Un héros/Festival de Cannes ©

74º Festival de Cannes (Dia 8): Um Héros de Farhadi

Com este thriller psicológico, intitulado ‘Un Héros’, o cineasta Asghar Farhadi, volta às origens do seu cinema e ao poder formal e narrativo de ‘Uma Separação’, examinando novamente de forma intransigente os excessos e radicalismos da sociedade iraniana.

Depois de duas experiências internacionais pouco convincentes (O PassadoToda Sabem), e não muito bem sucedidas, o cineasta iraniano Asghar Farhadi voltou ao seu país para ‘Un Héros’. Neste se novo filme, voltou a auscultar os excessos da sociedade iraniana, atormentada pela burocracia, desconfiança e manipulação. Através do destino de Rahim, um homem que em poucos dias, passa de herói a pária, o realizador como já tinha acontecido por exemplo em Uma Separação, concentra-se numa mecânica implacável e magistral, em que passa por todas as grandes vertentes e questões de um regime islâmico (ou melhor de um sistema), que estabeleceu o perdão e a redenção, como uma virtude pública e mediática.

VÊ TRAILER DE ‘UN HÉROS’

Como costuma acontecer na maioria dos filmes de Asghar Farhadi, o personagem principal Rahim (Amir Jadidi), um pintor de caligrafia de caracteres persas, começa antes de tudo de ter que lutar, contra um dilema moral, fruto da lei e religião islâmica. Preso por dívidas após a denúncia do ex-cunhado, é a sua nova parceira (, que se vai oferecer para o ajudar apagar o empréstimo, com moedas de ouro, que estavam numa bolsa que ela própria encontrou perdida na rua. Rahim tenta resolver o problema, antes de ser surpreendido pela sua consciência (ou por algo surpreendente), colocando mesmo um anúncio, para devolver a bolsa e seu conteúdo ao dono(a). Informado da sua boa ação, o diretor penitenciário, ansioso por fazer esquecer uma onda de suicídios, que afetou seu estabelecimento prisional, resolve alertar a imprensa, sobre este caso raro de uma enorme honestidade.

Un héros
Un héros/Festival de Cannes ©

Rahim torna-se assim num herói popular, que todos viram nem reportagens na televisão. Até uma associação de ajuda ao perdão, concede-lhe ‘um certificado de mérito’ e organiza uma campanha de recolha de fundos para a sua libertação. No entanto, o seu credor, alegando a sua má reputação, continua inflexível e a administração pública, que lhe prometeu um emprego, quando sai-se da prisão, parece estranhamente demasiado meticulosa em contratá-lo. Sobretudo, por causa dos boatos que vão circulando nas redes sociais, relativamente a tudo o que aconteceu. E se tudo isso tivesse sido encenado? O seu gesto foi sincero ou calculado? A dúvida é permitida, mas solicitado a fornecer provas, Rahim depara-se naturalmente com a impossibilidade de localizar o dono (a) da bolsa, desaparecido(a), na selva da grande cidade. E, é aqui que Asghar Farhadi configura um formidável dispositivo narrativo, digno de um grande filme de suspense, no qual todas as tentativas de Rahim, para provar a sua boa fé, vão-lhe infelizmente sair furadas.

Un héros
Un héros/Festival de Cannes ©

Qualquer mentira ou meia verdade serão usadas para levar ao seu descrédito. Filmado na maioria das vezes através de janelas, o protagonista vê-se prisioneiro de uma gaiola invisível, enfrentando a má-fé dos seus interlocutores, que se apressam, ora a encobri-lo, ora tentar manipulá-lo, em nome de um pseudo país-perfeito, cujo sistema dos media, acabou por ter um efeito negativo, contra o pobre homem. É então que Rahim se vê encostado à parede, novamente perante um dilema de consciência no final. O poder deste filme, reside tanto no domínio da sua como sempre excelente realização, que literalmente agarra-nos até ao fim, como nesse desejo de abraçar todos os males de um país ao mesmo tempo, numa história pequena e comum. ‘Un Héros’ é talvez um filme menos íntimo e mais abrangente, que ‘Uma Separação’, mas a força da sua mensagem, a fabulosa e cínica interpretação de Amir Jadidi,  torna-o nobre obra notável, que decerto, não vai deixar o júri indiferente. Aí está mais um potencial candidato a prémio na Cannes 74.

JVM

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