Veneza 75 | ©La Biennale di Venezia

75º Festival de Veneza: Uma Selecção à Americana

Para não fugir à regra 75º Festival de Veneza (Veneza 75) volta a ser novamente e sem complexos, uma a grelha de partida europeia de muitos filmes candidatos aos Óscares. 

Na selecção de 21 filmes de Veneza 75 que vai ter lugar de 29 de Agosto a 18 de Setembro próximos, no Lido, há lugar para ‘coboiadas’, samurais, comédias, filmes históricos e muitos filmes de proveniência norte-americana. Há um pouco de tudo e e além de grandes cineastas-autores (Alfonso Cuarón, László Nemes, Jacques Audiard, Carlos Reygadas, Yorgos Lanthimos e os Irmãos Coen, entre outros), haverá alguns filmes esperados no Festival de Cannes e que não estiveram prontos a tempo ou o mesmo os produtores optaram pelo calmo e talvez mais eficaz lançamento na reentrée do Lido. Esta Selecção está efectivamente poderosa e numa lógica onde o cinema de autor foi ligeiramente sacrificada pelo cinema de género e se calhar ainda bem para que vai lá estar no Lido. Embora não se espere mero cinema de entretenimento ou ligeireza de temas, já que os filmes são de longa duração, artística e conceptual e visualmente maravilhosos, conforme informou desde já Alberto Barbera, o sempre elucidativo director artístico da Mostra, que anunciou uma feliz selecção oficial de Veneza 75, esta manhã em Roma.

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‘First Man’, o já anunciado filme de abertura do realizador de ‘La La Land”.

O tempo, ou os tempos também parecem igualmente alinhar com talento e a vontade das audiências, sem sacrificar a qualidade artística. Ultrapassando inclusive os estigmas da Netflix, a competição de Veneza 75 estreia primeiro em sala, sem pudores, preconceitos, pressões ou polémicas, “The Ballad of Buster Scruggs”, o novo filme dos Irmãos Coen, concebido em seis capítulos, um western com James Franco, Tom Waits e Liam Neesom; e ainda “22 July”, de Paul Greengrass, mais um filme sobre os ataques terroristas na Noruega perpetrados por Anders Behring Breivik, na ilha de Utøya, o segundo sobre o mesmo trágico acontecimento depois de “U – July 22”, de Erik Poppe, estreado na Berlinale 2018. Ambos são produção da mais popular plataforma de streaming, que aposta mais no formato e duração televisiva e que indirectamente até nesta selecção oficial parece haver uma certa coincidência, em acompanhar esse sinal dos tempos, do mercado e do público.

Novamente o filme de abertura do festival vai estar logo a concurso: “First Man”, de Damien Chazelle, — regressa ao Lido para uma abertura depois de “La La Land” em 2016  — um filme sobre a odisseia no espaço do astronauta Neil Armstrong, passada entre de 1961-1969, que coincide com a história da NASA e com a energia e incentivo da nação americana para o Homem pisar a Lua.  Um regresso do jovem cineasta vencedor de um Óscar, agora em outro registo onde a música será apenas a das estrelas e do planeta irmão.

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O realizador húngaro László Nemes, Óscar do Melhor Filme Estrangeiro com o notável “O Filho de Saul” e uma descoberta do Festival de Cannes 2015, onde recebeu o Grande Prémio do Júri vai estar agora na competição de Veneza: “Sunset”, passa-se em Budapeste à beira do início da I Guerra Mundial; o realizador mexicano Carlos Reygadas, que foi em tempos um ‘menino querido’, de Cannes, apresentará agora no Lido de Veneza o seu novo “Nuestro Tempo”, um filme rodado na sua própria quinta, com os membros da sua família e os seus cavalos, e em que é a história gira novamente à volta de um casal — interpretado pelo próprio realizador e pela mulher — e o seu projecto de  relação conjugal aberta. “Roma” do mexicano Alfonso Cuarón é também uma história familiar que dura cinco anos; o italiano Luca Guadagnino (“Chama-me Pelo Teu Nome”) regressa de uma forma completamente anacrónica com um remake de “Suspiria”, de Dario Argento com Tilda Swinton, a interpretar três personagens. O francês Olivier Assayas apresentará uma comédia conjugal, intitulada “Doubles Vies”, interpretada por Juliette Binoche e Vincent Macaigne, sobre como a revolução digital tem mudado as nossas vidas. A concurso vão estar ainda:  “The Nightingale”, da australiana Jennifer Kent (“O Sr. Babadook”), “Capri-Revolution”, do italiano Mario Martone, “Peterloo”, do veterano britânico Mike Leigh (recusado em Cannes e Leão de Ouro em Veneza em 2006) “The Favourite”, do grego Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Rachel Weisz, “Opera senza Autore, do alemão Florian Henckel von Donnersmarck, sobre os resquícios do nazismo na Alemanha dos anos 70, e ainda “What You Gonna Do When The World’s On Fire”, mais um produção americana de um italiano, Roberto Minnervini, sobre o racismo na América; “Acusada”, uma primeira obra do jovem argentino Gonzalo Tobal e “Killing”,  um filme de samurais do japonês Shinya Tsukamoto.

