74º Festival de Cannes: Os filmes portugueses

‘Diários de Otsoga’, dos portugueses Maureen Fazendeiro e Miguel Gomes, um filme improvisado em Agosto do ano passado, durante a pandemia e filmado numa propriedade algo degrada, no Magoito, em Sintra, vai estar também na Quinzena dos Realizadores. ‘Noite Turva’, o primeiro filme de Diogo Salgado, foi também selecionado para a Competição Oficial de Curtas Metragens

‘Seis anos depois de As Mil e Uma Noites’, ter sido apresentado na Quinzena dos Realizadores — foi infelizmente recusado na competição oficial, por causa das suas seis horas e um quarto de duração, três volumes e dos três dias de exibição — que acabou por se tornar num dos grandes acontecimentos desse festival; e 13 anos depois de Aquele Querido Mês de Agosto ter estado também nesta mesma secção paralela Miguel Gomes, volta a um local de onde saiu sempre muito feliz. Agora com a sua actual companheira, Maureen Fazendeiro, realizadora luso-francesa, com quem co-realizou este ‘Diários de Otsoga’ um filme irreversível e inspirado no universo e numa obra do escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950). É um filme maravilhoso e único, surpreendentemente divertido, improvisado e que mais uma vez (como ‘Aquele Querido Mês de Agosto’) assenta num processo criativo de ‘desconstrução’ do sistema de produção do cinema português: ‘Foda-se isto é que é gastar película’. Miguel Gomes — que mantém em suspenso ‘Selvajaria’, o anunciado mega-projecto inspirado na epopeia literária ‘Os Sertões’, sobre a Guerra dos Canudos na Bahia, do escritor brasileiro Euclides da Cunha — e Maureen Fazendeiro que agora vive em Lisboa (realizou as curtas ‘Motu Maeva’ e ‘Sol Negro’) resolveram fazer um diário filmado, a partir de ideia nenhuma. Em Maio de 2020, estávamos na última fase de um dos confinamentos, e apresentamos um plano aos nossos produtores, dizem eles, numa nota de intenções sobre o filme, que a revista Cahiers du Cinéma publicou em Maio passado, num dossier intitulado ‘cinéastes au travail’, sobre os vários que trabalharam durante os meses da pandemia. Escolheram três actores (Crista Alfaiate, Carlotto Cota e João Nunes Monteiro) e arranjaram uma pequena equipa de filmagens, que às vezes também representa, aliás como os realizadores e a argumentista, Mariana Ricardo; obrigaram todos a fazerem testes à covid-19, fecharem-se durante algumas semanas numa casa com um terreno e improvisarem um filme que é um verdadeiro ensaio de como fazer filmes ‘à Miguel Gomes’. Não havia tempo para escreverem um argumento, nem para recorrer às habituais fontes de financiamento; queremos filmar dentro de dois meses. Em película’. A ideia era boa, concordaram os produtores de O Som e Fúria e Uma Pedra no Sapato,  mas tanto o Miguel como a Maureen não tinham ideia nenhuma para o filme. Mesmo assim instalaram-se na casa no Magoito que era ‘ao mesmo tempo espaço de habitação da equipa e potencial décor’, num quase regresso à segunda parte do filme de estreia, nas longas-metragens de Miguel Gomes: ‘A Cara que Mereces’.

VÊ TRAILER DE ‘DIÁRIOS DE OTSOGA’

Começaram a filmar em Agosto, precisamente no mês dos ’70 anos sobre a morte de Cesare Pavese’ e num momento em que os direitos da sua obra, já passaram para o domínio público. O décor foi sendo povoado pelos actores e pela equipa técnica, à medida que iam fazendo testagens negativas ao Covid-19. Inclusive quando Carlotto Cota, foi inconsequente e num dos dias de folga de filmagens se pirou para fazer surf, já que é um praticamente regular e pôs em risco toda a equipa. Verdade ou mentira não interessa! A sinopse do filme diz qualquer coisa como isto: “Crista, Carloto e João constroem juntos um borboletário. Partilham o quotidiano na casa, dia após dia… Não são os únicos.” O Som e a Fúria e Uma Pedra no Sapato (e com apoio da RTP), são (acho que pela primeira vez trabalham juntas) os produtores de ‘Diários de Otsoga’ (Agosto ao contrario obviamente, que corresponde a irreversibilidade dos episódios, que correspondem aos dias de filmagens ao contrário —, o argumento é na realidade feito em conjunto por Maureen Fazendeiro, Miguel Gomes e a habituée Mariana Ricardo. O elenco não podia ser mais improvável, com Crista Alfaiate, Carloto Cotta e João Nunes Monteiro, a improvisarem algumas das mais divertidas e inconsequentes tarefas e diálogos do cinema português da actualidade. Depois da estreia mundial em Cannes, ‘Diários de Otsoga’ será lançado comercialmente em França a 14 de Julho. Em Portugal a estreia nas salas a 19 de Agosto.

VÊ TRAILER DE ‘NOITE TURVA’

‘Noite Turva’, o primeiro filme de Diogo Salgado, foi também selecionado para a Competição Oficial de Curtas Metragens desta 74ª edição do Festival de Cannes. Estreado na competição do Curtas Vila do Conde 2020, — Prémio de Melhor Filme da Competição Nacional — esta curta-metragem, tem em Cannes a sua estreia internacional. Conta a história de dois rapazes que passam a tarde a brincar numa floresta, junto a uma lagoa. Quando um deles desaparece, a lagoa e os seus habitantes tomam o controlo da narrativa, construindo, ao entrar da noite, um labirinto que cerca as duas crianças. Enquanto um dos rapazes deambula pela floresta à procura do amigo, as silhuetas, texturas e sons exercem lentamente a sua força. O filme, com fotografia de Joana Silva Fernandes e som de Miguel Coelho, é interpretado apenas por três figuras e todo feito sem diálogos: os dois pequenos Afonso Gregório e Simão Bernardino e o pescador Lionel Santos, que são precisamente habitantes do local onde o filme foi rodado. Diogo Salgado, diz que, ‘não poderia ficar mais surpreendido com o caminho que o seu pequeno filme tem vindo lentamente a trilhar. Para mim e para todos os amigos que nele se cruzaram, a seleção de Cannes faz-me acreditar que este seja apenas o melhor início possível de um percurso muito desejado’. Diogo Salgado nasceu em Coimbra, em 1994, estudou cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema e Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, tem, agora, com ‘Noite Turva’, a sua estreia internacional em Cannes, um dos mais prestigiados festivais internacionais de Cinema.

Festival de Cannes
‘Monrovia, Indiana’, de Frederick Wiseman

A Quinzena dos Realizadores 2021, vai também homenagear o cineasta-documentarista norte-americano Frederick Wiseman com o prémio Carosse D’or, e com a projecção especial de ‘Monrovia, Indiana’ (2018) a 7 de Julho. O cineasta dará uma masterclass e divulgou um programa de cerca de 24 longas-metragens, em que 22 são estreias em Cannes. Entre as obras e realizadores selecionados para a Quinzena estão Emmanuel Carrère (‘Le Quai de Ouistreham’, o filme de abertura) com Juliette Binoche e a segunda longa-metragem do realizador, que também é escritor, do romance ‘La Moustache’, (2005); ‘Futura’, de Pietro Marcello, Franceso Munzi e Alice Rohrwacher, uma investigação colectiva sobre a juventude italiana e as suas perspectivas de futuro, ‘Medusa’, de Anita Rocha da Silveira (a realizadora brasileira de ‘Mate-me, por Favor’, 2015) ou ‘Întregalde’, de Radu Muntean.

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