Raquel Castro é a protagonista, uma mulher de 40 anos à procura de si mesma. © Terratreme

73ª Berlinale | Cidade Rabat: As Escolhas de Helena

Enquanto Canijo explora o mau-viver de uma família, a cineasta portuguesa Susana Nobre aborda em ‘Cidade Rabat’, um melancólico processo de luto familiar e busca existencial de uma mulher de 40 anos. Mais um filme português na 73ª Berlinale apresentado no Forum, uma secção não-competitiva. 

A realizadora portuguesa Susana Nobre regressou também à 73.ª Berlinale com a sua mais recente longa-metragem, ‘Cidade Rabat’ à secção Forum que já a tinha recebido antes, com ‘No Táxi do Jack’ (2021). Este seu novo filme, ‘Cidade Rabat’ sempre feito num tom melancólico e suave, trata dos sensíveis temas do luto e da busca de um propósito numa vida que às vezes parece passar despercebida e quase a correr. O filme descreve os dias da protagonista, Helena (Raquel Castro), — que pode bem ser um altar-ego da realizadora — uma mulher de 40 anos separada e com uma filha, desde a perda da sua mãe, até ao desabar, quando aparentemente parece perder tudo: carro, emprego e sobretudo um rumo na vida. Sem seguir uma narrativa demasiado rígida, a realizadora mostra Helena a vaguear pelas ruas da cidade de Lisboa e arredores, entrar em conflitos caseiros com a sua filha única, que passa pela difícil fase da adolescência e depois a ter que lidar com as questões do seu trabalho, como assistente de produção cinematográfica. Com o falecimento da mãe, Helena e a irmã têm que cuidar do funeral e esvaziar o seu aconchegante apartamento.

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Cidade Rabat
Com o falecimento da mãe, Helena (Raquel Castro) têm de esvaziar o aconchegante apartamento. ©Terratreme

Cidade Rabat é na realidade, uma rua da freguesia de São Domingos de Benfica, onde morava a mãe de Helena, e onde ela cresceu com a irmã. No inicio do filme, Helena relata mesmo as suas memórias da infância, relembrando aliás, um amigo morto há muito tempo e seus peculiares vizinhos atrás de cada porta do prédio onde cresceu. Há sempre qualquer coisa de libertador, e fala-vos a experiência, em reexaminar a vida aos 40 anos, mergulhando em novos desafios, que podem passar por um novo projecto, um novo trabalho, um novo companheiro, ou companheira, ou até uma nova casa, que nem sempre resultam no melhor para nós. E é isso mesmo que ‘Cidade Rabat’ procura tratar. Porém, o estilo lacónico do filme, leva um bocadinho a fazer-nos descobrir que afinal se trata mesmo de um ensaio de como redescobrir a alegria de viver ou mudar de vida. Há ainda momentos de puro realismo do nosso quotidiano ou pelo qual já passámos, como no consultório médico ou no agente funerário — que seria melhor que não fossem tão longos e estão um pouco a mais, porque o importante era conhecermos um pouco mais a personagem. Porém a realizadora, como já é habitual nos seus filmes anteriores, centra mais o seu olhar no social, nas pessoas em geral, nas ruas mais pobres e degradadas, traçando aliás também um paralelo sombrio entre o caos nas ruas dos bairros populares de Lisboa e a vida de Helena. Raquel Castro consegue demonstrar de forma eficaz com o mínimo de diálogos possíveis, a turbulência interna da sua personagem e do seu entorno.

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Cidade Rabat
Raquel Castro consegue demonstrar com poucos diálogos, a turbulência interna da sua personagem. © Terratreme

O seu olhar sobre o mundo é neutro e o seu comportamento é controlado, dir-se-ia que há até um certo niilismo e descrença na sua personagem. Restam-lhe as suas explosões ocasionais que a levam aos limites, as bebedeiras, dançando nas festas, no casamento ou com os figurantes e actores do filme que está a produzir ou mesmo conduzindo alcoolizada, ser apanhada pela policia e ver a carta de condução apreendida. Porém é interessante ver como a sua sentença no serviço comunitário no clube desportivo de bairro popular, em troca da multa mais baixa, marcam os momentos mais incisivos e interessantes do filme: prefere fazer a contabilidade, mas lavar a loiça não é com ela. Por fim, o filme fecha o seu círculo e traz Raquel de volta ao apartamento na Cidade Rabat. A Raquel Castro está de facto maravilhosa no seu papel — a fazer (talvez) de Susana Nobre — e vai-se tornando cada vez mais luminosa e atraente, mas efectivamente pouco sabemos, em termos narrativos ou de resolução, quem é realmente essa personagem misteriosa de Helena e o que ela quer fazer daí para a frente da sua vida. Mas talvez seja essa mesma a intenção da realizadora. Mesmo assim adorei o ‘Cidade Rabat’, é um filme de uma enorme melancolia, com que aliás me identifiquei muito, porque passei também por todo esse processo, não há muito tempo: a perda dos pais, o esvaziamento da casa onde cresci, essa sensação de que a vida passa a correr e da nossa finitude, com as filhas a crescer. Enfim a nossa tragicomédia humana, real e para todos, de uma forma ou de outra, inultrapassável. A combinação dos actores profissionais com os amadores, resulta muito bem em ‘Cidade Rabat’. Contudo, só o Senhor Marques, o incansável treinador do grupo desportivo do bairro comunitário, dava um filme em si mesmo e até podia ser contracenado novamente com a grande Regina Guimarães.

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JVM, em Berlim




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