista, exactamente porque é marcado pela tragédia dos incêndios, que consome as florestas no verão, por essa Europa fora. Petzold já ganhou um Urso de Prata pela realização de ‘Barbara’, mas talvez o mereça novamente por este seu agradável ‘Afire’, na verdade um conto muito na ideia de carpe diem (aproveitem o dia e a vida), muito bem realizado e muito bem interpretado por todos os actores.

JVM, em Berlim




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