‘Mal Viver’, o futuro do hotel está em jogo devido à tensa relação entre mães e filhas. ©73ª Berlinale

73ª Berlinale | Mal Viver/Viver Mal: O Hotel das Emoções

‘Mal Viver’, de João Canijo estreou na Competição e no dia seguinte ‘Viver Mal’, na secção Encounters. É a primeira vez que um cineasta português tem dois filmes a concurso em Berlim nas secções principais e num dos três grandes festivais internacionais europeus.

Foi uma ‘fezada’ a de João Canijo, fazer ao mesmo tempo, em plena pandemia de Covid-19, estes dois filmes: ‘Mal Viver/Viver Mal’, utilizando o mesmo cenário e os mesmo actores e agora estreá-los aqui em Berlim, numa das maiores montras do cinema do mundo. Canijo já passou duas vezes pelo Festival de Cannes [com ‘Ganhar a Vida’ (2001) e ‘Noite Escura’ (2003), na secção Un Certain Regard] e com ‘Mal Nascida’ (2007) na Competição da Mostra de Veneza. Porém, é obra e algo a que poucos realizadores se podem dar ao luxo, inclusive os portugueses, que é estrear dois filmes quase em simultâneo nas duas principais Competições da 73ª Berlinale: a Encounters é aliás uma secção bastante recente, uma espécie de ‘Un Certain Regard’, que tem por objectivo mostrar — ocupando, diga-se, um pouco o espaço do Panorama e Forum — para filmes mais alternativos e que abrem novas perspectivas no cinema contemporâneo. E esta é talvez a perspectiva do segundo filme ‘Viver Mal’, mais maduro e com uma poderosa base dramática. 

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Nuno Lopes e Filipa Areosa são um casal em crise (‘Brincando com o Fogo’). ©73ª Berlinale

No entanto, Mal Viver/Viver Mal’, têm um cenário comum: o belíssimo e elegante Hotel Parque do Rio, em Ofir, já um pouco ‘démodé’, mas com uma deliciosa arquitectura, quartos, restaurante e mobiliário dos anos 60; e sobretudo com a sua maravilhosa piscina, um dos set centrais do filme e do qual a directora de fotografia, Leonor Teles, tira bastante partido: a ‘Piscina do Rio’, como era conhecida, projectada e construída pelo arquitecto Júlio Oliveira e que, ao que parece continua a ser uma das atracções deste velho hotel. É este o palco tridimensional e pode ser visto como tal — até pelas anteriores (e futuras, ao que consta?) produções de Canijo, também ao teatro — dos dois filmes Mal Viver/Viver Mal’ onde se desenrolam, em simultâneo, as suas histórias corais, com situações levadas ao extremo, assentes nas relações tóxicas, entre mães e filhas, maridos e mulheres, que aliás já não é novidade nas obras anteriores de João Canijo. Em ‘Mal Viver’, o futuro do hotel está em jogo devido à tensa relação — de culpabilidade mútua e submissão — entre a matriarca (Rita Blanco) e as suas duas filhas (Anabela Moreira e Cleia Almeida). Sobretudo devido a um forte desequilíbrio emocional da mais velha, algo que se vai acentuar, com o regresso à casa materna da neta rebelde (Madalena Almeida), que entretanto perdeu o pai. As referências cinematográficas de Ingmar Bergman e sobretudo do teatro do dramaturgo sueco Augusto Strindeberg (1849-1912), estão presentes e acabam por ter uma influência fundamental e um enorme peso dramático em ‘Viver Mal’, — aliás algo que dá mais consistência a este segundo filme — uma espécie de ‘espelho invertido’ de ‘Mal Viver’.

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VÊ TRAILER DE ‘MAL VIVER’

O realizador pega nos textos teatrais de Strindberg e combina-os com o seu habitual Método de trabalho com os actores — ver o documentário ‘Trabalho de Actriz, Trabalho de Actor’ (2011) — filmando três histórias dos hóspedes do hotel, enquanto as proprietárias discutem, em fundo, uma com as outras:  Nuno Lopes e Filipa Areosa são um casal em crise (‘Brincando com o Fogo’), porque ela se envolveu com o melhor amigo dele; e Leonor Silveira, é uma senhora da alta-sociedade, recém-viúva de um marido que a deixou na penúria e coberta de dívidas e que se intromete no casamento da filha e do genro (Lia Carvalho e Rafael Morais), já que está também envolvida com este (‘O Pelicano’); por último Beatriz Batarda é uma mãe afectada, ‘benzana’, ciumenta e sufocante, que quer acabar com a relação da filha com a namorada (Leonor Vasconcelos e Carolina Amaral), devido às diferenças de estatuto social das raparigas (‘Amor de Mãe’). De qualquer modo os dois filmes não podem viver um sem o outro, já que são ambos retratos bastante cruéis da natureza humana, de homens e mulheres, embora o cinema de Canijo continue a insistir nas perspectivas femininas.

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Canijo continue a insistir em retratos cruéis na perspectiva feminina. ©73ª Berlinale

Destaque em ambos os filmes, para o extraordinário trabalho dos actores, sem que haja algum que se superiorize ao outro. Há aliás excelentes revelações sobretudo das actrizes mais novas, mas ambos os filmes, mostram um extraordinário trabalho de equipa. Independentemente, do resultado da recepção em Berlim, os dois filmes despertaram muita curiosidade e opiniões muito divididas na imprensa internacional. Principalmente ‘Mal Viver’, presente na Competição Oficial — pena que não tivesse estreado uns dias antes quando estava cá o grosso da imprensa e do mercado — porque para muitos dos jornalistas/críticos não é fácil encaixar o programa da Competição com a Encounters e as outras secções paralelas. Os filmes, e só faz sentido estreá-los em simultâneo, têm como 11 de Maio a data para chegarem às salas nacionais, além de antestreias anteriores, no IndieLisboa (27 de Abril a 7 de Maio).

JVM, em Berlim




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