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Mais um “Star is Born’, desta vez com e de Bradley Cooper e a par com Lady Gaga.

A lista de filmes Fora de Concurso de Veneza 75, também promete: a actriz-realizadora Valeria Bruni Tedeschi apresentará, “Les Estivants”, mais uma filme rodado na sua aristocrática casa familiar, com os empregados da família, em mais um olhar terno sobre um mundo que foi, mas já não é mais o seu; e a ainda a estrondosamente anunciada estreia do actor Bradley Cooper como realizador e de Lady Gaga como actriz, em mais uma versão de “A Star is Born”. A dupla interpreta, pela quarta vez, esta história que já foi de Janet Gaynor e Fredric March, de Judy Garland e James Mason e por último de Barbra Streisand e Kris Kristoferson. Vamos ver o que vai sair daqui!

TRAILER DE “STAR IS BORN”

Ainda a propósito da Netflix e exibido fora de concurso, vai estar uma preciosidade e um dos títulos mais aguardados do ano: “The Other Side of the Wind”, o projecto de há quatro décadas do produtor Frank Marshall de nos mostrar — respeitando um esboço de argumento escrito por ele e a companheira Oja Kodar, bem como um plano de edição e alguns testemunhos — o que seria o filme que Orson Welles deixou em pedaços e não terminou: um falso documentário sobre um lendário realizador lendário interpretado por John Huston, que regressava a Hollywood depois de um exílio europeu para realizar, finalmente a sua obra-prima. Será ainda apresentado o documentário “They’ll Love me When I’m Dead”, de Morgan Neville, sobre o falhanço desse filme que Welles começou a rodar em 1970, pouco tempo antes de morrer.

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A veterana actriz britânica Vanessa Redgrave vai receber um Leão de Ouro de Carreira.

Ao nível dos documentários, também há boas novidades: “Process”, mais um filme do prolixo Sergei Losznitsa, feito com material de arquivo sobre os ‘kafkianos’ processos estalinistas que começaram em 1931, onde inocentes acabaram culpados; o regresso de dois mestres norte-americanos do documentário: em “American Dharma”, o documentarista Errol Morris entrevista Stephen Bannon, conselheiro de Donald Trump o tal que quer criar uma fundação para influenciar a Europa e Frederick Wiseman foi para Monrovia, Indiana, um localidade perdida no mapa dos EUA, para encontrar uma explicação para a eleição e existência de Trump; e por último também Emir Kusturica regressa surpreendentemente com um documentário. Na sempre estimulante descoberta da secção Horizontes, está por exemplo “Charlie Says”, de Mary Harron, um filme sobre as mulheres que andaram à volta de assassino Charles Manson, mas há mais a desbravar se houver tempo para conciliar com as sessões da competição principal. Na secção de Clássicos, um mundo de guilty pleasures para além da cobertura diária dos filmes, vão estar entre outros, “The Great Buster”, um documentário de Peter Bogdanovich sobre Buster Keaton, e “Women Making Films”, um projecto épico de Mark Cousins, sobre as mulheres-realizadoras, apenas uma primeira parte, com a duração de quatro horas, de um mais amplo de pelo menos mais vinte. A atriz britânica Vanessa Redgrave vai receber um Leão de Ouro de Carreira. No mínimo um jornada de Veneza 75 que promete de facto ser uma das mais aguardadas dos últimos anos, num dos maiores festivais internacionais de cinema.

José Vieira Mendes

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